Língua catuquina-canamari
Katukina-Kanamari, também conhecida como Catuquina, Canamari, Katukina, Kanamari, Djapá, Kanamaré, Tâkâna e Tüküná é uma língua indígena da família Katukina que conta com cerca de 4.668 falantes[1] na Amazônia brasileira. Apresenta dois dialetos conhecidos, Katukina do Biá e Kanamari, empregados por grupos étnicos homônimos que também se autodenominam Tüküna,[2][3] termo que significa “gente, ser humano”. As línguas da família Katukina (Katukina-Kanamari e a possivelmente extinta Katawixi) compartilham muitos pontos linguísticos em comum com os idiomas das famílias Haramkbet e Arawá,[4] o que motiva a proposta de agrupamento das famílias no tronco Arawá-Katukína-Haramkbet. A língua Katukina-Kanamari é fortemente isolante e apresenta alinhamento ergativo-absolutivo. A ordem das palavras é altamente flexível, tendo apenas um elemento de ordem fixa. A língua possui um sistema análogo ao de classificadores, que divide certos nomes em classes semânticas, em processo de gramaticalização. Katukina-Kanamari não faz uso considerável da distinção t-v ou honoríficos. Trata-se de uma língua originalmente ágrafa, mas o sistema de escrita transposto do Português é comumente aplicado desde as décadas de 1980 e 1990.[5] Em 2023, foi declarada língua oficial do Amazonas, juntamente com outras 15 línguas indígenas.[6] Língua e sociedadeFalantesA língua Katukina-Kanamari é falada por cerca de 4668 indivíduos, dos quais 38 são falantes da variedade Tyohon Dyapa, 628 do dialeto Katukina do Biá e 4002 do Kanamari.[1] De acordo com a UNESCO, trata-se de uma língua vulnerável.[7] A plataforma Ethnologue, no entanto, considera-a uma língua estável de uso vigoroso,[8] haja vista que, apesar de não contar com sustentação institucional, o idioma é utilizado como norma por todas as gerações de sua comunidade e é ensinado às crianças. Sua classificação de acordo com a escala EGIDS seria, então, 6a. Distribuição geográficaAs comunidades Katukina do Biá situam-se nos cursos dos rios Jutaí, Biá (afluente do rio Jutaí) e Ipixuna (tributário do rio Biá), na área correspondente à Terra Indígena Rio Biá, nos municípios amazonenses de Carauari e Jutaí.[9] Os povos Kanamari habitam as margens dos rios Juruá, Curaçá, Javari, Japurá, Xeruã, Itaquaí, Jutaí e Jandiatuba. Há também um pequeno grupo Kanamari em Umariaçu, no alto Solimões.[5] Finalmente, identificam-se duas comunidades compostas por aproximadamente cem indígenas no alto rio Jutaí e uma próxima à cidade de Carauari. Suas comunidades são compreendidas pelas Terras Indígenas Kanamari do Rio Juruá, Maraã/Urubaxi, Mawetek, Paraná do Paricá, Patauá e Vale do Javari.[10] Finalmente, os povos Tyohon Dyapa habitam exclusivamente a Terra Indígena Vale do Javari..[11] Família, dialetos e variações![]() Katukina-Kanamari pertence à família linguística Katukina, bem como a possivelmente extinta língua Katawixi. O idioma possui dois dialetos mutuamente inteligíveis: Kanamari e Katukina do Biá, falados por dois povos que, apesar de compartilharem a língua e muitos aspectos culturais, diferem consideravelmente em suas formas de organização social, rituais e crenças.[3] O dialeto Kanamari apresenta ainda a variante Tyohon dyapa, empregada por um grupo que presta serviços aos Kanamari.