Guilgul

Guilgul ou Gilgul/Gilgul neshamot/Gilgulei Ha Neshamot (hebraico, Plural: Gilgulim) é um conceito de reencarnação no misticismo esotérico cabalístico. Em hebraico, a palavra gilgul significa "ciclo" ou "roda" e neshamot é o plural para "almas". As almas são vistas como percorrendo ciclos através de vidas ou encarnações, sendo ligadas a diferentes corpos humanos ao longo do tempo. O corpo com o qual eles se associam depende de sua tarefa específica no mundo físico, dos níveis espirituais dos corpos dos predecessores e assim por diante. O conceito refere-se aos processos mais amplos da história na Cabalá, envolvendo o Tikkun cósmico (retificação messiânica) e a dinâmica histórica das Luzes ascendentes e dos Vasos descendentes de geração em geração.

As explicações esotéricas de gilgul foram articuladas no misticismo judaico por Isaac Luria no século XVI, como parte do objetivo metafísico da Criação.

História no pensamento judaico

A crença na reencarnação existiu primeiro entre místicos judeus na Idade Média, entre diferentes explicações dadas sobre a vida após a morte, embora com uma crença universal em uma alma imortal.[1] Inicialmente estranha à tradição judaica, ela começou a surgir no século VIII, possivelmente influenciada por místicos muçulmanos, ganhando aceitação entre os caraítas e dissidentes judeus[2][3]. Foi mencionada pela primeira vez na literatura judaica por Saadia, que a criticou[2][4]. Contudo, foi uma crença minoritária, enfrentando pouca resistência até a expansão da Cabala no século XII. O "Livro do Brilho" (Sefer ha-bahir) desse período introduziu conceitos como a transmigração das almas, fortalecendo a base da Cabala com simbolismo místico[5][2].

Apesar de não ser amplamente aceita no judaísmo ortodoxo, a doutrina da reencarnação atraiu alguns judeus modernos envolvidos no misticismo. O judaísmo hassídico e seguidores da Cabala mantiveram firmeza na crença na transmigração das almas, enquanto outros ramos do judaísmo, como o reformista, conservador e ortodoxo, não a ensinam[6][2]. Hoje, a reencarnação é uma crença esotérica dentro de muitas correntes do judaísmo moderno, mas não é um princípio essencial do judaísmo tradicional. Não é mencionado em fontes clássicas tradicionais, como a Bíblia Hebraica, as obras rabínicas clássicas (Mishnah e Talmud) ou os 13 princípios de fé de Maimônides.

Alguns estudiosos interpretaram textos de Josefo como referências à crença na reencarnação entre os fariseus, mas a maioria dos estudiosos discorda dessa interpretação.[7][8][9] A Cabala (misticismo judaico), no entanto, ensina uma crença em gilgul, transmigração de almas, e, portanto, a crença é universal no judaísmo chassídico, que considera a Cabala como sagrada e autoritária. A Cabala também interpretou textos bíblicos, como Eclesiastes 1:4, em termos de gilgul.[8]

Entre os rabinos conhecidos que rejeitaram a ideia de reencarnação estão Saadia Gaon, David Kimhi, Hasdai Crescas, Jedaiah ben Abraham Bedersi (início do século XIV), Joseph Albo, Abraham ibn Daud e Leon de Modena. Entre os Gueonim, Hai Gaon discutiu com Saadia Gaon em favor das gilgulim.

Os rabinos que acreditavam na ideia de reencarnação incluem, desde os tempos medievais: os líderes místicos Nachmânides e Bahya ben Asher; do século XVI: Levi ibn Habib, e, da escola mística de Safed, Shlomo Halevi Alkabetz, Isaac Luria e seu expoente Hayyim ben Joseph Vital; e a partir do século XVIII: o fundador do judaísmo chassídico, o Baal Shem Tov, posteriormente os mestres chassídicos e o líder ortodoxo judaico lituano e cabalista Vilna Gaon; e - entre outros - do século XIX/XX: Yosef Hayyim, autor de Ben Ish Hai.

O renascimento místico do século XVI na Safed comunal marcou um desenvolvimento importante no pensamento cabalístico, com um impacto significativo nos círculos místicos e na espiritualidade judaica.[10] Foi também a época em que a Cabala foi mais amplamente disseminada.[11] Nesse contexto, Isaac Luria ensinou novas explicações sobre o processo de gilgul e identificação das reencarnações de figuras judaicas históricas, que foram compiladas por Hayyim ben Joseph Vital em seu Shaar HaGilgulim.

