Catolicismo no Afeganistão
A Igreja Católica no Afeganistão é parte da Igreja Católica universal, em comunhão com a liderança espiritual do Papa, em Roma, e da Santa Sé.[4] A liberdade de religião tem sido difícil de se obter nos últimos tempos, especialmente sob o regime talibã,[5] enquanto que a organização Portas Abertas considera que é impossível viver abertamente como cristão no Afeganistão, já que deixar o islã é considerado vergonhoso, e os cristãos convertidos ex-muçulmanos que acabam por ser descobertos têm de fugir do país ou são mortos. O país é considerado pela Portas Abertas como o segundo que mais persegue os cristãos, perdendo apenas para a Coreia do Norte.[6] Há pouquíssimos católicos neste país de maioria muçulmana, cerca de 200,[2] que costumavam participar da missa na única capela que há no território afegão, localizada na embaixada italiana em Cabul, mas que atualmente encontra-se fechada após a ofensiva talibã no Afeganistão em 2021 e a tomada de Cabul.[6][5][7] A situação religiosa afegã não é apenas difícil para os católicos, mas também para os outros cristãos e para todos os outros grupos religiosos não sunitas. Até mesmo os muçulmanos xiitas são discriminados pelo grupo majoritário — os sunitas. Certas organizações missionárias cristãs afirmam que pequenas igrejas subterrâneas podem ser encontradas em todo o país, cada uma com menos de 10 membros. Os homens muçulmanos apóstatas são levados à pena de morte e as mulheres devem ser mantidas em cativeiro e espancadas de três em três dias até se arrependerem e regressarem ao islamismo.[4] O Igreja Católica afegã não está sob a supervisão de nenhuma conferência episcopal e nem de um núncio apostólico.[8] HistóriaCristianismo primitivoDe acordo com o evangelho apócrifo de Tomé e outros documentos antigos, São Tomé pregou na Báctria, que é hoje o norte do Afeganistão.[6][9] Devido a isso, São Tomé é considerado o santo padroeiro do Afeganistão. Eis o que a Enciclopédia Católica diz a respeito desse assunto:[1] Citação: Ao chegar à Índia, Tomé comprometeu-se a construir um palácio para o [rei] Gundafor, mas gastou o dinheiro que lhe fora confiado com os pobres. Gundafor o aprisionou, mas o apóstolo escapou milagrosamente e Gundafor foi convertido. Também há a tradição que diz que, além de Tomé, outro apóstolo que teria pregado na região foi São Bartolomeu, quando estava a caminho das Índias.[10][11] Idade MédiaOs nestorianos implantaram o cristianismo na área, e houve nove bispos e dioceses na região, incluindo Herat (424-1310 —com interrupções), Farah (544-1057), Candaar e Balkh. Esta organização nestoriana foi destruída por invasões muçulmanas no século VII, e com o tempo desapareceram,[10][12] embora o território não tenha sido substancialmente controlado pelos muçulmanos até aos séculos IX e X.[13] No século XIII, um governante cristão teria se convertido ao islã e ganhando também o título de sultão, levando a um declínio do cristianismo, a ponto de quase ser extinto completamente pelo reinado de Timur, em 1405.[6] Em 1581 e 1582, os jesuítas e o português Bento de Góis foram calorosamente recebidos pelo Imperador Akbar, mas não houve presença duradoura dessa ordem no país.[14][15] A região de Bactro, ao norte afegão, serviu como um importante centro missionário de onde os cristãos de rito siríaco espalharam a fé até a China. Missionários jesuítas tentaram mais uma vez viajar a Cabul no século XVII, mas o número de conversões foi pequeno.[10] Século XXA Itália foi o primeiro país a reconhecer a independência do Afeganistão em 1919, e o governo afegão perguntou como poderia agradecer por isso. Roma solicitou o direito de construir uma capela, que estava sendo solicitada por estrangeiros que viviam na capital afegã. Uma cláusula que dá a Itália o direito de construir uma capela em sua embaixada foi incluída no tratado ítalo-afegão de 1921, e nesse mesmo ano os barnabitas chegaram para começar o trabalho pastoral.[16] Porém, esse trabalho só começou verdadeiramente em 1933, quando a capela começou a ser construída. Na época, um padre barnabita foi designado para residir na capital afegã e dirigir a capela.[10][17] Na década de 1950, foi terminada sua construção.[18] O Papa João Paulo II pediu uma solução para a invasão soviética do Afeganistão na década de 1980.[19] De 1990 a 1994, Giuseppe Moretti era o único padre no Afeganistão,[20] mas ele foi forçado a sair e voltar à Itália em 1994, depois de ser atingido por estilhaços. Após seu tratamento médico, o sacerdote barnabita regressou ao território afegão.[21] Depois de 1994, apenas as Irmãzinhas de Jesus foram autorizadas a permanecer no Afeganistão, porque estavam lá desde 1955 e tiveram seu trabalho reconhecido.[22] Contudo, os talibãs chegaram ao poder, mas foram derrotados pela invasão norte-americana em 2001.