Piperáceas (em latim: Piperaceae)[4][5] é uma grande família de plantas com flor, pertencente à ordem Piperales,[6] que agrupa cerca de 3 600 espécies repartidas por cinco géneros em três subfamílias, embora a vasta maioria das espécies pertença a apenas dois géneros: Piper (2 171 espécies) e Peperomia (mais de 1 000 espécies).[7] Com distribuição pantropical, mas presente nas regiões subtropicais, os membros deste grupo podem ser pequenas árvores, arbustos ou plantas herbáceas. A espécie mais conhecida é Piper nigrum, produz a maioria dos grãos de pimenta que são utilizados como especiarias, incluindo a pimenta preta, embora os seus parentes na família incluam muitas outras espécies usadas como fonte de especiarias.[8]
Descrição
É provável que o nome Piperaceae seja derivado do termo sânscritopippali, em sânscrito: पिप्पली que é originário da palavra tamilthippàli, em tâmil: திப்பிலி que significa sensação de calor na parte superior da língua e pertence à família das pimentas que era usada para descrever pimentas-longas (como as de Piper longum).[9]
Morfologia
Os membros da família Piperaceae são pequenas árvores, arbustos ou plantas herbáceas perenes ou anuais. As plantas são frequentemente rizomatosas, e podem ser terrestres ou epífitas. Os caules podem ser simples ou ramificados. O crescimento da planta é monopodial (ocorre a partir de apenas uma gema apical), ou seja, possui um caule central com crescimento vertical, que se ramifica na parte aérea.
A família apresenta folhas simples, com margens inteiras, e estão posicionadas na base da planta ou ao longo do caule, e podem ser alternadas ou espiraladas, às vezes opostas, com venação palmada ou peninérvea. São frequentes as folhas cordadas. As estípulas estão geralmente presentes, assim como os pecíolos, sendo comuma as estípulas serem adnatas ao pecíolo, geralmente envolvendo o caule. As folhas são muitas vezes claramente aromáticas quando esmagadas.
A inflorescência ocorre em forma de espigas, terminais, opostas às folhas ou localizadas nas axilas, com flores pequenas, unissexuais ou bissexuais (monoicas ou dioicas, respectivamente), actinomórficas, ou seja, com simetria radial, sem perianto. Cada flor é subtendida por uma bráctea peltada. As flores não têm nectários e acredita-se que a polinização ocorra por insetos.
Quanto às estruturas reprodutivas das flores, os estames do tipo 3 + 3 (dois verticilos trímeros), com anteras longitudinalmente deiscentes, sendo ditecal ou monotecal, caso este em que as tecas são fundidas. O gineceu é sincárpico e consiste em um único pistilo com ovário súpero, tendo 1 ou 3-4 carpelos e 1 lóculo; o estilete é ausente ou solitário, estigma 1 ou 3-4. A placentação (que se refere à disposição da placenta e consequentemente à região onde se inserem os óvulos) é basal, com óvulos ortótropos (quando micrópila, chalaza, megaprotalo e funículo estão no mesmo eixo), bitegumentadas ou unitegumentados (como em Peperomia); cada ovário armazena 1 único óvulo.
Folhas alternas, opostas, espiraladas ou todas basais, simples, inteiras, pecioladas, suculentas ou herbáceas, muito variáveis na forma e no tamanho, com nervuras acródromas, actinódromas, broquidódromas, camptódromas ou campilódromas, com estípulas intra-especiolares.
Estomas tetracíticos ou anisocíticos, frequentemente com profilos (cada uma das duas primeiras folhas de um ramo lateral) adaxiais em forma de tampa associados à inflorescência e à folha em desenvolvimento. Hidátodos frequentemente presentes em espécies que vivem em ambientes saturados de humidade.
Flores pequenas, aclamídeas, cada uma com uma única bráctea basal, pediceladas ou sésseis, com simetria bilateral ou dorsiventral. Androceu de (1-)2-6(-10) estames livres ou soldados na base do ovário, filantéreos, anteras com 2 tecas, cada teca com 2 esporângios, ou monoteca (em Peperomia), extrorsas a latrorsas, com deiscência por fendas longitudinais. Gineceu súpero, unilocular, formado pela sincarpia de (2-)3-4 carpelos (1 em Peperomia), estigmas 1-4, secos, papilosos. Um único óvulo, ascendente, ortotrópico, bitégmico (unitégmico em Peperomia), crassinucelado, de placentação basal.
A polinização na Piper é geralmente efectuada por abelhas. Os frutos maduros são comidos por morcegos e as sementes dispersas nas suas fezes. Em muitas espécies de Piper, os frutos são suculentos e de cores vivas, e aparentemente são consumidos por aves.
Os frutos do género Peperomia desenvolvem uma extensão viscosa que provavelmente contribui para a exozoocoria, enquanto em Zippelia os mesmos efeitos são conseguidos com frutos dotados de espinhos glocóides.
