Língua acuntsu
Língua acuntsú[1][2] ou akuntsú[3][4] pertence à família Tupari, do tronco Tupi,[5] e é falada por três indígenas monolíngues[3] do povo homônimo que vive no sudeste de Rondônia, Brasil, assentado na Terra Indígena Rio Omerê. Marcado por conflitos com extrativistas e vítima de uma tentativa de extermínio nos anos 1980,[4] os acuntsús se vê hoje extremamente reduzido, e com isso a língua é considerada gravemente ameaçada.[6] Os estudos do acuntsú foram iniciados pelas primeiras frentes de contato da FUNAI nos anos 1990, e hoje a língua é estudada principalmente pela professora doutora Carolina Coelho Aragon, da Universidade Católica de Brasília (UCB). ClassificaçãoA língua acuntsú é classificada como parte da família Tuparí, à qual pertencem no total cinco línguas ainda faladas atualmente: o Ayurú, o Makuráp, o Mekéns, o Tuparí e o próprio acuntsú.[5] Todas essas línguas são faladas no estado de Rondônia e são consideradas gravemente ameaçadas.[7] O cladograma a seguir mostra que o Tuparí pertence ao tronco Tupi, que abrange diversas línguas indígenas da América do Sul:[8] No entanto, a acuntsú pode ser considerada uma língua distinta de todas as outras da família Tupari, à exceção do Mekéns. Por isso, e devido à atual limitação dos dados existentes sobre a língua, ainda não é possível afirmar se ela é uma língua distinta ou um dialeto do Mekéns.[5] O quadro a seguir destaca palavras onde a semelhança entre o Mequéns e o acuntsú se sobressai em vista da análise de toda a família Tupari:
Distribuição geográficaOs acuntsús vive na Terra Indígena do Rio Omerê, onde estão apenas eles e os Kanoê,[10] outro grupo reduzido de indígenas. Acredita-se que antes da exploração da região os acuntsús viviam nas proximidades do rio Corumbiara. Com a ocupação da região e a intensificação do extrativismo, formou-se às margens do Corumbiara a cidade de Vilhena (que hoje concentra a coordenação regional da FUNAI responsável pelos acuntsús), a 705 quilômetros da capital Porto Velho. Nesse processo, a tribo foi cada vez mais encurralada nas proximidades da margem direita do rio Omerê, onde vive atualmente.[6] Contexto histórico e culturalHistóriaO contato com a tribo acuntsú é relativamente recente, datado de 1995, por meio da Frente de Contato Guaporé, da FUNAI. Nesse período o povo já havia sido dizimado pela atividade extrativista em ascensão na região.[6] Antes desse contato, a única menção ao povo registrada está no livro “Tupari”, de Franz Caspar,[11] no qual o autor registra uma menção do povo vizinho Kanoê a índios os quais eles jamais visitaram referidos por “Akontsu”.[4] Ao que tudo indica, o termo akuntsú, na língua Kanoê, quer dizer apenas “outro índio” ou “índios estranhos”, de modo que o nome se refere apenas a uma ausência de contato entre os povos.[12] De fato, o povo acuntsú atende por esse nome por ser assim chamado pelos Kanoê, mas carece de autodenominação.[13] Na década de 1970, principalmente devido à extração de madeira e da instalação de fazendas, o desmatamento se intensificou entre o alto Rio Omerê e o Corumbiara, onde viviam os acuntsús. Com o incentivo do INCRA, nesse período se distribuíram lotes de exploração na região, intensificando os conflitos entre indígenas e fazendeiros.[6] Na década de 1980, conforme indicam registros da FUNAI e relatos dos sobreviventes dos acuntsús, uma aldeia com cerca de 30 habitantes foi atacada em uma tentativa de extermínio, dizimando quase todos os acuntsús remanescentes.[4] Somente em 1995, após o contato, ocorreu a demarcação das terras onde hoje vive o povo.[6] CulturaChama a atenção na cultura dos acuntsús o papel ritualístico do rapé. Assim, como outras tribos da região, o tabaco tem para eles um caráter importante,[14] sendo a cheiração de rapé um ritual de contato com ancestrais.[3] Outro aspecto cultural, mais relacionado à língua, é o papel da mudança de nomes na marcação de períodos em suas vidas. O cacique e pajé da tribo à época do contato passou a se chamar Konibú por denominação dos índios Mekéns, mas contava que antes seu nome era Kwatin (cobra em acuntsús), pois havia sido picado por uma cobra tempos antes.