[5] Em função do uso indiscriminado do exônimo “katukina” (ver etimologia), é comum a confusão com o idioma Katukina Pano, que pertence a outra família linguística. Comparação entre os dialetosOs dialetos Kanamari e Katukina do Biá diferem na fonologia, na morfossintaxe e no léxico. A principal diferença fonológica é a ditongação de vogais longas e a amplitude da variação da abertura vocálica de um modo geral, que são verificadas somente no dialeto Katukina (ver fonética e fonologia). Já no campo da morfossintaxe, observa-se que a nominalização de participantes e eventos é realizada a partir do sufixo -nin no dialeto Katukina, enquanto, no Kanamari, o sufixo é o -nom, que não se aplica aos eventos. Finalmente, no campo do léxico, observa-se, para além das diferenças vocabulares apresentadas no quadro, uma dissonância nas formas pronominais livres (ver pronomes pessoais).[5]
História da língua e de seu ensinoSeparação entre Katukina e KanamariNo começo do século XX, os indígenas Katukina do Biá e os Kanamari habitavam juntos a região do rio do Biá. O assassinato de um indígena Katukina por um Kanamari e a consequente desavença entre os grupos desencadeou sua separação e os Kanamari passaram a viver nas margens do rio Jutaí. Desde então, os dois grupos vivem em relativo isolamento. Entretanto, não é possível afirmar com certeza se foi essa a origem dos dois dialetos.[5] Ensino do dialeto KatukinaOs Katukina são, em geral, falantes monolíngues, em especial as mulheres e crianças. A predominância do monolinguismo tem, no entanto, sido modificada desde meados dos anos 90 em função do aumento do contato com a comunidade lusófona. Alguns homens, sobretudo os chefes de aldeia e aqueles cujo trabalho envolve intercâmbio frequente com os não-indígenas, têm como segunda língua o português.[5] Tradicionalmente, as comunidades do Biá são ágrafas e seus conhecimentos são passados oralmente. Em 2003, no entanto, foram inseridas no plano de expansão escolar do município de Jutaí. O projeto previa que professores de outras etnias, auxiliados por representantes Katukina, ensinariam os jovens Katukina com o auxílio de livros didáticos, mesas e cadeiras utilizadas nas escolas municipais. Constatou-se logo a ineficácia do sistema, visto que ele se baseava em um sistema educacional cuja realidade difere gravemente da dos indígenas Katukina. A organização não-governamental OPAN (Operação Amazônia Nativa), que trabalha tanto com os Katukina quanto com os Kanamari desde 1980, promoveu, em 2006, a primeira etapa de discussão sobre alfabetização e ortografia para as comunidades Katukina do Biá. Adotou-se, então, uma grafia elaborada pelos indígenas e assessores linguísticos da OPAN: Zoraide dos Anjos e Francisco Queixalós. Atualmente, em algumas comunidades, o professor antes monolíngue em português e pertencente a outra etnia foi substituído por seu auxiliar Katukina, que ministra aulas para adultos e crianças na língua materna.[5] Ensino do dialeto KanamariO uso da língua materna é muito valorizado e difundido nas comunidades Kanamari, nas quais o monolinguismo é frequente. Nas aldeias mais próximas a cidades, sobretudo a Eirunepé, o contato com a comunidade não-indígena é mais intenso, o que estimula o bilinguismo. Para além da transmissão oral dos conhecimentos, os Kanamari empregam também a educação bilíngue com o sistema ortográfico proposto pela organização Missão Novas Tribos do Brasil, que trabalhou com os Kanamari entre 1980 e 1990.