Os membros desta família são plantas adaptadas às condições de vida nos trópicos e subtrópicos, principalmente nas florestas, em locais sombrios, por vezes como epífitas, por vezes como oportunistas em áreas desbravadas para estradas ou pastagens.
Uma filogenia baseada em 6 000 pares de bases de DNA do cloroplasto. Só recentemente se tornou claro que Verhuellia é um grupo irmão dos outros quatro géneros da família.[15] Com base nesses estudos, foi possível estabelecer o seguinte cladograma que mostra as relações entre os géneros que integram a família:[16]
Peperomia Ruiz & Pavon 1794 (mais de 1 000 espécies)
De acordo com o sistema botânico de classificação APG IV,[6] a família Piperaceae está inserida na ordem Piperales juntamente com outras duas famílias (Saururaceae e Aristolochiaceae). Ao longo dos anos, a organização dessa ordem passou por várias mudanças, entretanto Piperaceae sempre permaneceu como grupo irmão da família Saururaceae desde a atualização do sistema de Engler, em 1964.
Alterações na classificação interna de Piperales ao longo do tempo
O género Peperomia formava anteriormente uma família independente, PeperomiaceaeA.C.Smith, agora é atribuído às Piperaceae. A família Piperaceae foi descrita pela primeira vez em 1792 por Paul Dietrich Giseke em Praelectiones in ordines naturales plantarum, p. 123, e em 13 de junho de 1824 por Carl Adolf Agardh em Aphor. Bot., p. 201. O género tipo é PiperL.
A família Piperaceae foi reorganizada em três subfamílias em 2008.[17] Antes disso, existiam as duas subfamílias Piperoideae e Peperomioideae. Presentemente, contém cinco géneros com cerca de 3600 espécies,[18] mas se diferentes géneros forem separados do género Piper, pode haver até mais dez géneros.
Na sua presente estruturação, a família está subdividida em três subfamílias:[19] (1) VerhuellioideaeTreleaseex Samain & Wanke 2008; (2) Zippelioideae (Miquel 1840) Samain & Wanke 2008; e Piperoideae Arnott 1832. No entanto, análises filogenéticas recentes não confirmam esta divisão básica, uma vez que o clado basal seria formado pelos géneros Zippelia + Manekia, que seriam o grupo irmão de um núcleo contendo o resto dos géneros.
Uma recente revisão da família levou a uma complexa sinonímia taxonómica com a integração de mútiplos géneros em Piper:
Ervas, geralmente epífitas, muitas vezes suculentas. Brácteas florais orbiculares. Estames 2. Anteras monóicas. Estigmas penicilados. Ovário unicarpelado. Fruto em drupa com proeminência translúcida.
Raramente ervas epífitas, trepadeiras, trepadeiras, arbustos ou plantas jovens. Brácteas florais triangulares a caliciformes ou peltadas. Estames 2-6. Anteras bicatecadas. Estigmas não penicilados. Ovário (2-)3-4-carpelar. Frutos em drupa ou baga, sem proeminências.
Planta trepadora ou rasteira. Inflorescências axilares ou terminais, geralmente aos pares. Fruto parcialmente imerso na ráquis alargada.
ManekiaTrel., 1927. América Central e do Sul, Antilhas.
Árvore, arbusto, trepadeira ou erva. Inflorescências opistifoliadas. Frutos livres, não imersos na ráquis.
PiperSpreng., 1820. América Central e do Sul, Antilhas; introduzida noutras zonas tropicais.
A distribuição e diversidade dos géneros é a seguinte:
ZippelioideaeSamain & Wanke — contém apenas dois géneros com cerca de seis espécies. Tem uma área de distribuição disjunta, com ocorrências desde a China até ao Arquipélago Malaio e na América Central e do Sul:
Numerosos membros da família das Piperaceae são utilizados nos sistemas medicinais tradicionais das populações indígenas para uma grande variedade de doenças. Foram realizados muitos estudos para investigar estas utilizações, tendo um grande número deles incidido especialmente sobre o ingrediente ativo piperina e compostos relacionados encontrados em muitos membros desta família, especialmente a pimenta preta, a pimenta longa e o bétele.[21][22] Algumas espécies são utilizadas como plantas ornamentais.
Muitas espécies da família Piperaceae são utilizadas como aromatizantes, plantas medicinais, plantas ornamentais, condimentos e inseticidas (Piper tuberculatum). Piper nigrum é a fonte da pimenta-do-reino, também conhecida como pimenta-redonda e pimenta-preta; seus frutos, secos e moídos, produzem esse tempero, considerado uma das especiarias mais antigas de que se tem conhecimento.
O género Peperomia contém diversas espécies cultivadas como ornamentais devido a sua folhagem.[23]
A espécie Piper umbelatta, conhecida no Brasil como pariparoba, caapeba, capeba e malvisco é muito utilizada na medicina popular para tratamento de epilepsia, doenças relacionadas ao fígado e como antimalárica. Outra espécie com propriedades medicinais e também usada como estimulante é a pimenta betel (Piper betle).
