Chacina do rio Abacaxis
A chacina do rio Abacaxis,[1] também conhecida como massacre do rio Abacaxis,[2] foi um massacre contra a população ribeirinha e indígena que mora nos arredores do rio Abacaxis, no município de Nova Olinda do Norte. O estopim teria sido a pesca ilegal realizada em 24 de julho de 2020 no rio Abacaxis por Saulo Moysés Rezende Costa, o então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do estado do Amazonas, que, após se desentender com as lideranças locais, foi atingido por um tiro no ombro. Então, no dia 3 de agosto, a Polícia Militar realizou uma operação contra o narcotráfico na região, que deixou dois policiais mortos e dois feridos. Por isso, Louismar Bonates, o então secretário Estadual de Segurança Pública, autorizou o envio de 50 policiais para as comunidades, chefiados pelo coronel Ayrton Norte, o então Comandante Geral da Polícia Militar no estado. Durante a operação, houve diversos assassinatos, denúncias de tortura e outras violações de direitos humanos. Por isso, no dia 7 de agosto de 2020, a Justiça Federal determinou a interferência e investigação da Polícia Federal na área, com suporte da Força Nacional de Segurança Pública. Contando com os policiais, sete pessoas morreram e outras cinco continuam desaparecidas. Também houve denúncias de outras 11 a 20 mortes, que foram negadas pela Secretaria Estadual de Segurança Pública. No total, 15 pessoas foram presas sob a acusação de narcotráfico. Após três anos, as investigações foram marcadas por uma grande rotatividade de delegados e juízes, e 130 policiais foram investigados. Em 28 de abril de 2023, Louismar Bonates e Ayrton Norte foram indiciados pela PF por promover uma chacina. ChacinaDesentendimento por pesca ilegalDe acordo com a Polícia Federal (PF) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 24 de julho de 2020, Saulo Moysés Rezende Costa, o então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do estado do Amazonas, estava pescando ilegalmente com seus amigos em sua lancha no rio Abacaxis, onde fica a Terra Indígena Kwatá Laranjal, em Nova Olinda do Norte. Ele se desentendeu com as lideranças locais e foi atingido por um tiro no ombro.[3][4][1] De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), então chefiada por Louismar Bonates, Costa fez um boletim de ocorrência afirmando que as pessoas que o alvejaram portavam armas de fogo, facas e tochas.[5] Operação contra o narcotráficoNo dia 3 de agosto, a SSP-AM enviou a Polícia Militar (PM) para deflagrar operação contra uma organização criminosa que estaria envolvida em tráfico de drogas, ameaças, homicídios e crimes ambientais.[6] Os policiais militares entraram nas comunidades ribeirinhas locais encapuzados.[1] Durante a operação, dois policiais membros da Companhia de Operações Especiais (COE), o cabo Márcio Carlos de Souza e o 3º sargento Manoel Wagner Silva Souza, morreram,[6] e outros dois policiais foram feridos no braço e no pescoço.[7] No dia 4, o Comandante Geral da Polícia Militar, coronel Ayrton Norte, voltou à comunidade com o reforço de 50 policiais.[1][7] De acordo com a SSP, até a interferência da PF, 11 pessoas foram presas, 13 armas de fogo foram apreendidas e quatro plantações de maconha foram localizadas.[8] Também foi preso o presidente da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (Anera), sob a acusação de chefiar a abordagem armada às embarcações locais e de ter repassado informações para os narcotraficantes no dia do assassinato dos dois PMs.[9] Há denúncias de que ele foi torturado após sua prisão.[10] VítimasDiversas pessoas morreram ou desapareceram durante a operação. A polícia diz que as mortes foram causadas pelos traficantes, que estariam tentando manchar o trabalho da PM no local. Porém, os indígenas da região relataram que os traficantes fugiram para suas terras com a chegada da PM.[10] Entre as denúncias, estão o uso de armas de fogo para coerção, invasão de domicílio, restrição de movimento nas comunidades e apreensão de celulares.[11] Também houve relatos de tortura generalizada contra a população, incluindo crianças.[12][8] No dia 5, um homem não identificado morreu.[13] No dia 7, Josimar Moraes Lopes, um indígena munduruku, foi encontrado morto depois de dois dias desaparecido.[6] Seu irmão, Josivan, desapareceu e não foi encontrado.[1] No dia 10, a SSP confirmou que mais corpos foram encontrados.[14] No dia 11, a PF encontrou mais três corpos de ribeirinhos baleados. O número de mortos subiu para seis.[15] Posteriormente, os corpos foram identificados como sendo do casal Anderson Barbosa Monteiro, Vandrelane de Souza Araújo e seu filho Matheus Cristiano de Souza Araújo.[6] Uma quarta pessoa que estava com eles continua desaparecida.[8] No dia 17, havia ao menos 5 pessoas desaparecidas e dois corpos não identificados na região.[6] Além desses casos, ainda houve relatos de 11 a 20 mortes, que, de acordo com a SSP, são inverídicos.[11] Ao menos cem famílias de onze comunidades relataram terem sido torturadas.[16] Também, a SSP afirmou que foram abertos inquéritos policiais para todas as mortes confirmadas.