Sarmento teve intensa participação na política do país e, durante a ditadura militar, foi o responsável pela criação do DOI-CODI, organismo interno das Forças Armadas responsável pelo combate aos militantes de esquerda e pela prática de tortura e assassinatos na fase mais dura do regime; na sucessão da Junta Militar em 1969 seu nome chegou a ser cogitado para a Presidência da República.[3][1]
Biografia
Filho e neto de militares, seu pai Otávio Sarmento lutou como voluntário na Guerra de Canudos e o avô se voluntariara para a Guerra do Paraguai; sua mãe era Carmen Ramos Sarmento.[3]
Após ter cursado o primário e feito o curso normal no Colégio Boa Esperança da cidade natal, ali ingressa na carreira militar no 27º Batalhão de Caçadores, em agosto de 1923; no ano seguinte muda-se para a então capital do país, Rio de Janeiro, onde cursa a Escola Militar do Realengo da qual sai em 1928 como aspirante a oficial da infantaria, sendo nomeado segundo-tenente em agosto do mesmo ano.[3]
Prossegue na carreira sendo promovido a capitão em fevereiro de 1933 e a major em outubro de 1942, quando comanda o 21º Batalhão de Caçadores, sediado em Garanhuns.[3]
Durante a II Guerra Mundial Sarmento comanda o 2º Batalhão do 1º Regimento de Infantaria (chamado "Regimento Sampaio") na Campanha da Itália.[3] Sobre sua participação na FEB o ex-militante do PCB e ex-combatente Jacob Gorender, jornalista e historiador, declarou em depoimento se lembrar de: “dois oficiais nazistas vestidos a capricho, uniformizados, se rendendo naquela fase final da guerra, para o major Sizeno Sarmento, que era comandante de uma unidade da Força Expedicionária. Eu me lembro desses dois oficiais nazistas claramente o que eles disseram: "Nicht mehr krieg", Não queremos mais guerra.”[4]
Em junho de 1946 Sarmento foi promovido e se tornou tenente-coronel e em setembro do mesmo ano o presidente Eurico Gaspar Dutra o nomeou como interventor no Amazonas, em substituição a João Nogueira da Mata, permanecendo no comando daquele estado até fevereiro de 1947, quando Mata reassume o governo.[3]
Em maio de 1950 participou da eleição para a diretoria do Clube Militar em chapa que trazia nomes como Humberto Castelo Branco e José Bina Machado e presidida por Osvaldo Cordeiro de Farias, cuja principal bandeira era a defesa da participação de capital estrangeiro na exploração do petróleo brasileiro; foram derrotados pela chapa nacionalista do general Newton Estillac Leal e essa disputa ilustrava a enorme divisão existente nas Forças Armadas face à questão do monopólio da Petrobras e ainda sobre o futuro governo de Vargas, mais tarde.[3]
Sarmento era coronel (janeiro de 1952) e lotado na 1ª Divisão de Infantaria no Rio, quando João Goulart (Jango) foi nomeado em junho do ano seguinte Ministro do Trabalho por Vargas e este toma medidas em favor dos sindicatos, que haviam sido fechados na ditadura do próprio Vargas; Jango propusera, então, o aumento de 100% do salário mínimo, então bastante defasado em face da inflação — o que provocou uma forte reação contrária dos comandantes militares no que ficou conhecido como Manifesto dos Coronéis, que subscreveu; nele expunham a precariedade das instalações militares, e argumentavam que a medida - além de elevar o custo de vida - dificultaria o recrutamento diante do baixo soldo oferecido pelas Armas.[3]
Cursara a Escola Superior de Guerra onde integrou o chamado Grupo Sorbonne, que se opunha às medidas de Jango; entregue ao então Ministro da Guerra general Ciro do Espírito Santo Cardoso, uma semana depois o manifesto foi entregue a Getúlio que, assim pressionado, demitiu Goulart; a despeito disso, o Presidente aprovou o aumento salarial no 1º de maio de 1954, agravando assim a crise que culminou no seu suicídio, em agosto.[3]
Seu grupo continuou a tramar politicamente e, quando ocorre o impedimento da assunção do vice-presidente de Vargas, Carlos Luz, tentou impedir a posse do novo presidente eleito, Juscelino Kubitschek e do vice, João Goulart; contra isto atuou na defesa da legalidade o general Henrique Lott, do qual Sarmento tornou-se desde então ferrenho inimigo.[1][3]
No biênio 1955-1956 chefiou a 4ª Seção da Zona Militar Leste e dali comandou a 30ª Circunscrição de Recrutamento em Campo Grande (à época ainda no estado de Mato Grosso) onde permaneceu até 1958; no ano seguinte e até 1961 integrou a assessoria militar da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, chefiada pelo general Cordeiro de Farias; entre fevereiro e outubro daquele último ano foi Secretário de Segurança no governo de Carlos Lacerda, no então estado da Guanabara.[3] Sua nomeação fora feita no contexto da criação do novo estado, onde antes havia o Distrito Federal, e se deu no contexto das disputas de Lacerda com o governo federal, primeiro de Jânio Quadros e depois de João Goulart; a fim de diminuir as forças sob comando de Lacerda, Jango adotou medidas como dar aos policiais militares a opção de continuarem como funcionários federais; foi para agradar Jango que Lacerda demitiu Sarmento, figura de notórias posições de extrema direita, e nomeou para seu lugar Segadas Viana.[5]