[3] Hoje, com o avanço da idade dos falantes e aumento do contato entre eles e outros grupos indígenas e não indígenas, rituais e práticas tradicionais têm deixado de existir, e com isso o léxico encontrado em pesquisas de campo sobre a língua também diminui.[15] Fonética e FonologiaDe modo geral, as sílabas do acuntsús podem ser formadas com uma única vogal (V), como em /i’top/ (“olhe”); uma consoante e uma vogal (CV), por exemplo em /taˈɾa/ (“largo”); ou ainda uma vogal e duas consoantes (CCV, VCC ou CVC), vide /ˈhat/ (“cobra”), /ˈkwini/ (“forquilha”) e /oˈajt/ (“rabo”). Dessas, a realização CV é a de maior ocorrência.[16] ConsoantesO acuntsú apresenta 29 fones consonantais, classificados a seguir:[6]
Esses fonemas seguem o alfabeto fonético internacional (IPA), e alguns não existem no alfabeto latino. Assim, são eles e os sons que codificam:
VogaisAs vogais observadas estão distribuídas em 3 graus de altura (alto, médio e baixo) e em 3 posições de recuo da língua (anterior, central e posterior). Vogais longas foram identificadas, porém as ocorrências não foram suficientes para uma interpretação.[6] O aspecto fonológico é marcado pela presença de cinco fonemas orais e quatro nasais, além de quatro fonemas longos orais. Todos estes se distribuem em dois anteriores, dois centrais e um posterior.[17]
Essas realizações podem também acontecer na forma de vogais longas ([u:], [ɨ:], [a:] e [æ:]), cuja ocorrência ainda não é totalmente compreendida, e na forma nasal ([ɯ̃], [ũ], [ã], [ɨ̃], [õ] e [ĩ]).[6] Assim como as consoantes, as vogais são expressas no alfabeto fonético internacional, e algumas não existem no alfabeto latino. São elas e os sons que codificam:
Na escrita do acuntsú, as vogais, diferentemente das consoantes, são expressas através dos fones e não dos fonemas (ver seção 5). VariaçõesAlofonesA língua acuntsú traz alofones tanto dos seus fonemas vocálicos quanto dos consonantais, a maioria ocorrendo em variação livre. Eles se alternam conforme as regras de ocorrência trazidas nas seções 3.1 e 3.2. Os que compartilham da mesma regra de ocorrência e decorrem do mesmo fonema variam livremente. Quando cada fonema ocorre um fone com a mesma articulação será observado, a depender da fonotática. Assim, se uma palavra contém, por exemplo, o fonema /p/, que é oclusivo ou africado e labial, são observados os alofones [p], [pp], [pʼ], [ḅʼ], [pb], [b] e [β], que são de articulação bilabial e envolvem fricativas e oclusivas. O mesmo ocorre entre as vogais: na situação em que o fonema /e/, que é anterior, menos alto e oral, ocorre, os alofones possíveis são [ɛ], [æ], [e], [ẽ], [ɛ̃], todos anteriores e nenhum alto. Eles variam livremente conforme a fonotática (os fones nasais, por exemplo, nesse caso só ocorrem em ambientes nasais, como em /meti/ - [mẽn'ti] ~ [mɛ̃n'ti]).[6] Alongamento consonantalÉ possível que os oclusivos /p/ e /t/ se alonguem e opcionalmente até se sonorizem em sua fase final quando em sílaba final acentuada,[6] como por exemplo:
LaringalizaçãoQuando precedidas de uma oclusiva glotal (ʔ, a pausa entre os sons vocálicos na expressão “uh-oh!”), as vogais são laringalizadas. Um exemplo é a palavra /waʔi/ ([kʔ], “pedra”), onde as vogais adjacentes à pausa glotal sofrem laringalização.[6] Há, no entanto, outras três possibilidades para a ocorrência desse fenômeno: ele ocorre em vogais em sílabas acentuadas, quando há ênfase em certa palavra e, na fala de mulheres, quando o tema tratado envolve trauma, emoção ou dor.[19] Em termos de variação sexual, a laringalização é uma parte importante do fenômeno encontrado no Akunstú quanto à pronúncia de vogais, no qual o espaço vocálico feminino tende a ser maior.[17] AcentosOs acentos na língua acuntsú podem aparecer na última sílaba, como em /ewit/ ([ɛ’kʷit’], “mel”), ou na penúltima sílaba, como em /oakoja/ ([ua’kuja], “minha barba”).[6] Aparentemente, a acentuação não possui caráter distintivo.[15] Ainda assim, é possível abstrair padrões de acentuação quando da adição de clíticos ou de morfemas: quando um clítico é adicionado, a acentuação passa a ocorre na sílaba mais próxima a ele, como mostrado em (1). Já com a adição de um morfema ao fim de uma frase, ele absorve o acento (2).
