Zéfiro (filme)
Zéfiro é um filme de docuficção histórica português de 1993, realizado por José Alvaro Morais e escrito por Morais com Jorge Marecos Duarte.[1] Na média-metragem, misturando um registo documental e outro ficcional, Luís Miguel Cintra assume o papel de narrador, apresentando um trajeto desde o estuário do Rio Tejo ao longo do Sul de Portugal, paralelamente à fuga de um criminoso (interpretado por Marcello Urgeghe) do país.[2] A produção resultou, para além de um corte cinemático, num corte televisivo com metade da duração, intitulado Margem Sul, mais fiel a um modelo clássico do documentário.[3] Rodado em 1993, Zéfiro foi estreado a 10 de agosto desse ano, no Festival Internacional de Cinema de Locarno. Comercialmente, o filme foi lançado nos cinemas de Portugal a 16 de setembro de 1994.[4] Em televisão, a RTP2 estreou Margem Sul a 15 de outubro de 1996.[5] SinopseJunto à Igreja de São Vicente de Fora, um criminoso inicia a sua fuga. Lisboa é, geograficamente, a última das cidades mediterrâneas, condenada ao Oceano Atlântico pelo Rio Tejo que divide o país em dois e separa a capital da península de Setúbal. É a rota dos cacilheiros que liga Lisboa e o criminoso à margem sul. Inicia-se uma viagem metafórica e cinematográfica sobre Portugal Meridional, cruzando as planícies alentejanas em direção à serra do Algarve.[6] Ao chegar à margem sul, o narrador muda de tom. Evoca os povos que se sucederam ou coexistiram ao longo da história do extremo Sul. Várias culturas se juntaram e se mesclam ainda, dando origem a uma identidade bastante singular.[7] O fugitivo, enquanto se esconde dos agentes policiais, tem vislumbres dessa sociedade. Chegando ao mar, o narrador pára a contra-gosto, como se fosse continuar até ao Mediterrâneo tal como o criminoso. De noite, o narrador vira-se com desilusão para o Norte e, atravessando o Rio Tejo, regressa ao ponto de partida: Lisboa.[8] Elenco
Participações adicionais
Equipa técnica
ProduçãoDesenvolvimentoMorais planeava a adaptação de A Corte do Norte, de Agustina Bessa-Luís, quando uma série de constrangimentos criaram um impasse que o libertou para aceitar o convite de Joaquim Pinto de participar no projeto televisivo TV Hyke, uma coleção de filmes sobre percursos por Portugal.[12] Quando se disponibilizou para realizar um dos filmes do projeto, "a primeira ideia que tive foi fazer o trajeto entre as duas margens do Tejo em frente de Lisboa. Quando chegámos à outra margem fomos um bocadinho mais abaixo, até Vila Real de Santo António" (José Álvaro Morais).[13] Desde logo, o realizador considerou que poderia ser interessante criar uma obra híbrida, utilizando uma vertente documental acerca da história do Sul de Portugal para desencadear uma ficção.[14] Para desenvolver consigo estas intenções num argumento, Morais convidou Jorge Marecos Duarte. Basearam-se nos trabalhos do historiador Orlando Ribeiro (que escrevera sobre o Mar Mediterrâneo) e do arqueólogo Cláudio Torres (que defendeu em artigos a ideia de que o Sul do país começa na margem sul do Tejo). Torres serviu de consultor científico da obra e numa das conversas com o autor acerca das suas ideias, explicou-as utilizando um mapa em relevo da Península Ibérica, que seria recriado numa maior escala, em estúdio, para a rodagem.[15] O nível de detalhe despendido na fase de escrita terá tornado o processo de produção bastante célere. O projeto português foi rodado em 1993 em 35 mm, tendo contado com a produção do GER (Grupo de Estudos e Realizações) e da RTP.[15] Resultou em duas versões diferentes:
Casting e equipaEm Zéfiro, José Álvaro Morais volta a contar com a participação no elenco de Paula Guedes e Luís Miguel Cintra, depois de os ter dirigido em O Bobo. Paulo Pires estreia-se em cinema nesta obra.[18][19] Zéfiro marca também o reencontro do realizador com o cinematógrafo brasileiro Edgar Moura, com quem havia colaborado nas suas primeiras curtas-metragens académicas, em Bruxelas (The Upper Room e El Día Que Me Quieras).[13] O filme na série TV HykeMargem Sul é um dos três telefilmes da coleção TV Hyke, produzida em 1993 por Joaquim Pinto. Cada filme, com um realizador diferente, tem como ponto comum a exploração de locais e trajetos pouco promovidos em Portugal. Joaquim Pinto é o autor do primeiro episódio, Para Cá dos Montes, gravado na aldeia de Seara Velha (Chaves), enquanto António Campos realizou o segundo, A Tremonha de Cristal, no qual explorou as paisagens das salinas e da Ria de Aveiro.