A ideia de gilgul tornou-se popular na crença popular judaica e é encontrada em muita literatura iídiche entre os judeus asquenazes.

Ver também

No judaísmo:

Referências

  1. Robinson, George (2008). Essential Judaism: A Complete Guide to Beliefs, Customs & Rituals. [S.l.]: Simon and Schuster. p. 193. ISBN 978-0671034801. O mesmo pode ser dito da ideia de vida após a morte tal como evoluiu durante e depois do período medieval. Os grandes místicos judeus da época e os seus homólogos neoplatónicos e neo-aristotélicos acreditavam todos em alguma variação sobre a ressurreição dos mortos, mas estavam em desacordo sobre a forma que isso tomaria. Existe até, entre os místicos judeus desse período, uma noção de reencarnação através da transmigração das almas. 
  2. a b c d Jacobs, Louis (1995). The Jewish religion: a companion. Oxford Berlin: Oxford Univ. Press. pp. 417–418 
  3. Fine, Lawrence (2003). Physician of the soul, healer of the cosmos: Isaac Luria and his kabbalistic fellowship. Col: Stanford studies in Jewish history & culture. Stanford, Calif: Stanford University Press 
  4. «Transmigration of souls - JewishEncyclopedia.com». www.jewishencyclopedia.com. Consultado em 25 de novembro de 2023 
  5. «Kabbala | Definition, Beliefs, & Facts | Britannica». www.britannica.com (em inglês). 10 de novembro de 2023. Consultado em 25 de novembro de 2023 
  6. Steiger, Brad; Steiger, Sherry H. (2003). The Gale encyclopedia of the unusual and unexplained. 1. Detroit: Gale 
  7. Ehrman, Bart D. (23 de março de 2021). Heaven and Hell: A History of the Afterlife (em inglês). [S.l.]: Simon and Schuster. p. 145. De acordo com Josefo, os fariseus acreditavam que após a morte as almas boas passam "para outro corpo". Isso pode soar para os ouvidos modernos como reencarnação, mas geralmente se pensa que Josefo quer dizer que eles se apegavam à doutrina da ressurreição: a alma não permaneceria nua, mas seria reincorporada. Almas perversas, por outro lado, "sofrerão punição eterna". 
  8. a b «Gilgul». www.jewishvirtuallibrary.org. Consultado em 3 de fevereiro de 2024 
  9. Wright, N.T. (2017). A ressurreição do filho de Deus. São Paulo: Paulus. pp. 266–267. FELDMAN, em sua nota na edição Loeb, está correto ao pontuar que a doutrina descrita por Josefo consiste inequivocamente na crença farisaica na ressurreição e não (como alguns sugeriram) na reencarnação ou na transmigração. O fato de, ao descrever esta crença, ele utilizar uma linguagem que faria os ouvintes pagãos se lembrarem destas visões, constitui um problema à parte. O termo para "a uma nova vida", literalmente "a um viver de novo", é anabioun, cognato de anabiosis em 2Mac 7.9, que certamente se refere à ressurreição. 
  10. Horwitz, Daniel M. (2016). A Kabbalah and Jewish Mysticism Reader. [S.l.]: University of Nebraska Press. p. 223. ISBN 978-0-8276-1286-0. Durante a maior parte do século XVI, essa comunidade atraiu uma gama impressionante de pensadores cabalísticos, cuja erudição abundava em praticamente todos os aspectos da vida judaica. Entre eles estavam Moses Cordovero, Elijah de Vidas, Eliezer Azikri e, acima de tudo, Isaac Luria (1534-72), cujas ideias formaram a base para uma escola de pensamento cabalística totalmente nova (embora, como veremos, algumas de suas ideias tenham raízes na tradição judaica anterior) 
  11. Karp, Jonathan; Sutcliffe, Adam (2017). The Cambridge History of Judaism: Volume 7, The Early Modern World, 1500–1815. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 465. ISBN 978-1-108-13906-9. As influências mais importantes sobre a especulação e prática mística na Europa oriental, no entanto, emanaram das duas "escolas" proeminentes que floresceram em Safed no século XVI, as de Moses Cordovero e Isaac Luria. É difícil exagerar a influência que essas duas figuras cabalísticas originais tiveram sobre a história subsequente da Cabala. No final do século XVII, várias combinações e configurações de seus ensinamentos se tornaram firmemente enraizadas na Europa oriental e começaram a transformar sua paisagem espiritual. 

Ligações externas