Enfraquecimento de oclusivasEntre vogais, na fronteira de morfemas, o fonema /t/ é enfraquecido e converte-se em /ɾ/:[6] /taptot/ + /atʃo/ = /taptoɾatʃo/ mandioca + grande = mandioca grande EscritaA língua acuntsú, como boa parte das línguas indígenas, não ocorre em uma tradição escrita.[20] As transcrições utilizadas neste artigo se baseiam nos trabalhos sobre a língua acuntsú da professora doutora Carolina Coelho Aragon. Nessas transcrições, são escritos conforme o alfabeto fonético internacional (IPA) os fonemas consonantais acompanhados da realização fonética vocálica com indicação de nasalização apenas. GramáticaExistem no acuntsú quatro classes abertas de palavras (nomes, advérbios, adjetivos e verbos) e cinco classes fechadas (pronomes, posposições, idiofones, interjeições e partículas).[6] NomesOs nomes se referem a entidades concretas (como por exemplo epapap, “lua”). Eles podem assumir funções sintáticas de argumentos de verbos e posposições, como também podem ser determinantes ou determinados em relações de determinação nominal e constituir núcleos de predicados nominais.[6] Flexão relacionalA flexão relacional se dá por meio de prefixos que flexionam o nome substantivo. O determinante dos nomes é a expressão sintática imediatamente anterior. Diferentemente do Tuparí e do Makuráp, ambos também da família Tuparí, onde prefixos mutuamente exclusivos marcam a contiguidade e a não-contiguidade dos determinantes, o acuntsú distingue entre substantivos que se combinam com o alomorfe ø- e os que se combinam com o alomorfe t- (os quais marcam a contiguidade do determinante, sendo a não-contiguidade um caso não marcado).[6]
Flexão causalDois sufixos determinam a flexão causal no acuntsú: o -po locativo e o -et determinativo. O sufixo -po ocorre em três alomorfes fonologicamente condicionados:
Já o sufixo -et confere aos substantivos um caráter específico e determinado. Sabe-se que ele existe nas formas -t após vogal e -et após consoante.[6]
DerivaçãoNo acuntsú há sufixos que modificam nomes (-tin, que os atenua, e -atʃo, que intensifica) e um que forma.
Há também o sufixo -kʷa, que além de formar um verbo o faz trazendo a ideia de continuidade e repetição da ação (ver seção 6.2.2).[6] Composição e reduplicaçãoOutra maneira de se formar nomes é a composição de temas nominais, como a formação de ororope (“roupa”) a partir de ororo (“algodão”) e pe (“revestimento”).[6] A reduplicação da última sílaba também é observada em acuntsú, como em diversas outras línguas do tronco Tupi e indica plural, como entre pi (“pé”) e pipi (“pés”).[15] VerbosOs verbos no acuntsú se dividem entre transitivos e intransitivos. De um modo geral, eles se diferenciam pelo fato de que apenas os transitivos apresentam objetos e, em particular no Acuntsú, há certas limitações quanto aos sufixos que cada um comporta. Ambos, no entanto, adotam o sufixo temático -a (no caso de verbos terminados em /a/, utiliza-se o -ø, e para verbos terminados em /o/, o mesmo é substituído pelo -a - como em "ko", o verbo "comer", que se torna "ka"), que marca o verbo nas mais diversas construções, independentemente de outras flexões.[6] DerivaçãoOcorrendo através da adição de prefixos, sufixos e de reduplicação, o papel principal da derivação em verbos é nominalizá-los ou mudar sua transitividade. Para a nominalização, se destacam o sufixo -pa, que determina circunstância (atʃo - “lavar”, se torna atʃopa - “lavador”), e o afixo -i-, que só ocorre em verbos transitivos e forma um nome correspondente ao objeto resultante do verbo. Um exemplo é a formação de imi (“morto”) a partir de mi (“matar”). Já a mudança de transitividade envolve uma estrutura causativa. Ela pode ser obtida da adição do prefixo mõ-,[6] como em kara - mõkara (“cair” - ”fazer [objeto] cair”) ou do sufixo -ka[15] como em morã - morãka (“pular” - “fazer [objeto] pular”). Tempo, modo e aspectoDiferentemente de outras línguas da família Tupari, que possuem um marcador para o passado, a única informação temporal clara é dada pelo marcador projetivo “kom”, de modo que a língua distingue claramente apenas o “futuro” e o “não-futuro”. O marcador kom ocorre no final das frases e indica que um evento ocorrerá no futuro, em geral um evento certo. Um exemplo seria tekarap ita kom (“a chuva chegará”). Há outros três indicadores muito importantes de aspectos, sendo eles o sufixo -ɾa, que indica habitualidade, o morfema ekʷa, que indica iteração, e o sufixo -kʷa, que indica repetição/continuidade da ação. São exemplos:
Uma particularidade é que ekʷa, após um verbo intransitivo, representa uma iteração da ação (2), enquanto a sua presença após um verbo transitivo indica uma iteração do objeto (3). A reduplicação também é um processo importante para o aspecto verbal, ocorrendo na última sílaba do radical, e também indicando iteração/repetição (por exemplo, oøanam ãpika - oøanam ãpipika [“Eu puxo minha cabeça” - “Eu puxo e puxo repetidamente minha cabeça”]). Quanto ao modo, o acuntsú traz o modo indicativo, o qual não possui marcação explícita na língua, sendo portanto o caso não marcado, além dos modos imperativo e interrogativo. O modo imperativo é evidenciado pelo sufixo -tʃo, como em idaratʃo (“desdobre-o”). Há, no entanto, a possibilidade de que o imperativo apareça sem marcação (iko, “coma”) Já o modo interrogativo é marcado pela entonação crescente e se divide entre perguntas polares, que requerem respostas afirmativas ou negativas e de conteúdo, nas quais a resposta diz respeito a um ponto específico (ver seção 7.5).[15] AuxiliaresExistem no acuntsú verbos auxiliares, que expressam condições dinâmicas ou estáticas do sujeito e contribuem para o aspecto e a direcionalidade do verbo, além de poderem apresentar informações sobre a ação não incluídas na semântica do verbo principal. Eles aparecem ao fim da frase (à exceção do morfema tʃe, observado também antes do verbo principal (1)) e modificam toda a construção, podendo também ocorrer como verbos principais quando sozinhos. São eles:
Esses marcadores contribuem para o aspecto ao expressar um evento em curso simultâneo ao do verbo principal, como em mapi ata kom iko (“ele está indo pegar a flecha”). Quanto à direcionalidade, dois auxiliares caracterizam-na: tʃe indica um movimento na direção do centro dêitico da frase (1), enquanto ka indica o movimento oposto (2).
Os auxiliares podem também agregar sentido ao verbo principal, como em eeta etoa (“Você está dormindo [deitado]”).[15] AdvérbiosOs advérbios formam uma pequena classe aberta do acuntsú. Embora não se distingam morfologicamente da classe dos adjetivos, os advérbios se diferenciam pela sintaxe, já que não podem atuar como argumentos de verbos. A função dos advérbios é agregar à semântica dos verbos, e eles podem ocorrer antes ou depois do verbo que modificam. O processo de reduplicação é importante nos advérbios, pois indica uma intensificação ou reiteração da característica descrita. A própria reduplicação em si pode exercer função adverbial (ver seção 6.2.2). Além disso, expressões locativas também apresentam função adverbial (1). Existem também advérbios específicos de tempo (2) e de modo (3).[15]
AdjetivosHá poucos adjetivos em acuntsú. Eles se referem a abstrações como sensações, cores, estados etc. (como akop, “quente”). Eles modificam nomes e podem ser determinados em relações de determinação nominal, bem como exercer sintaticamente a função de núcleos de predicados nominais. Eles ocorrem depois dos termos que determinam, como nestes exemplos:
PronomesOs pronomes constituem uma subclasse fechada e se dividem entre demonstrativos e pessoais. Entre os pronomes pessoais, existem duas séries: a série I codifica tanto o sujeito de predicados nominais quanto o agente de predicados transitivos (ver seção 7.2). Também podem atuar como núcleo de sintagmas adverbiais (quando modificados pelo sufixo locativo) ou como sujeito enfático de verbos intransitivos. São eles:
Já a série II apresenta prefixos, chamados de pronomes clíticos que marcam o determinante de nomes, objetos de verbos transitivos e sujeitos de verbos intransitivos.[6] No acuntsú, pronomes pessoais podem se ligar tanto a nomes (ver seção 7.1) como a verbos (ver seção 7.2).[15]
Completam a classe dos pronomes os pronomes demonstrativos:
NumeraisHá apenas dois numerais em acuntsú: kite (“um”) e tɨɾɨ (“dois”). Para indicar números maiores se utiliza reduplicação do número dois (tɨɾɨ tɨɾɨ é “quatro”, por exemplo). O numeral pode aparecer antes ou após o nome que quantifica, porém nos estudos sobre a língua até então a ocorrência antes do nome é mais comum. O numeral kite, em alguns contextos, pode também significar “sozinho” (oɾẽbõ kite - “eu estou sozinho”).[15] PosposiçõesEssa classe engloba termos que constam após nomes e expressam alguma noção semântica específica. Ela equivale aproximadamente às preposições de línguas como o inglês e o português, mas surge após os termos que determina por conta da estrutura sintática do acuntsú.[21]