[5] EtimologiaO termo “katukina” é um etnônimo comumente aplicado às diversas comunidades indígenas da região dos rios Juruá, Jutaí e Purús, tradicionalmente conhecida por suas “dificuldades etnológicas”.[12] Nota-se que os povos aos quais se atribuiu a denominação “katukina” não necessariamente partilham das mesmas filiações linguísticas e sociais. Teoriza-se que a palavra “katukina” seja derivada da formação “ka-tukanɨ” (tukanɨ=linguagem), traduzida como “falante, alguém que fala uma língua”, de origem Arauaque/Purus. O contato do termo com a comunidade não-indígena, no entanto, teria causado uma transformação semântica na palavra, que passou a denominar os “falantes de línguas indígenas”, em oposição aos falantes de Português ou Espanhol.[12] A natureza exonímica do termo foi notada primeiramente por Paul Rivet[13] e é reforçada pela rejeição do termo pelos Shanenawa e pelo entendimento dos povos dos rios Gregório e Campinas de que o nome foi “dado pelo governo”.[14] Fonética e fonologiaInventário fonéticoConsoantesHá doze fonemas e dezessete fones consonantais em Katukina-Kanamari. Os fones sem fonema correspondente são ʔ, k̚, w e ŋ. O fone glotal oclusivo ʔ é realizado entre uma sequência de vogais breves idênticas e heterossilábicas (para diferenciar de um núcleo longo) ou no início de sílabas sem ataque; o fone velar não explodido k̚ é realizado apenas em posição de coda, bem como o nasal velar ŋ e o aproximante labiovelar w substitui a vogal alta periférica /u/.[5]
VogaisA língua apresenta oito fonemas vocálicos básicos que podem ser realizados dentro de um amplo leque de variação de abertura (ver Núcleo ) As vogais longas, representadas por :, têm a duração de aproximadamente duas vogais curtas.[5]
Estrutura silábicaA estrutura silábica em Katukina-Kanamari pode ser representada pela fórmula geral (C1) V1 (V2) (C2), na qual (V1)/(V1V2)= núcleo, (C1)= consoante de ataque, (C2)= consoante de coda. Isso significa que as sílabas devem ser compostas necessariamente por pelo menos uma vogal, mas também podem contar com outra vogal adjacente e consoantes iniciais e/ou finais.[5] Os padrões silábicos de que se tem registro são:
/ikau/ [i' . kao] ''chorar" /puaku/ [po. a. 'ko] ''remo''
/i:ku/ [i: . 'ko] ''olho'' /u:ba/ [u: . 'ba] ''tabaco''
/matuli/ [ma. to. 'ɭi] ''louro preto'' /kamudʒa/ [ka. mu. 'dʒa] ''macaco barrigudo''
/taukala/ [tao. ka. 'ɭa] ''galinha'' /ki:dai/ [ki. 'dai] ''cabelo''
/aŋ/ ['ãŋ] ''perna''
/i:ŋ/ ['ĩ:ŋ] ''piranha'' /auK/ ['auk̚] ''buraco''
/hi:paŋ/ [hi: . 'pãŋ] ''cobra'' /uakaK/ [wa. 'kak̚] ''abacaxi''
/mi:ŋ/ ['mĩ:ŋ] ''estômago'' /mi:daiK/ [mi: . 'daik̚] ''neta'' AtaqueO ataque silábico responde a duas regras básicas:[5]
Verifica-se, também, a ocorrência de três transformações fonéticas nos fonemas em posição de ataque:[5]
CodaNão há regras específicas para a formação da coda, mas duas transformações fonéticas são recorrentes nessa posição:[5] 1. Os fonemas plosivos são realizados como não explodidos /uakaK/ → [wa. 'kak̚] ''abacaxi'' 2. Os fonemas nasais, fricativos e aproximantes são realizados como fones nasais velares /paŋ/ → ['pãŋ] ''braço'' NúcleoTodas as vogais podem constituir um núcleo simples, isto é, composto de apenas uma letra. Quanto aos núcleos complexos, há três categorias:[5]