[17] Atuação do EstadoInterferência da Polícia FederalEm 6 de agosto, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal para investigar as circunstâncias, motivações e potenciais abusos e ilegalidades da operação, por ter recebido inúmeros relatos dos moradores de abuso e violação dos direitos humanos nas comunidades. De acordo com o MPF, durante a abordagem, os policiais estavam sem farda ou uniforme e usaram a embarcação pertencente a Saulo Moysés Rezende Costa, a mesma que causou o desentendimento por causa da pesca ilegal em 24 de julho. Isto levou a comunidade a achar que a operação era motivada por vingança.[11] Entre as demandas dos moradores, estava a interferência da operação pela PF e a livre circulação nas comunidades. O pedido passou a ser julgado na 9ª Vara Federal no Amazonas, mas o MPF também enviou ofícios para Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministério da Justiça, à Polícia Federal no Amazonas e à Coordenação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.[11] A atuação da PF foi aceita pela Justiça no dia 7. Também foi determinado a livre circulação dos moradores das comunidades, sob a pena ao Estado de R$ 100 mil por dia.[18] A PF chegou nas comunidades no dia 10, sob liderança do delegado Luiz Carlos Ramos Porto.[8] O responsável pelas investigações era o delegado Cícero Túlio.[19] No dia 11, o governador Wilson Lima declarou que enviou reforços ao município.[20] No dia 12, foram realizadas as primeiras prisões pela PF. Duas mulheres e um homem foram identificados como parentes dos narcotraficantes e foram presos carregando armas de fogo e munições para a mata.[19] No dia 14, o Governo Federal autorizou o apoio da Força Nacional de Segurança Pública à PF por 60 dias.[19] Reação de entidades civisEm 17 de agosto de 2020, a Arquidiocese de Manaus e representantes de 50 instituições e movimentos sociais assinaram um manifesto pedindo a retirada da PM da área. O manifesto também pedia o afastamento de Saulo Moysés Rezende Costa, Ayrton Norte, e todos os delegados envolvidos na operação, além da responsabilização do governador Wilson Lima pelas mortes. Também foi pedido a busca dos corpos desaparecidos e a proteção dos moradores pela Força Nacional de Segurança Pública.[17] Além da carta, a proteção da população ribeirinha e indígena foi pedida a diversas entidades públicas. A deputada Joênia Wapichana também pediu proteção para entidades internacionais.[21] O local também foi fiscalizado pelo MPF, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e outras entidades civis, que classificaram a operação como um massacre.[2] Investigação e desdobramentosA PF investigou o caso por três anos. 130 policiais foram investigados.[1][4] Neste período, houve grande rotatividade de seis delegados e diversos juízes, que foi vista pelo Coletivo Pelos Povos do Abacaxis como uma manobra para interferir na continuidade das investigações.[1] A Justiça também decidiu criar uma base móvel da PF na região para combater a ação ilegal de garimpeiros e outras intimidações, ameaças e agressões contra os indígenas e ribeirinhos. Porém, a decisão ainda não foi posta em prática.[22] Em 11 de agosto de 2020, Saulo Moysés Rezende Costa foi exonerado do Fundo de Promoção Social do Estado.[5] Em agosto de 2021, Louismar Bonates foi exonerado da SSP.[23] Em 30 de outubro de 2021, o coronel Airton Ferreira do Norte pediu exoneração do cargo para concorrer à vice-prefeito do município de Coari na chapa de Róbson Tiradentes (PSC).[24] Após o término da operação, em março de 2022, o coronel da PM Airton Ferreira do Norte teve uma gratificação salarial de 25%, que seria retroativa até janeiro. Em maio, o governador Wilson Lima condecorou Louismar Bonates, Airton Ferreira do Norte e outros 12 PMs com a medalha comemorativa do aniversário da PM do Amazonas. Em novembro, Wilson Lima condecorou Lousimar com a medalha Imperador Dom Pedro II.[23] Em 28 de abril de 2023, Louismar Bonates e Airton Norte foram indiciados pela PF. A acusação diz que a tropa sob o comando de Airton invadiu casas sem ordem judicial, torturou moradores, assassinou cinco pessoas e foi responsável pelo desaparecimento de outras duas. Já Lousimar foi acusado de usar seu cargo para viabilizar uma operação de extermínio.[4] A defesa alega que ambos apenas determinaram a apuração da morte dos dois policiais e não compactuam com os crimes e excessos cometidos durante a operação. Também, a defesa afirmou que os crimes foram cometidos pelos traficantes locais.[16] Em 5 de junho, a PF cumpriu um mandato em uma casa e um hotel usado pelos policiais durante a ação, onde supostamente eles teriam torturado uma das vítimas. Foi encontrado R$ 100 mil em dinheiro, e a PF afirmou que o dono dos estabelecimentos enviou imagens adulteradas das câmeras de segurança quando foi pedido que ele as entregasse às autoridades.[16] A PF retornou à região do rio Abacaxis entre os dias 15 e 23 de abril de 2024 para dar segmento às investigações e reparar os danos causados.[25] Na mesma época, o Conselho Nacional de Direitos Humanos afirmou que o local estava em estado de abandono e a população continuava com medo, e pediu por providências imediatas.[26] Ver tambémReferências
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