Em 1727, Francisco de Melo Palheta introduziu em terras brasileiras o cultivo do café, sem saber que, um século depois, seu consumo viria a ser largamente difundido e incentivado com o estouro da Revolução Industrial na Europa, o que trouxe grande desenvolvimento econômico às regiões cultivadas. Assim, a partir de meados do Século XIX, o café começou a tomar o lugar do açúcar como principal produto de exportação do Brasil.
O Rio de Janeiro foi pioneiro na nova cultura, mas sua expansão continuou em direção ao Vale do Paraíba, logo alcançando o interior paulista, onde se consolidou nas regiões de Campinas, Rio Claro, Araraquara, Ribeirão Preto e Mogi Mirim. Isso porque o plantio do café esgota o solo com muita rapidez, fazendo com que pólos produtores tendam a se deslocar.
Em São Paulo, esse deslocamento afastou cada vez mais as lavouras do porto do Rio, dificultando seu escoamento. A alternativa era o Porto de Santos, no litoral da própria Província de São Paulo. Porém, entre a zona cafeeira e o porto havia o maior obstáculo ao desenvolvimento da província: os 800 metros de desnível da Serra do Mar.
A travessia da serra do planalto à baixada santista era feita valendo-se de muares organizados em tropas de centenas de animais, principalmente através da Estrada Velha de Santos, ao longo da qual havia pousadas para repouso dos viajantes e pastos para as mulas, e por outros caminhos como a antiga trilha Tupiniquim, que mais tarde seria a base do traçado de serra da SPR.
Mas esses caminhos eram precários - a própria Estrada Velha chegou praticamente a ser interditada dois anos após sua inauguração, de tanto ser usada pelos tropeiros - e restringiam o cultivo do café até Rio Claro, já que o custo do frete para qualquer localidade além desse limite era tão alto que tornava inviável qualquer atividade, sendo que a maior parte do carregamento se perdia pelo caminho.
Devido a todos esses fatores, era urgentemente necessário o estabelecimento de uma via eficiente que possibilitasse a transposição de pessoas e mercadorias pela Serra do Mar.
Primeiros projetos
Um grupo de brasileiros, em 1839, submeteu à apreciação do engenheiro Robert Stephenson um anteprojeto, referente à construção de uma estrada de ferro através da Serra do Mar, pois essa constituía um entrave ao progresso da Baixada Santista e do próprio Estado de São Paulo - pois, praticamente, isolava o Porto de Santos de toda a zona produtora do planalto.
Robert Stephenson era filho de George Stephenson, inventor da primeira locomotiva a vapor e construtor da estrada de ferro entre Manchester e Liverpool, precursora de todas as estradas de ferro do mundo. O projeto brasileiro foi considerado prematuro e, consequentemente, abandonado.
O trecho de 800 metros de descida da Serra do Mar era considerado impraticável; exigia tal perícia dos engenheiros, que só poderia ser realizada através de excepcional experiência. Por isso, Mauá foi atrás de um dos maiores especialistas no assunto: o engenheiro ferroviário britânicoJames Brunlees.
A primeira dúvida sobre a projetada São Paulo Railway era referente aos custos, já que o contrato oferecido esboçava uma ferrovia de bitola larga (1 metro e 60 centímetros) através do traçado mais curto, entre Santos e Jundiaí.
Brunlees veio examinar a Serra. Achou que uma estrada de ferro podia escalá-la, por um custo dentro dos limites estabelecidos, e aceitou o contrato.