/pukuniŋ/ → [po . ko . 'nĩ:ŋ] ''paxiubão'' /d'uŋ/ → ['dõŋ] 'peixe(sp)'' /ki:taŋ/ → [ki: . 'tãŋ] ''dormir'' Além disso, quando a sílaba não apresenta coda, as vogais do núcleo (breves ou longas) podem, opcionalmente, ser produzidas com ensurdecimento. [pi: . 'daʰ] ~ [pi: . 'da] ''onça'' [pi . o . 'lɯʰ] ~ [pi . o . 'ɭɯ] ''caju'' [hi:ʰ . 'na] ~ [hi: . 'na] ''arraia'' Outra importante transformação é a ditongação, encontrada apenas no dialeto Katukina do Biá e reconhecida, portanto, como uma das principais diferenças entre os dialetos. O fenômeno consiste na realização das vogais longas de modo que a primeira parte seja ocupada por um fone de qualquer grau de abertura. /i:ku/ → [i: . 'ko] ~ [ei . 'ko] ~ [ɛi . 'ko] ~ [ai . 'ko] ''olho'' /u:maŋ/ → [u: . 'mãŋ] ~ [ou . 'mãŋ] ~ [ɔu . 'mãŋ] ~ [au . 'mãŋ] ''árvore'' Outra possibilidade exclusiva do dialeto Katukina é a do núcleo ser realizado com um monotongo de abertura variável. /u:maŋ/ → [u: . 'mãŋ] ~ [o: . 'mãŋ] ~ [ɔ: . 'mãŋ] ~ [a: . 'mãŋ] ''árvore'' TonicidadeO acento em Katukina-Kanamari é previsível e está sempre na última sílaba. Na fala corrente, no entanto, é comum a realização do acento somente na última sílaba do conjunto.[5] No exemplo a seguir, ⟨ ' ⟩ antecede a sílaba tônica.
Sistema de escritaSendo a língua Katukina-Kanamari tradicionalmente ágrafa, ainda não há consenso quanto às convenções ortográficas. Utiliza-se sempre, no entanto, o alfabeto da língua portuguesa como base. A tabela ortográfica apresentada corresponde à adotada pelos indígenas Kanamari entre as décadas de 80 e 90. Tal representação não é fixa e vem sendo modificada pelos próprios indígenas.[15]
As diferenças em relação ao alfabeto da língua portuguesa são poucas. Destaca-se o fonema /tʃ/, que é representado por ⟨ ts ⟩; a aproximante /j/, que é representada por ⟨ y ⟩ e a vogal /ɯ/, que é representada por ⟨ u ⟩. Além disso, a letra ⟨ m ⟩ corresponde ao fonema /m/ e ao /n/ em final de sílaba, que é realizado foneticamente como [ŋ]. Originalmente, o fonema /dʒ/ era associado à letra ⟨ j ⟩, mas, atualmente, opta-se mais frequentemente pela representação ⟨ dj ⟩, sobretudo em nomes próprios. Finalmente, a oclusão glotal [ʔ] é representada por ⟨ ' ⟩ e as vogais longas, por ⟨ ´ ⟩ ou ⟨:⟩.[15] MorfossintaxeDado que, em Katukina-Kanamari, tende-se a manter uma correspondência entre morfema e palavra, considera-se que seja uma língua isolante. Existem, no entanto, algumas palavras constituídas por vários morfemas, de modo que se pode considerar uma língua fortemente isolante com características de línguas aglutinantes.[5] NomesSemanticamente, os nomes podem ser comuns ou próprios, como no português, de acordo com o grau de singularidade do elemento a que se referem. Em Katukina-Kanamari, a função dos pronomes pessoais pode ser cumprida por dois tipos diferentes de nomes. Além disso, pode-se dividir os nomes entre alienáveis e inalienáveis, dependendo de sua natureza e da capacidade de designarem elementos domináveis. Finalmente, há uma classe de nomes em processo de gramaticalização que atua como um sistema de classificadores nominais. Abaixo são apresentadas estas e outras classes de nomes. Pronomes pessoaisA função de fazer referência a pessoas, cumprida em línguas como o português por pronomes pessoais, pode ser assumida por duas classes de nomes em Katukina-Kanamari: as formas pronominais livres e os prefixos pessoais.