IdiofonesOs idiofones são utilizados pelos acuntsús principalmente na comunicação com falantes de português brasileiro, os quais constituem seu principal grupo de interlocutores não falantes de acuntsú (em geral os membros da frente de contato da FUNAI). Por se pautarem na comunicação de ideias para não falantes, ocorrem nos idiofones segmentos fonológicos que não aparecem em outras palavras na língua. São exemplos: uf (“cansado”/”soprando”) βuh (“caindo”) Os idiofones podem exercer a função de verbos, adjetivos, advérbios ou nomes, com a peculiaridade de que não participam de nenhum processo de flexão ou derivação. O mais comum é que idiofones em funções verbais apareçam com os transitivizadores -ka e -kʷa, mas eles também podem ocorrer com o tema verbal -a.
Quando exercem a função de adjetivos ou advérbios, os idiofones podem sofrer alongamento das vogais, indicando uma intensificação da qualidade que expressam. Um exemplo é o que ocorre em jũ (“longe”) em construções como oøkojtpet tʃaɾu a jũũũ (“Existiu minha irmã mais velha, Tʃaru lá bem longe”). Também ocorre reduplicação múltipla, parcial e total em idiofones. Como em outros casos de reduplicação, ela pode indicar intensificação, repetição ou mesmo duração de um processo:[22]
InterjeiçõesAs interjeições do acuntsú não participam de construções sintéticas com outras classes, e aparecem geralmente no início dos enunciados. As principais interjeições do acuntsú são:[6]
PartículasAs partículas constituem uma classe invariável de palavras que podem indicar evidencialidade, demarcar o foco de uma sentença, agir como conjunção, exercer funções adverbiais e mesmo indicar existência. São principais:
Partículas específicas de construções interrogativas são discutidas na seção 7.5.[15] FraseSintagma nominalNos sintagmas nominais do acuntsú, os nomes determinados são precedidos de seus respectivos determinantes. Eles podem ser modificados também por numerais (ver seção 6.6), os quais podem preceder ou seguir os nomes que alteram. Não ocorre flexão de gênero de qualquer tipo, nem há no nome qualquer flexão de número.[6] São exemplos de sintagmas nominais:
As grandes particularidades presentes nesses sintagmas se dão no caso genitivo. Construções genitivasAs construções genitivas do acuntsú baseiam-se na combinação de nomes na qual o determinante precede o determinado, como em øpi, onde pi é “pé” e ø- é um prefixo que determina a flexão relacional. A partir disso, os nomes podem ser divididos entre uma classe de dependentes ou inalienáveis, geralmente se referindo a partes de um todo ou elementos cuja existência está relacionada a algo a alguém (são exemplos ep [“folha”] e op [“pai”]), e independentes ou alienáveis, usualmente plantas, animais ou elementos da natureza (e.g. waʔi [“pedra”] e ororo [“algodão”]). Enquanto entre os nomes inalienáveis as construções genitivas são indispensáveis, entre os nomes alienáveis elas só ocorrem através de mediadores, i.e. o nominalizador -i- e o uso de nomes de parentesco. O primeiro recurso é nominalizar verbos transitivos (ver seção 6.2.1), formando construções como øiko (“minha comida”) a partir do verbo ko (“comer”). A outra estratégia perpassa um aspecto histórico da língua acuntsú: como os índios tiveram seus parentes mortos (ver seção 2.1), as mulheres do grupo criam seus animais como filhos. Assim, nomes de parentesco mediam construções genitivas que envolvam nomes independentes de animais. É um exemplo wako Tʃaroj ømempit (“o jacu é filho de Txarúi”), onde ocorre uma construção genitiva padrão em ømempit (“filho de mulher”) associada ao nome alienável wako (“jacu”).[6] Sintagma verbalAssim como os sintagmas nominais, os sintagmas verbais são compostos de um verbo determinado por um determinante que o precede. Uma distinção importante ocorre entre os verbos intransitivos, que recebem pronomes clíticos (ver seção 6.5) para indicar seu sujeito, e os verbos transitivos, que se utilizam de pronomes pessoais independentes como sujeitos conforme regras específicas. Um exemplo de sintagma verbal com verbo intransitivo é oakata, onde o- é um pronome clítico para a 1ª pessoa do singular que funciona como sujeito o verbo akata (“cair”), formando o sintagma “eu caí”. Para os verbos transitivos, como há a presença de um ou por vezes até dois objetos e apenas um clítico pode acompanhar o verbo, algumas regras determinam qual elemento ocorrerá junto ao verbo e qual estará em outra parte da frase:
Nesse caso, como tanto o sujeito como o objeto são pronomes, o objeto ocorre junto ao verbo, invariavelmente.