Faltava agora achar alguém disposto a executar o projeto. Foi-se atrás de Daniel Makinson Fox, engenheiro que havia adquirido experiência na construção de estradas de ferro através das montanhas do norte do País de Gales e das encostas dos Pirenéus. A descoberta do traçado definitivo foi feita a partir do litoral, conforme Fábio Cyrino, na sua obra Café, Ferro e Argila:
Fox percorreu a Serra do Mar de cima a baixo, mas a descoberta de uma passagem através da muralha da serra, na qual os trens podiam trafegar, só foi encontrada quando o engenheiro desembarcava em Santos, pois a mesma só era possível se avistar de longe. Nessa ocasião Fox percebeu uma fissura que se estendia até o cume, sendo a mesma interrompida por uma grota aparentemente intransponível, a Grota Funda, e deste ponto foi possível vislumbrar a rota definitiva para a estrada ao longo do vale do Rio Mogi.[2]
Fox propôs então que a rota para a escalada da Serra deveria ser dividida em quatro declives, com o comprimento de 1 781, 1 947, 2 096 e 3 139 metros, respectivamente, tendo cada um a inclinação de 8%. No final de cada declive, seria construída uma extensão de linha de 75 metros de comprimento, chamada de "patamar", com uma inclinação de 1,3%. Em cada um desses patamares, deveriam ser montadas uma casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos cabos.
A proposta foi aprovada por Brunless e uma nova empresa foi criada: The São Paulo Railway Company Ltd.
Muitos engenheiros e trabalhadores vieram também de outros países como Suíça e Alemanha. Alguns deles passaram a residir na cidade de Itu. Muitos vieram para outras cidades onde também, posteriormente fizeram parte do ciclo do café como Rio Claro e Araras.
Uma das famílias que residiram em Itu, posteriormente em Araras, vindos da Suíça para trabalhar na SP Railway foi a de Frederich Rüegger. Seus descendentes residem atualmente na cidade de Araras, interior de São Paulo.[3]
Construção do trecho de planície
No dia 15 de março de 1860, começou a construção do trecho de Santos a Piaçagüera, ao pé da Serra do Mar, com 20 km. Para isso, foi necessário construir duas pontes paralelas, cada uma com 150 metros de comprimento, para unir Santos ao continente. Posteriormente, tiveram de ser transpostos o rio Mogi, com uma ponte com três aberturas de 20 metros cada uma, e o rio Cubatão, com outra ponte de quatro aberturas de 23 metros cada.
Subida da Serra do Mar
No alto da serra foi criada uma estação que serviu de acampamento de operários que foi chamada de Paranapiacaba. Ela possibilitava a troca de sistema pelos trens.
A estrada foi construída sem o auxílio de explosivos, pois o terreno era muito instável. A escavação das rochas foi feita somente com cunhas e pregos. Alguns cortes chegaram a 20 metros de profundidade. Para proteger o leito dos trilhos das chuvas torrenciais foram construídos paredões de alvenaria de 3 a 20 metros de altura, o que consumiu 230 000 metros cúbicos de alvenaria.
A despeito de todas as dificuldades, a construção terminou 10 meses antes do tempo previsto no contrato, que era de oito anos.
O grande volume de café transportado para o Porto de Santos fez com que em 1895 se iniciasse a construção de uma nova estrada de ferro, paralela à antiga, chamada de Serra Nova.
Para essa nova estrada de ferro foi utilizado um sistema endless rope, ou "sem-fim" (funicular). Nesse sistema o percurso era dividido em cinco seções, em cada uma delas havia máquinas de 1 000 cv instaladas em posições subterrâneas, embora estas máquinas não ultrapassassem a potência de 951 cv.
Para cada composição que subia havia uma outra composição de peso próximo ou equivalente, de modo a contrabalançar as forças de subida e descida e desta maneira, permitir às máquinas fixas, um esforço mínimo.
No deslocamento da composição, de um plano para outro, uma máquina chamada locobreque, que acompanhava os vagões, possuía uma tenaz que se prendia ao cabo impulsor até a seção seguinte, onde se realizava a mudança de cabo, e assim sucessivamente até o pé da serra. O sistema foi inaugurado em 1901, sendo apelidado de Serra Nova, enquanto a antigo, de Serra Velha.