As formas pronominais livres têm distribuição sintática análoga à dos nomes próprios[15] e estão divididas em três pessoas e dois números, sem distinção de gênero. Podem ocupar a posição de argumento interno ou externo numa construção verbal. Além disso, apresentam uma leve diferença entre os dialetos: no dialeto Kanamari, as formas pronominais livres para a terceira pessoa singular e plural são respectivamente: anyan e anyan hinuk, enquanto, no dialeto Katukina, as formas são ityian e atyian.[5]
Os exemplos[5]abaixo exemplificam o uso das formas pronominais livres
Os prefixos pessoais cumprem exatamente a mesma função dos pronomes livres, mas são utilizados em outras situações comunicativas. Como as formas pronominais livres, são componentes obrigatórios da frase e estão divididos em três pessoas e dois números, sem distinção de gênero.[5]
Os prefixos pessoais podem ser associados a nomes, verbos e posposições, como mostram os exemplos. A capacidade de selecionar o prefixo pessoal determina a divisão dos verbos e nomes em duas categorias (ver tipos de nome e tipos de verbo)
Tipos de nomeA seguir, apresentam-se as diferentes classificações dos nomes, de acordo com suas propriedades e funções
Os nomes em Katukina-Kanamari são divididos de acordo com sua capacidade de selecionar o prefixo pessoal (pronome preso), isto é, de associar-se a eles. Os nomes alienáveis não selecionam o prefixo pessoal e, portanto, não são flexionados de acordo com a pessoa. Referem-se, em geral, a entidades cuja existência independe de quaisquer outras entidades e não podem ser consideradas posses fixas. Pessoas e animais são os elementos cujos nomes são tratados mais frequentemente como alienáveis.[5]
Os nomes inalienáveis, por outro lado, são flexionados de acordo com a pessoa a quem se referem por meio da seleção de prefixos pessoais. Trata-se, geralmente, de termos de parentesco, partes do corpo e nomes de entidades que precisam estar associadas a outras (como "nome", "superfície" ou "alma"). A relação estabelecida entre as entidades é sempre de posse.[5]
Não existem adjetivos em Katukina-Kanamari, e sua função é cumprida, em geral, por verbos (ver Afixação dos verbos) e, em menor quantidade, por nomes (para noções de dimensão, espessura, cores e nos três casos seguintes)[5]
As formas pronominais demonstrativas cumprem a função de guiar a atenção do interlocutor e indicar a distância entre ele e determinada entidade. São categorizadas como proximais quando indicam que o objeto está próximo do interlocutor e distais quando indicam o contrário.[5]
Entende-se que as formas pronominais demonstrativas são nomes, apesar de cumprirem a função de pronomes, porque sua distribuição sintática corresponde à dos demais nomes. Classes semânticasExiste, em Katukina-Kanamari, a classe dos nomes genéricos, que pode atuar como segunda parte de uma forma nominal composta. Neste caso, indicam a forma ou substância do elemento em questão, de modo a dividir os nomes em classes semânticas.[5]
Em alguns casos, o uso dos nomes genéricos é opcional, mas considera-se que, em geral, seu uso é imprescindível. Os exemplos abaixo ilustram seu uso:
No entanto, não há consenso a respeito da nomenclatura ideal para classe de palavras. A linguista Zoraide dos Anjos, por exemplo, considera que os nomes genéricos estão passando por um processo recente de gramaticalização, por meio do qual originarão um sistema de classificadores nominais, e afirma:
Afixação dos nomesOs nomes podem receber o afixo -na, que indica a direção de determinado movimento, independentemente da natureza da entidade referida (pessoa, lugar, objeto, etc).[5]
Relações de posseAs relações de posse em Katukina-Kanamari são indicadas pelas formas pronominais possessivas, que, embora cumpram a função de pronomes, ocupam a posição usualmente destinada aos nomes. Morfologicamente, resultam da associação do paradigma de prefixos pessoais com o nome relacional wa, que significa “coisa, bem”, sendo que, na segunda pessoa, acrescenta-se também a forma prefixal no-. Nota-se, também, que uma das diferenças entre os dialetos está na primeira pessoa do plural das formas pronominais possessivas, dado que no dialeto Katukina, usa-se a palavra atyowa, enquanto no Kanamari, usa-se ityowa.[5]
VerbosVerbos constituem o núcleo do predicado e referem-se, semanticamente, a ações, processos ou conceitos descritivos. As flexões verbais nunca são marcadas morfologicamente nos verbos, mas indicadas por clíticos e afixos. Em Katukina-Kanamari não é feita, usualmente, flexão de gênero ou tempo, e tais elementos são entendidos pelo contexto da fala. Além disso, os verbos podem ser afixados de modo a indicarem direção e movimento ou serem nominalizados e adjetivizados.[15] Tempo, aspecto e modo
A referência temporal costuma ser subentendida pelo contexto do discurso, mas quando a marcação temporal é imprescindível, utilizam-se advérbios de tempo e/ou clíticos indicadores de tempo.