[20] Zéfiro seria o terceiro episódio, mas, enquanto diretor na RTP, Fernando Lopes exigiu que o mesmo respeitasse a duração pretendida para o projeto de 25 minutos.[21] Morais optou por abdicar da maior parte das cenas de ficção, o que resultaria em Margem Sul. Nesta montagem mais fiel ao modelo clássico do documentário, o realizador explora o estuário do Tejo e as suas características Mediterrâneas.[3] Temas e estéticaA média-metragem apresenta elementos de produção televisiva (por exemplo, os atores são tratados em grande plano e nota-se uma montagem cerrada)[14], mas não esconde um fascínio cinematográfico, com influências de road movie.[22] O que mais a caracteriza é, de facto, um movimento de descoberta do Sul de Portugal.[23] O próprio cineasta assumiu que "pareceu-me interessante ir descobrindo o que há para lá desse horizonte (lisboeta) próximo. E não só um horizonte físico, mas um horizonte temporal".[24] Para esse efeito, José Álvaro Morais filma, por um lado, o presente e o passado em invasão do presente, e por outro, o real e o mitológico em invasão do real.[25] É deste modo que os elementos ficcionais da narrativa se mesclam com uma base documental. Zéfiro conceptualiza o estuário do Tejo como sendo um Mediterrâneo em miniatura e discute a sua importância ao longo do desenvolvimento de Lisboa.[13] Acompanhando a teoria proposta por Cláudio Torres, a obra retrata a história de sucesso do monoteísmo cristão como sendo dependente da estratégia de fortalecimento do império romano. A média-metragem demonstra um ponto de vista claro quando defende que a Reconquista Cristã se fez por via da imposição violenta do seu Deus à comunidade do Sul da Península Ibérica, onde conviviam diversas fés em relativa tolerância. Deste modo, a perseguição policial ao protagonista surge como um paralelismo e resquício desse espírito destrutivo.[26] Zéfiro encerra uma primeira fase da filmografia de José Álvaro Morais (que inclui Ma Femme Chamada Bicho e O Bobo), na qual o seu prazer em usar espaços urbanos facilmente identificáveis como décor se associa a um cinema do lugar e se incrusta na representação da portuguesidade.[28] Tal é notório desde logo pela atribuição ao filme do nome do vento que conduzia os navegadores dos descobrimentos a Portugal. No seu ensaio acerca do cineasta, João Maria Mendes propõe que o estranho personagem que alude ao herói da banda desenhada Corto Maltese, de Hugo Pratt, funciona como um anjo da guarda do protagonista fugitivo no sentido em que "desviava a atenção de Espanha, substituindo-a por um imaginário do Mediterrâneo Oriental, talvez abruptamente importado para ali, e que levava o filme a não atravessar a fronteira, concluindo-se na foz do Guadiana, diante de Ayamonte".[23] Com Peixe-Lua verifica-se, então, o início de uma nova fase, na qual o cineasta continua a interessar-se numa reflexão sobre o Sul, mas as fronteiras desaparecem e as suas personagens percorrem livremente o território Sul de toda a Península Ibérica.[29] DistribuiçãoZéfiro foi selecionado para a 46ª edição do Festival Internacional de Cinema de Locarno (Suíça), onde estreou a 10 de agosto de 1993. Em Portugal, a obra ante-estreou a 16 de junho de 1994, numa sessão na Cinemateca Portuguesa (Lisboa). Sendo distribuído pela Atalanta Filmes, o filme teria estreia comercial no país a 16 de setembro do mesmo ano, no cinema King (Lisboa). Tal decorreu no âmbito de Lisboa '94 (Capital Europeia da Cultura), juntamente com o lançamento de Manual de Evasão (Edgar Pêra), Pax (Eduardo Guedes) e Três Palmeiras (João Botelho).[4] No mês seguinte, a média-metragem chegou ao Brasil, quando integrou a seleção da 18ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.[8] Em televisão, a RTP2 estreou a versão reduzida da obra, o documentário Margem Sul, a 15 de outubro de 1996.[5] A 2 de setembro de 2005, dia de aniversário de José Álvaro Morais, a Atalanta Filmes lançou em DVD uma edição de três discos da obra integral do realizador, na qual constam Zéfiro e Margem Sul. Os DVDs incluem depoimentos de colaboradores e atores que trabalharam com o cineasta, como Agustina Bessa-Luís e Luís Miguel Cintra, entre outros.[17] Referências
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