Em 1960 já havia se tornado General de brigada e, em 1962, comandou a 2ª Brigada Mista e Guarnição de Corumbá, cargo do qual se afastou em 1964.[3]
Casou-se com Sirlei Vilas Boas Camargo Sarmento, de quem recebeu dois enteados; como não tiveram filhos naturais, adotaram duas filhas.[3]
Vitimado por câncer, Sarmento morreu em 1983 no Hospital Geral do Exército, em São Paulo; após ter sido velado na capela daquele nosocômio, seu corpo foi transportado para o Rio de Janeiro, onde foi sepultado no Cemitério São João Batista.[6]
Golpe militar de 1964
Com a renúncia de Jânio Quadros o seu vice João Goulart assume a presidência; Sarmento foi um dos militares que mais ativamente planejaram e executaram o Golpe Militar de 1964, levado a cabo a 1º de abril daquele ano; em julho foi elevado à patente de General de divisão e nomeado para a chefia de gabinete do general Artur da Costa e Silva, então Ministro da Guerra.[3]
Foi a seguir diretor-geral do Material Bélico do Exército entre maio de 1966 e abril de 1967; no mês seguinte tornou-se General de exército e em abril passou a comandar o II Exército em São Paulo,[7] onde ficou até maio de 1968, quando assume o I Exército no Rio.[3][8]
Neste posto passa a participar ativamente das decisões de governo; tentara conversar com o general Costa e Silva no sentido de propor a adoção de medidas mais duras face à grande oposição que o regime vinha sofrendo no meio parlamentar e estudantil, quando já se preparava o AI-5; com a doença do ditador em agosto de 1969, houve a formação de uma junta de governo com elementos das três armas e impedimento de o vice Pedro Aleixo assumir o poder — medidas adotadas sem que fosse consultado, gerando-lhe descontentamento; isto só foi contornado após o chefe do Estado-Maior do Exército, general Antônio Carlos da Silva Murici comprometer-se a falar-lhe, antes de qualquer decisão importante de governo.[3] A despeito disso, quando da crise gerada pelo sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick por jovens de grupo de esquerda, sua proposta de não cumprir as exigências foram ignoradas e foi feita a leitura de um manifesto bem como libertados vários presos políticos, sendo o embaixador libertado.[3]
Em reuniões da alta cúpula do Exército seu nome foi cogitado para a sucessão da presidência interina de Augusto Rademaker; em manifesto publicado nos jornais sob a assinatura do general Mário dos Reis Pereira esta "candidatura" foi defendida; no começo de outubro de 1969 seus partidários pediram-lhe para declarar vaga a presidência e então assumir o poder, mas Sarmento recusou-se a fazê-lo; ao fim daquele mês os militares indicaram como novo ditador a Emílio Médici.[3]
Acirradas as condições políticas com a formação de grupos de resistência à ditadura por forças de esquerda, Sarmento criou o Centro de Operação para a Defesa Interna (CODI), depois denominado Departamento de Operações Internas (DOI), que ficaram conhecidos como DOI-CODI, e que marcaram a biografia do general como o mentor dos maus-tratos aos presos políticos; sob seu comando ocorreu em novembro de 1970 uma das maiores operações militares contra aqueles que resistiam à ditadura; no ano seguinte, em abril, foi substituído no comando do I Exército pelo general João Bina Machado.[3]
Foi então nomeado, a 7 de maio de 1971, ministro do STM, onde ficou até sua aposentadoria compulsória em 1977, havendo proferido diversas decisões sobre cidadãos que haviam sido incursos na Lei de Segurança Nacional; fora da caserna, Sarmento se filiou à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que dava sustentação ao regime, no sistema bipartidário vigente; almejava tornar-se governador do Rio de Janeiro, chegando a registrar uma chapa para a eleição indireta no ano seguinte; em agosto de 1978, contudo, desistiu da candidatura e culpou o governador Faria Lima por seu fracasso; no mesmo ano deu a entender ser favorável à manutenção do AI-5, cuja eficácia se encerraria em breve.[3]
DOI-CODI
Tendo o comando das forças de repressão do regime militar, Sarmento foi citado em diversos casos sobre presos políticos, torturas, mortes e desaparecimentos sob as dependências do Exército.