Quando tanto o sujeito quanto o objeto são nomes e se referem à terceira pessoa, podem ocorrer tanto a ordem objeto-sujeito-verbo (2) como as ordens sujeito-verbo-objeto (3) e objeto-verbo-sujeito (4), sendo a primeira a mais comum e não havendo regra clara quanto à ocorrência de uma ou de outra.
Esses exemplos mostram casos em que o agente está marcado no verbo, e não o objeto. Isso só ocorre quando o objeto é inanimado e expresso por um nome e o agente é um pronome na 1ª (5) ou 2ª pessoa (6). Isso se deve à presença de uma hierarquia de animacidade semelhante ao Mekéns, língua da família Tuparí mais próxima do acuntsú (ver seção 1), na qual a 1ª e a 2ª pessoa são equivalentes e prevalecem em relação à 3ª.[15] Ordem e alinhamentoOcorrem no acuntsú as ordens SOV, OSV, SVO e OVS, cada uma em circunstâncias determinadas.[6] Quanto ao alinhamento, o acuntsú é considerado uma língua ergativa-absolutiva. Isso porque o sujeito de verbos intransitivos e o objeto de verbos transitivos ocorrem com o mesmo tratamento (na forma de pronomes clíticos precedendo o verbo - caso absolutivo), enquanto os sujeitos de verbos transitivos ocorrem com outro tratamento (separadamente na frase - caso ergativo). No entanto, quando a oração transitiva possui um nome de elemento inanimado como objeto o alinhamento ergativo-absolutivo pode ser neutralizado. É o que ocorre em (5) e (6), onde o sujeito de verbos transitivos passa a ocorrer no caso absolutivo e o objeto ocorre no caso ergativo.[15] OraçõesAs orações no acuntsú ocorrem no seguinte padrão: (nome ou pronome) (partícula de foco [opcional]) (prefixo+verbo+sufixo) (partícula [opcional]) (auxiliar [opcional]) Por vezes o objeto pode aparecer deslocado no fim da frase. Quando isso ocorre, ele é marcado pelo clítico oblíquo pe-.[15] Um exemplo seria:
NegaçãoAlém da partícula “nom” (ver seção 6.10), os sufixos -ɾom, -eɾom e -om podem ser utilizados para indicar negação junto a verbos ou nomes.[15] São exemplos:
O que diferencia o uso desses três morfemas é a fonologia das palavras que eles acompanham: após consoantes, utiliza-se -erom (1), após vogais, -rom (2) e após verbos monossilábicos terminados em t, om (3). No caso particular de construções existenciais (com as partículas tea e a - ver seção 6.10), a única forma negativa possível é com a partícula nom, como em (4):[15]
InterrogaçãoAs construções interrogativas no acuntsú se dividem entre polares e de conteúdo. Aquelas requerem respostas de sim ou não, e são marcadas pela entonação crescente. Já estas ocorrem de modo geral com partículas que iniciam a frase (à exceção de “ne”, que ocorre ao final) e especificam o objetivo da pergunta. São essas partículas:
VocabulárioA tabela a seguir[23] traz uma lista de Swadesh de 100 palavras do acuntsú.
Variações lexicaisCom a intensificação do contato entre os acuntsús e grupos da FUNAI não falantes da língua, além dos idiofones (ver seção 6.8), os falantes de acuntsú incorporaram a seu vocabulário palavras da língua Kanoê e do português, de modo a se fazerem compreendidos pelos não-falantes.[19] São exemplos:
Referências
|