Do ponto de vista económico, a especiaria mais importante produzida pelas Piperaceae é a pimenta, Piper nigrum, cujas diferentes variedades são cultivadas desde tempos imemoriais e é uma das especiarias mais importantes no mercado internacional (pimenta preta: o fruto semi-maduro, ou pimenta branca: madura e sem casca).
Para além desta, outras espécies são utilizadas como sucedâneos, como a Piper longum. As folhas de Piper betle são utilizadas na Ásia e em África para envolver as nozes de bétel (Areca catechu, Arecaceae), utilizadas como agente de mastigação.
Os frutos de Piper darienensis têm um sabor a essência de cravinho e são usados como cravinho para adormecer dentes doridos. Outras espécies de Piper são utilizadas localmente na farmacopeia tradicional, no fabrico de bebidas estimulantes ou narcóticas (kava de Piper methysticum) e como veneno para peixes. Algumas espécies são plantas ornamentais populares.
No Brasil estão presentes 4 géneros, distribuídos em todas as regiões, totalizando 464 espécies, das quais 292 são endémicas no território brasileiro.[25]
De maneira geral, esta família é amplamente distribuída pelo Brasil, sendo encontrada e todas as regiões, domínios fitogeográficos e tipos de vegetação do país.[26]
Campinarana, Campo de Altitude, Campo Rupestre, Cerrado (lato sensu), Floresta Ciliar ou Galeria, Floresta de Igapó, Floresta de Terra Firme, Floresta de Várzea, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Ombrófila (= Floresta Pluvial), Floresta Ombrófila Mista, Vegetação Sobre Afloramentos Rochosos
Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal
Área Antrópica, Caatinga (stricto sensu), Campinarana, Campo de Várzea, Campo Limpo, Campo Rupestre, Cerrado (lato sensu), Floresta Ciliar ou Galeria, Floresta de Igapó, Floresta de Terra Firme, Floresta de Várzea, Floresta Estacional Decidual, Floresta Estacional Perenifólia, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Ombrófila (= Floresta Pluvial), Floresta Ombrófila Mista, Palmeiral, Restinga, Savana Amazônica, Vegetação Sobre Afloramentos Rochosos
Referências
↑«Piperales». www.mobot.org. Consultado em 18 de junho de 2023
↑ abAn update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG IV. Botanical Journal of the Linnean Society 181, 1–20. DOI: 10.1111/boj.12385
↑Wanke, S., Jaramillo, M. A., Borsch, T., Samain, M.-T., Quandt, D., and Neinhuis, C. (2007) "Evolution of Piperales—matK gene and trnK intron sequence data reveal lineage specific resolution contrast". Molecular Phylogenetics and Evolution 42: 477–497.
↑Samain et al. (2010) "Verhuellia is a segregate lineage in Piperaceae: more evidence from flower, fruit and pollen morphology, anatomy and development". Annals of Botany, 105.
↑Wanke, S., Vanderschaeve, L., Mathieu, G., Neinhuis, C., Goetghebeur, P., and Samain, M.S. (2007) "From Forgotten Taxon to a Missing Link? The Position of the Genus Verhuellia (Piperaceae) Revealed by Molecules". Annals of Botany, 99: 1231–1238.
↑ M.-S. Samain, G. Mathieu, S. Wanke, C. Neinhuis, P. Goetghebeur: Verhuellia revisited - unravelling its intricate taxonomic history and a new subfamilial classification of Piperaceae. In: Taxon, Volume 57, 2008, S. 585–587.
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↑Purseglove, J.W., 1981. Spices Vol.1. Longman: New York
Tebbs, M.C. (1993). «Piperaceae.». Kubitzki, K., Rohwer, J.G. & Bittrich, V. (Editores). The Families and Genera of Vascular Plants. II. Flowering Plants - Dicotyledons. [S.l.]: Springer-Verlag: Berlín. ISBN 3-540-55509-9A referência emprega parâmetros obsoletos |año= (ajuda)
Jaramillo, M.A., Paul S. Manos, P.S. & Zimmer, E.A. (2004). «Phylogenetic relationships of the periantless Piperales reconstructing the evolution of floral development.». International Journal of Plant Science. 165 (3). p. 403-416 !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
Yung-chien Tseng, Nianhe Xia, Michael G. Gilbert: Piperaceae., S. 110 - textgleich online wie gedrucktes Werk, Wu Zheng-yi, Peter H. Raven (Hrsg.): Flora of China. Volume 4: Cycadaceae through Fagaceae, Science Press und Missouri Botanical Garden Press, Beijing und St. Louis, 1999. ISBN 0-915279-70-3 (Abschnitte Beschreibung und Systematik)
David E. Boufford: Piperaceae in der Flora of North America, Volume 3, 1993: Online. (Abschnitt Beschreibung und Systematik)
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M. A. Jaramillo, S. Paul, P. S. Manos & E.A. Zimmer: Phylogenetic relationships of the periantless Piperales reconstructing the evolution of floral development., in International Journal of Plant Science, Volume 165, Nr. 3, 2004, pp. 403–416.
Ligações externas
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