Dentre esses casos está o de Joel Vasconcelos dos Santos, nascido em Nazaré e desaparecido no Rio de Janeiro aos vinte e dois anos, em 15 de março de 1971; ligado ao PCdoB e diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas Joel fora detido junto a suposto traficante e sua mãe, Elza Joana dos Santos, peregrinou por várias instâncias até escrever ao presidente Médici: com isto agentes a levaram até Sarmento que prometera esclarecer os fatos - embora nada fosse feito efetivamente; relatos dão conta de que antes de morrer sofrera por mais de um mês intensas torturas, e seu corpo nunca foi localizado.[2]
Também lapidar foi o caso da prisão de Nelson Luiz Lott, neto de seu adversário Marechal Henrique Lott; a mãe do jovem, a deputada cassada Edna Lott, passou a constantemente frequentar seu gabinete e, por já incomodar o governo desde a campanha presidencial, passou a ser seguida por agentes do regime, vindo finalmente a falecer em 1971 em suposto crime passional; a despeito disso seu filho recebera um melhor tratamento que os demais, e foi libertado em 1974.[1]
O ex-militar José Mendes de Sá Roriz, que lutara na FEB, ligara-se ao Partido Comunista e, quando do golpe militar, fora para o exílio mas retornara de modo clandestino em razão de um filho ter sido vitimado por meningite[nota 2]; a fim de detê-lo, os agentes do regime invadiram sua casa e levaram preso seu filho Eduardo, cuja libertação dependia de sua rendição; Sá Roriz então se entregou ao seu antigo comandante na II Guerra, general Cordeiro de Farias, que pessoalmente o apresentou no gabinete do General Sarmento a 30 de janeiro de 1973; Roriz foi morto nas dependências do DOI-CODI a 17 de fevereiro; só após pressão da família seu corpo foi liberado para sepultamento e o atestado de óbito, feito apenas cinco meses depois, não apontava a causa mortis.[2]
O músico e memorialista Sérgio Cabral revelou um outro lado do general, neste período; Cabral fora preso no final de 1970, junto a outros artistas que faziam parte de O Pasquim como Ziraldo e, três dias após sua libertação já em 1971, estava a beber num night club carioca junto ao escritor Carlinhos de Oliveira quando, já pela madrugada, Sarmento entrara no bar; reconhecendo-o como o seu "carcereiro" Cabral narra que o general sentou-se com eles: "Ele entrou. Foi até o fundo do bar. Voltou e sentou na nossa mesa sem saber quem nós éramos. Já tínhamos bebido razoavelmente e ele estava de pilequinho. Em dez minutos estávamos íntimos do general. E mais, sacaneando o general cantando: 'General, general, é melhor e não faz mal' "[10][nota 3]
Nota linguística: A grafia original do prenome era "Syzeno".[1] Por esta razão muitas vezes é grafado "Sizeno", como na obra de 2007 do Governo Federal oriunda da Comissão Nacional da Verdade, "Direito à Verdade e à Memória".[2] A grafia aqui utilizada segue as determinações do Acordo Ortográfico de 1990..
↑A epidemia dessa doença durante a ditadura foi outro episódio em que a população foi mantida desinformada: graças à censura da imprensa, os jornais não falavam da epidemia.[9]
↑Sérgio Cabral faz referência a famoso "jingle", bastante conhecido à época, do remédio popular "Melhoral": "Melhoral, Melhoral, é o melhor e não faz mal".[11]