[17] Por causa desta invasão, o Padre Moretti novamente foi forçado a fugir, mas retornou mais tarde, quando os talibãs foram derrotados.[21] AtualmenteDepois que os fundamentalistas islâmicos assumiram o controle do governo no final do século XX, os missionários cristãos foram proibidos de fazer proselitismo, e sua presença no Afeganistão apenas continuou a ser tolerada por causa da ajuda humanitária oferecida. Embora os capelães católicos do Paquistão visitassem regularmente o vizinho, seu objetivo era apenas ministrar aos poucos católicos não residentes que viviam no país enquanto se dedicavam ao trabalho técnico. Em 1999, os não-muçulmanos foram obrigados pelo Talibã a marcar suas casas com um pano amarelo colocado no telhado e a se identificar com roupas amarelas para que pudessem ser evitados pelos muçulmanos. Já em janeiro de 2001, o líder do governo do Talibã, mulá Mohammed Omar, anunciou que a conversão ao cristianismo era punível com a morte, como reação do governo aos relatos de que trabalhadores humanitários haviam se envolvido em atividades missionárias "proibidas pela lei afegã". Líderes da Igreja de todo o mundo ficaram alarmados não apenas com a falta de liberdade religiosa no Afeganistão, mas também com a crescente repressão de todos os cidadãos afegãos, e em particular das mulheres, que estavam sendo gradualmente excluídas da vida pública. Em resposta, em fevereiro daquele mesmo ano, o Papa João Paulo II citou a "grave crise humanitária" que estava ocorrendo no Afeganistão e encorajou as organizações de direitos humanos a continuarem suas tentativas de ajudar o povo afegão. Mas, ainda em 2001, no mês de agosto, oito trabalhadores humanitários cristãos foram acusados pelo regime talibã de espalhar o cristianismo no país fundamentalista e acabaram presos.[10] 11 de setembro e invasãoApós os ataques de 11 de setembro, quando o governo dos Estados Unidos e diversos aliados decidiram atacar o Afeganistão para capturar o terrorista Osama bin Laden, a Catholic Relief Services enviou alimentos, vestuário e roupa de cama para os refugiados. Eles também enviaram material escolar para que as crianças retornassem à escola.[10][23] A primeira missa em 9 anos foi celebrada em 27 de janeiro de 2002 para os membros da Força de Segurança Internacional e vários membros de agências estrangeiras.[18] Em 16 de maio de 2002, uma missão sui iuris foi criada englobando todo o território do país.[24] Projetos da nova missão incluem uma "escola de paz" para 500 alunos, que será operada segundo "normas europeias".[20] Três freiras também trabalhavam com deficientes mentais em Cabul: como por exemplo, elas ensinam às pessoas com paralisia cerebral como ir ao banheiro e como comer sozinhos.[25] A pequena comunidade passou por um período de crise durante o sequestro de Clementina Cantoni, da Care International, por quatro homens armados em Cabul quando se dirigia a seu carro em 17 de maio de 2005.[26] Em 2004, as Missionárias da Caridade chegaram em Cabul para desenvolver trabalho humanitário,[20] e tiveram sua casa abençoada em 9 de maio de 2006, e começaram a adotar crianças de rua. Houve temores de que o hábito azul e branco iria fazê-las se destacarem e serem perseguidas pelos muçulmanos, mas geralmente são respeitadas.[27] O Serviço Jesuíta aos Refugiados também se juntou ao crescente número de ordens religiosas no país.[22] Os jesuítas também abriram uma escola técnica em Herat para 500 alunos, incluindo 120 meninas.[28] Esforços para iniciar o diálogo inter-religioso entre o Vaticano e o Supremo Tribunal afegão vinham ocorrendo. O mulá Faisal Ahmad Shinwari participou da inauguração da nova missão e manifestou o desejo de se encontrar com o Papa.[29] A comunidade católica no Afeganistão é formada principalmente por estrangeiros, não havendo afegãos atualmente a fazerem parte da Igreja, principalmente devido à pressão social e legal para não se converterem a religiões não islâmicas. Alguns afegãos se converteram no estrangeiro, mas mantêm segredo quando regressam ao seu país, tentando assim evitar problemas que afetaram, por exemplo, Abdul Rahman.[30][31] Apesar disso, a comunidade cresceu de apenas algumas freiras a cerca de 100 pessoas em uma missa dominical.[5] As relações com o novo governo democrático do Afeganistão vinham sendo positivas: o presidente Hamid Karzai esteve presente no funeral do Papa São João Paulo II e felicitou o Papa Bento XVI pela sua eleição.[32] O Núncio Apostólico do Paquistão visitou o Afeganistão em 2005 e realizou uma missa na capela da Embaixada italiana para uma grande multidão. Os católicos têm a esperança de que uma igreja católica aberta ao público afegão e laços diplomáticos oficiais entre a Santa Sé e o Afeganistão serão possíveis no futuro.[33] Após 2015, quando o Papa Francisco nomeou o padre Giovanni Scalese como líder da missão sui iuris, ele sempre teve a esperança de um futuro de paz para o Afeganistão:[34]
