Jaime Filipe da Fonseca


Jaime Filipe da Fonseca OA GOTE (Leiria, 26 de julho de 1910 - Beja, 1 de janeiro de 1962)[1] foi um militar português e político do Estado Novo, morto por fogo amigo na Revolta de Beja.

Biografia

Homenagem ao Tenente-Coronel Jaime Filipe da Fonseca, no retrato. Abaixo, Comissário-chefe Joaquim Augusto, da Administração Geral do Porto de Lisboa.

Carreira político-militar

Feito praça a 1930, é promovido a alferes em 1933, e a tenente em 1937. Como tenente de Cavalaria, foi membro dos "Viriatos", corpo português em apoio aos fascistas na Guerra Civil de Espanha,[2] recebendo a Cruz de Guerra espanhola, a Cruz del Mérito Militar con distintivo rojo (Cruz de Mérito Militar com distintivo vermelho) e a Medalla de la Campaña (Medalha da Campanha), primeira classe. Ascende a capitão em 1944, recebendo o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis em 1942, e em 1945 o Grau de Oficial desta ordem .[3] É promovido a major em 1955 e a tenente-coronel em janeiro de 1961.

Comanda durante dez anos a Polícia Militar da Administração Geral do Porto de Lisboa, até 31 de março de 1961, quando estaria nomeado para ser Governador de Timor, mas devido à necessidade de reorganizar governo na sequência da Intentona Botelho Moniz, acaba sim por suceder a Francisco da Costa Gomes como Subsecretário de Estado do Exército, nomeação efectiva a 13 de abril de 1961.[4]

Possuía ainda a medalha de Serviços Distintos e a de Mérito Militar.[5]

Morte

Na madrugada de 1 de janeiro, é informado por telefone que estaria a decorrer uma tentativa de golpe em Beja, tendo sido tomado o Regimento de Infantaria n.º 3. Às 3h30m, de carro, desloca-se ao local com outros do seu gabinete. Pelo caminho, o excesso de velocidade em que o seu motorista se deslocava "quase ia provocando um acidente".[6][5]

A cerca das 6h30m, sob a chuva torrencial, Jaime Filipe da Fonseca é, com o seu adjunto capitão Alves Ribeiro, um de dois homens à paisana que se aproximam a pé da porta do quartel. O vulto de da Fonseca é então atingido por "fogo amigo" dos nervosos sitiantes, a partir de uma torre, vindo o Tenente-Coronel de Cavalaria e Subsecretário de Estado do Exército a sucumbir aos ferimentos.[7][8]

Narrativas e memória

O regime hesita nos primeiros dias em divulgar uma narrativa coesa sobre os detalhes dos acontecimentos, jornais no dia noticiando que o subsecretário e o capitão Alves Ribeiro tinham sido simultaneamente alvo de fogo "do quartel" sitiado e também das próprias forças do regime, quando "completavam a ocupação daquele aquartelamento".[5] Assim, na Assembleia Nacional, a 3 de janeiro de 1962, o seu presidente Mário de Figueiredo não permite que se façam comentários aos acontecimentos de Beja, "por não poder haver (...) período de antes da ordem", ficando apenas declarado um voto de pesar[9].

Uma fonte tardia indicaria que teria sido Henrique Calapez Martins, o protagonista da defesa do regime nessa noite, a atingir o Jaime da Fonseca.[10] Outras, incluindo o capitão Alves Ribeiro que acompanhava Jaime, que, sendo de facto "fogo amigo", veio da Guarda Nacional Republicana, o que viria a ser admitido em tribunal por Manuel Stedlin Baptista, coronel 1.º Comandante do Regimento de Infantaria n.º 3 ausente durante a intentona, por pressão de Cunha Leal. Isto apesar de o regime tentar provar que o subsecretário teria sido vítima de uma "rajada traiçoeiramente disparada pelo inimigo", "bailas traiçoreiras disparadas por elementos criminosos" "de metralhadora, arma esta talvez de marca estrangeira, clandestinamente introduzida no País, como tantas outras, para liquidarem os portugueses de lei",[6][5] sendo retórica comum na propaganda isolacionista do regime o exagero no externar das causas dos problemas e dissidentes internos.

Supervenientemente, o regime irá criar várias cerimónias de celebração à derrota da intentona, condecorando os seus protagonistas pelo regime, como Jaime da Fonseca, mas também Calapez e o adjunto de Jaime, Alves Ribeiro.[11][12][13] Da Fonseca receberia condecoração póstuma, "pela coragem (...) contra os insurrectos", de Grande-Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada.[14][15]

Tem o funeral com honras de Estado em Leiria[6], sua cidade natal, cujo munícipio em 1963 deu o seu nome ao parque da cidade Jardim Tenente Coronel Jaime Filipe da Fonseca,[16] nome que se manteve após a Revolução de 25 de Abril, revolução que muitos apontam ser sucessora da Revolta de Beja contra a qual Jaime da Fonseca se moveu.[nota 1]

Vida pessoal

Filho do Coronel Jaime Thomaz da Fonseca e de sua esposa Ermelinda Filipe. Irmão do doutor Álvaro Filipe da Fonseca, médico em Leiria.[5]

Depois do liceu em Leiria, estudou na Escola de Guerra, de lema Dulce et Decorum est pro Pátria Mori (em português, "Doce e decoroso é pela Pátria morrer").