Todos os clíticos associam-se à última palavra da sentença, independentemente de sua classe gramatical, de modo a sempre ocupar o fim da frase, como mostram os exemplos:
Em determinadas situações, quando convém reforçar a marcação temporal, pode-se associar o uso dos clíticos a advérbios temporais, como ilustram os exemplos abaixo:[15]
O aspecto em Katukina-Kanamari pode ser marcado de duas maneiras. Para indicar que a ação em questão foi concluída, utiliza-se o clítico =ka, caso denominado perfectivo.[15]
Quando, por outro lado, intenciona-se indicar que o evento ainda está em curso, isto é, trata-se de um caso imperfectivo, pode-se omitir a marcação morfológica ou utilizar a partícula -nin, que indica o caso durativo.[15]
Há três modos verbais que podem ser marcados morfologicamente por clíticos em Katukina-Kanamari.[5]
O primeiro deles, o exortativo, refere-se a situações em que existe a intenção de impelir alguém a agir de determinada maneira. O clítico que corresponde ao caso exortativo é o =tyo.
Os clíticos =yu e =tu marcam o caso interrogativo, isto é, indicam a presença de uma pergunta.
Finalmente, a fim de indicar que determinado evento foi finalizado sem que seus objetivos fossem alcançados, utiliza-se o clítico do caso frustrativo, =dirin.
Pessoa e númeroA conjugação por pessoa e número é realizada, em Katukina-Kanamari, a partir da associação dos verbos aos elementos morfossintáticos que atuam como pronomes pessoais: os prefixos pessoais e as formas pronominais livres. A forma básica dos verbos não é alterada durante o processo. Abaixo estão exemplos do verbo dado:hi (correr, fugir) conjugado de quatro maneiras diferentes.[5]
Note que, nos exemplos acima, a forma verbal só é alterada pelo afixo de direção (ver Afixação dos verbos), nunca pela flexão de pessoa e número. Tipos de verboOs verbos em Katukina-Kanamari são divididos em duas categorias, de acordo com a possibilidade de seleção do prefixo pessoal.