Quebra do monopólio inglês
Em 1889 foram feitos os primeiros protestos contra o monopólio britânico sobre a rota do porto de Santos. Porém haviam leis que protegiam a contratação de exploração privada das ferrovias.[4] Assim, não se poderia construir outra ferrovia dentro da distância de 31 quilômetros para cada lado na mesma direção que esta seguia.[4]
Porém, os administradores da SPR, ao saberem do projeto, compraram a Estrada de Ferro Bragantina, que estava bem no meio do trajeto necessário, e a expandiram, impossibilitando definitivamente a passagem de outra ferrovia na região sem ferir as proteções legais de concessão.[5]
Ainda em 1889, por outro lado, também se projetou um novo trajeto do que viria a ser a Linha Mairinque-Santos, a qual começou a ser efetivamente construída em 1929, pela Estrada de Ferro Sorocabana, e foi inaugurada em 1935, quebrando efetivamente o monopólio.
Nos anos 60, a volume de carga para o porto de Santos aumentou e o sistema de locobreques tornou-se obsoleto.
Em 1974, foi inaugurado o Sistema Cremalheira-Aderência, no traçado da antiga Serra Velha, utilizando locomotivas elétricas.
Em 1984 o sistema de locobreques da Serra Nova foi desativado para cargas, e a partir de 1987 passou a ser utilizado somente para trens turísticos que saíam de Paranapiacaba ao quarto patamar da Serra.
Em 1994, com o fim dos locobreques turísticos, o sistema foi definitivamente abandonado.
Em 1996, a administração da linha passou para a MRS, que a mantém até hoje.
Portanto, ainda restam dez locomotivas (sendo três de bitola 0,60 m), doze carros, treze locobreques e dois serrabreques ex-SPR existentes e preservados.
↑CYRINO, Fabio. Café, Ferro e Argila: A história da implantação e consolidação da San Paulo (Brazilian) Railway Company Ltd. através da análise de sua arquitetura.São Paulo: Landmark, 2004; pg. 82
↑Fonte: Sr. Maria Emilia -neta de Sr. Frederich Rüegger.
↑ ab«Tráfego». Relatório do Ministério da Viação e Obras Publicas de 1924 página 196/republicado pela Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital Brasileira. 1925. Consultado em 14 de junho de 2020
↑ abcdefghijklm«São Paulo Railway Company». Revista das Estradas de Ferro, ano IX, edição 178, página 451/republicado pela Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital Brasileira. 15 de dezembro de 1932. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Estradas de Ferro». Anuário Estatístico de São Paulo de 1901, páginas 682 e 683. 1904. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Estradas de Ferro-Movimento geral do tráfego». Anuário Estatístico de São Paulo de 1902, páginas 682 e 683/ Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. 1905. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Estradas de Ferro-Movimento geral do tráfego». Anuário Estatístico de São Paulo, páginas 612 e 613/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. 1905. Consultado em 14 de junho de 2020
↑Francisco Sá (1910). «São Paulo Railway Comapany». Relatório do Ministério da Viação e Obras Publicas, página 257/republicado pela Biblioteca Nacional- Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Trens ao encontro de navios». O Observador Econômico e Financeiro, edição, página 103/republicado pela Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital Brasileira. Abril de 1951. Consultado em 25 de dezembro de 2020
↑«Estradas de Ferro». Anuário Estatístico do Estado de São Paulo 1942, páginas 170 e 171/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. 1946. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Discriminação da receita». Relatorio do Ministerio da Viação e Obras Publicas de 1911, página 212/republicado pela Biblioteca Nacional- Hemeroteca Digital Brasileira. 1912. Consultado em 14 de junho de 2020
↑«Estradas de Ferro-1945:Transportes efetuados». Anuário Estatístico do Estado de São Paulo 1945, páginas 24 e 25/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. Consultado em 14 de junho de 2020
↑Departamento Estadual de Estatística de São Paulo (1918). «Estradas de Ferro - Movimento Geral do tráfego (1916)». Anuário estatístico do estado de São Paulo para 1916, Volume II, páginas 46 e 47/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. Consultado em 25 de dezembro de 2020
↑«Estradas de Ferro-Transportes efetuados». Anuário Estatístico do Estado de São Paulo 1946, páginas 16 e 17/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. 1947. Consultado em 14 de junho de 2020