Casado com Maria Iolanda Martins d'Azevedo Zúquete (Leiria, 22 de março de 1910 - Lisboa, 2 de abril de 2000), em agosto de 1934, em Lisboa. Tiveram uma filha, Maria Iolanda Zúquete da Fonseca, nascida a 1937 em Leiria e, em 1940, em Lisboa, um filho que viria também a ser militar, Jaime Tomás Zuquete da Fonseca, na altura da morte do seu pai aspirante na Academia Militar, que viria a ascender a Coronel Piloto Aviador já em democracia, servindo na Base Aérea n.º2, e falecendo em 2021.[6][18][19][20][21] Jaime Tomás teve por filhos Jaime Filipe Gomes Cruz Zúquete da Fonseca e João Miguel Gomes Cruz Zúquete da Fonseca.[22]

Notas

  1. Sendo o líder operacional da Revolta de Beja, Varela Gomes, uma figura de relevo no atribulado Processo Revolucionário Em Curso que seguiu ao 25 de Abril de 1974, então reintegrado nas Forças Armadas. A sua reintegração em democracia viria a encontrar sobressaltos com a continuação da sua actividade revolucionária, desta vez pela "extrema-esquerda", culminando no 25 de Novembro.[17] Já o líder político da intentona de Beja, Humberto Delgado, o "General Sem Medo", é desde 1974 uma figura mais altamente honrada pelo regime democrático, o seu corpo descansando no Panteão Nacional e o seu nome figurando no aeroporto da capital.

Referências

  1. «FAMÍLIAS DE LEIRIA - Página de nomes de indivíduos nº». charters.one-name.net. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  2. «Processo individual do tenente de Cavalaria Jaime Filipe da Fonseca» 
  3. «Ordem Militar de Avis - Processos de Nacionais. Jaime Filipe da Fonseca (Capitão de Cavalaria)» 
  4. «Decreto n.º 43593, de 13 de abril de 1961.». Presidência da República - Secretaria. Diário do Governo. Série I de 1961-04-13 (n.º 86/1961): 416 
  5. a b c d e «A Repressão da Tentativa Revolucionária em Beja». Diário de Lisboa. 1 de janeiro de 1962 
  6. a b c d SOARES, António de Castro e Brito Meneses; GALLO, Mário Amaro Salgueiro dos Santos; DE CARVALHO, José Maria Rebelo Valente. «Debates Parlamentares - Diário 011, p. 265 (1962-01-05)». debates.parlamento.pt. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  7. ZAGALO, Raul; ROSA, Gonçalo Pereira (7 de agosto de 2023). «Testemunhos da História – Sessenta anos após a revolta de Beja - Nº 1760». Seara Nova. Consultado em 19 de novembro de 2024 
  8. ALVES, Jofre de Lima Monteiro (14 de janeiro de 2012). «REVOLTA DE BEJA: O Assalto ao Quartel de Infantaria» (PDF). Figueiró dos Vinhos. Jornal A Comarca. 2ª (379): 12 
  9. «Debates Parlamentares - Diário 009, p. 239 (1962-01-03)». debates.parlamento.pt. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  10. «MEMÓRIA DO INSTITUTO DA DEFESA NACIONAL» (PDF). p. 118 
  11. Vasques, Francisco Lopes. «Debates Parlamentares - Diário 039, p. 863 (1962-02-27)». debates.parlamento.pt. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  12. CASTILHO, José Manuel Tavares. «FRANCISCO LOPES VASQUES - Biografia» (PDF) 
  13. «Alberto Alves Ribeiro - Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo» 
  14. «Proposta de condecoração a Jaime Filipe da Fonseca (Tenente-Coronel de Cavalaria; Subsecretário de Estado do Exército)». Janeiro de 1962 
  15. Vasques, Francisco Lopes. «Debates Parlamentares - Diário 039, p. 863 (1962-02-27)». debates.parlamento.pt. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  16. CABRAL, João. Anais do Município de Leiria. III. [S.l.: s.n.] 158 páginas. ISBN 972-8043-10-4 
  17. RTP (4 de março de 2018). «Morreu Varela Gomes, figura histórica da resistência à ditadura». Morreu Varela Gomes, figura histórica da resistência à ditadura. Consultado em 17 de agosto de 2024 
  18. «Ordens de Serviço da BA2 do 3º trimestre do ano 1987.» 
  19. Aérea, Ministério Da Defesa Nacional-Força Aérea- Gabinete Do Chefe Do Estado-Maior Da Força (23 de outubro de 2001). «Portaria 1755/2001, de 23 de Outubro». Diários da República. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  20. Charters-d&#39, Ricardo; Azevedo; Pereira, João; Zúquete, Eduardo (1 de janeiro de 2019). «Capitao Jeronimo de Azevedo e os seus descendentes». Capitão Jeronimo de Azevedo e os seus descendentes. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  21. Estado, Cofre De Previdência Dos Funcionários E. Agentes Do (26 de março de 2021). «Édito 74/2021, de 26 de Março». Diários da República. Consultado em 25 de novembro de 2024 
  22. «FAMÍLIAS DE LEIRIA - Página de nomes de indivíduos nº». charters.one-name.net. Consultado em 25 de novembro de 2024 

 

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