São chamados de verbos divalentes aqueles que podem ser associados a duas entidades, sendo uma delas representada por um prefixo pessoal. A relação que estabelece entre as duas é sempre de agente-paciente. Equivalem sintaticamente aos verbos transitivos de línguas como a portuguesa.[5]
Verbos monovalentes, por outro lado, são incapazes de selecionar prefixos pessoais, visto que se referem a apenas uma entidade. Estes verbos são equivalentes aos intransitivos da língua portuguesa.[5]
Além disso, os verbos que agem como adjetivos, que serão tratados em afixação dos verbos, são todos monovalentes. Ordem e alinhamentoAs frases em Katukina-Kanamari são compostas essencialmente pelo sujeito do verbo intransitivo (S), objeto do verbo transitivo (O) e sujeito do verbo transitivo (A). Dentre estes elementos, o único que apresenta ordem fixa na frase é o sujeito transitivo (A), que ocorre sempre antes do verbo transitivo a que se refere. Ressalta-se que o tipo de nome que age como sujeito transitivo (forma pronominal livre, prefixo pessoal ou nome próprio) não altera a ordem mencionada. Os demais elementos sintáticos, isto é, o objeto do verbo transitivo e o sujeito do verbo intransitivo, não respondem a uma ordem fixa, podendo suceder ou anteceder os verbos. Abaixo são apresentados exemplos, em que, independentemente da ordem dos demais elementos, A sempre vem antes de seu verbo.[15]
![]() Nos exemplos acima, nota-se que foi acrescentada aos verbos a partícula na-, com exceção do caso em que um prefixo pessoal foi utilizado (terceiro exemplo). Para compreender sua função, é necessário considerar que Katukina-Kanamari é uma língua de alinhamento ergativo-absolutivo. Em síntese, isso significa que, diferentemente da maioria das línguas indo-europeias (que privilegiam o uso do alinhamento nominativo-acusativo), o sujeito de verbos intransitivos (S) e o objeto de verbos transitivos (O) compartilham a mesma posição e marcação morfológica, o que caracteriza o caso absolutivo. O sujeito do verbo transitivo (A), por outro lado, recebe outra marcação morfológica e constitui o caso ergativo. A ergatividade não é um fenômeno regular em suas manifestações[16] e, em Katukina-Kanamari, o que difere os dois casos é o clítico na-, que associa-se a verbos transitivos de modo a indicar que a palavra antecedente é A, ou seja, marca o caso ergativo. Excetuam-se os casos de uso dos prefixos pessoais, que já se referem automaticamente ao sujeito transitivo.[5] Afixação dos verbosDado que não há adjetivos em Katukina-Kanamari, sua função é cumprida sobretudo por verbos adjetivizados, aos quais se adiciona o afixo -nim. Os verbos que mais sofrem adjetivação são aqueles que indicam conceitos descritivos.[15]
Além disso, a maioria dos verbos que designam ações podem ser nominalizados a partir do acréscimo da partícula -nham, de modo a cumprirem a função semântica dos nomes.[15]
Finalmente, os verbos podem ser afixados pelo indicador de movimento -dak ou pelas partículas direcionais -ji e -na, que indicam, respectivamente, movimentos centrípetos e centrífugos. Nota-se que o direcional -dak tem natureza inerentemente centrífuga, isto é, transmite essa noção mesmo que não acompanhado da partícula direcional -na. Por esse motivo, -dak pode ser associado a -ji (quando intenciona-se transmitir a noção de movimento centrípeto) mas nunca a -na (o que resultaria em redundância). Os exemplos abaixo ilustram a mudança de significado promovida pelos afixos:[15]
PosposiçõesAs posposições são elementos flexionáveis cuja função é estabelecer relações de sentido entre as partes das sentenças. A tabela abaixo explicita suas formas e significados.[5]
Sendo as posposições flexionáveis, algumas delas devem selecionar prefixos pessoais, como exemplificam os casos abaixo:
Reforça-se que nem todas as posposições exigem a associação a prefixos pessoais VocabulárioPartes do corpoOs nomes das partes do corpo em Katukina-Kanamari são apresentados na seguinte tabela[15]:
FrutasAbaixo apresenta-se alguns nomes de frutas com correspondência em português[15]:
AnimaisA tabela abaixo apresenta alguns dos nomes de animais em Katukina-Kanamari com correspondência em português.[15]
VerbosA tabela[15] seguinte apresenta alguns dos principais verbos em Katukina-Kanamari.
Termos de parentescoKatukina-Kanamari conta com uma grande variedade de termos de parentesco, conforme demonstra a tabela[15]:
NumeraisSintaticamente, os numerais podem ocupar a posição dos nomes ou de modificadores nominais.[5]
Notas
Referências
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