A Capela Nossa Senhora da Divina Providência foi fechada, juntamente com a embaixada italiana devido à pandemia de COVID-19. O padre responsável pelo local, Giovanni Scalese, afirmou que continuou a celebrar as eucaristias lá a portas fechadas.[35] A maioria dos católicos deixou o Afeganistão ao início da pandemia.[4] As ordens religiosas presentes até aquele momento no país eram:[34]
Em junho de 2014, o padre Alexis Prem Kumar, sacerdote jesuíta indiano, foi sequestrado por milicianos talibãs quando visitava uma escola na província de Herat, e só foi libertado em fevereiro de 2015.[37] Em 2017, o padre responsável pela missão sui iuris, Giovanni Scalese, consagrou o Afeganistão a Nossa Senhora de Fátima e ao Imaculado Coração de Maria. Ele afirma ter feito isso pela "deterioração da situação" do país.[38] Retomada do TalibãDurante a ofensiva talibã de 2021, o grupo fundamentalista tomou todas as grandes cidades do país, sendo a última delas a capital, Cabul. Os serviços secretos norte-americanos previam esse evento em um período de três meses a partir da retirada de suas tropas do país. Enquanto isso, o presidente Ashraf Ghani teve de fugir do território afegão.[39] Os fatos que se foram decorrendo geraram reações em todo o mundo,[40][41][42][43][44][45] incluindo do Papa Francisco, que apelou à paz e ao diálogo entre as partes envolvidas, e afirmando que só dessa forma o povo afegão poderá viver em segurança.[39][46]
A Igreja Católica afegã reagiu com preocupação à retirada das tropas americanas no país. A capela da embaixada italiana, a única igreja católica do país, já estava fechada há meses devido à pandemia de COVID-19, e agora deve assim permanecer com o fechamento da mesma. Ainda assim, a comunidade católica afirmou não irá embora a menos que seja "obrigada" e que sua missão no território do país começou muito antes de as tropas americanas chegarem ao Afeganistão. A "brecha" que as ONGs esperam, incluindo as católicas, é a possível intenção do Talibã pedir e aceitar a ajuda de todos para reconstruir o Afeganistão. Na entrevista dada à Catholic News Agency, os missionários afirmaram que isso seria um "sinal de esperança".[48] O padre Giovani Scalese, responsável pela Missão sui iuris do Afeganistão clamou em entrevista à Vatican News: "Rezem, rezem, rezem pelo Afeganistão".[49] Os efeitos da ofensiva foram sentidos rapidamente no país; em poucos dias diversas embaixadas foram evacuadas, a exemplo de Estados Unidos, Dinamarca, Noruega, Suíça[50] e Canadá.[43] A Igreja também teve de fechar diversas instituições com a instauração do caos na capital. As Missionárias da Caridade e os jesuítas tiveram de deixar o país.[37] A Caritas Italiana, que tem projetos de ação social no Afeganistão também anunciou a suspensão de suas atividades por lá.[51] No geral, a mesma paralisação ocorreu em todas as atividades humanitárias do país.[52] A escola para crianças com deficiência intelectual, Pro-Children Kabul, dirigida pelo padre italiano Matteo Sanavio, também teve de suspender suas atividades por tempo indeterminado. A escola já havia passado o ano de 2020 em dificuldades devido ao fechamento durante a pandemia de COVID-19.[36]
O sacerdote camiliano Mushtaq Anjum, do Paquistão, declarou à UCA News que a conquista de Cabul "trará muitas consequências para a Igreja no Paquistão", pois o retorno do Talibã poderá aumentar a intolerância para com as minorias religiosas no Paquistão e encorajar as forças fundamentalistas paquistanesas. Enquanto isso, o padre Bonnie Mendes, antigo secretário executivo da Comissão Nacional de Justiça e Paz da Conferência Episcopal do Paquistão, disse que o que está acontecendo no Afeganistão não deve mudar a situação da Igreja Católica paquistanesa, que sempre esteve na mira dos muçulmanos por ser considerada "pró-ocidental".[37] Organização territorialEm 16 de maio de 2002, o Papa São João Paulo II estabeleceu a Missão sui iuris do Afeganistão, com o padre Giuseppe Moretti como seu primeiro superior e responsável, o qual liderou a missão até 4 de novembro de 2014, e foi substituído por Giovanni Scalese.[2][24] A única igreja católica (e cristã) de todo o país é a Capela Nossa Senhora da Divina Providência, que fica localizada na Embaixada da Itália em Cabul, e que atualmente está fechada com a desestabilidade política do país após a tomada do território afegão pelo Talibã em 2021.[35] Ainda antes, a capela não era acessível ao público geral, mas apenas aos estrangeiros residentes no Afeganistão.[6] Ver também
Referências
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