O racismo ambiental (ou racismo meio ambiental) é um termo usado para descrever situações de injustiça social no meio ambiental em contexto racializado, ou seja, nas quais comunidades pertencentes a minorias étnicas, como as populações indígenas, negras e asiáticas, são particularmente afetadas.[1]
Situações de injustiça ambietal podem incluir a inacessibilidade a recursos naturais (como ar limpo, água potável e outros benefícios ecológicos), a exclusão da tomada de decisão sobre territórios tradicionais[8] e recursos naturais locais,[9] e também o sofrimento das mazelas das degradações ambientais, como:
Acredita-se que a frase foi usada pela primeira vez no ano de 1982, no momento em que Chavis gritou "Isto é racismo ambiental!" ao ser preso, durante protesto contra um aterro químico de Bifenilpoliclorado no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.[14] Neste contexto, Bejamin Chavis cunhou o termo para se referir à:
Discriminação racial no ataque deliberado às comunidades étnicas e minoritárias por meio de sua exposição à locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na elaboração, cumprimento e reparação das políticas ambientais.[15][tradução livre]
Definição
O conceito foi expandido no livro Confronting environmental racism: voices from the grassroots ("Confrontando o racismo ambiental: vozes do movimento de base", tradução live para o português).[1] Esta obra, publicada no ano de 1993, foi organizada pelo intelectual negro Robert D. Bullard, também norte-americano, conhecido por ter cunhado o termo justiça ambiental.[16] No prefácio ao livro de Bullard, Chavis definiu racismo ambiental como:
Discriminação racial na elaboração das políticas ambientais, aplicação e regulação de leis, o ataque deliberado às comunidades de cor por meio de instalações de resíduos tóxicos, a sanção oficial de venenos e poluentes cuja presença causa risco de vida para nossas comunidades e a história da exclusão de pessoas de cor da liderança dos movimentos ecologistas[15][tradução livre]
Ao longo das décadas 1960, 1970 e 1980, os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos conviveram com os movimentos por justiça ambiental. Suas pautas se aproximaram em vários pontos. Covergiram na mobilização de pessoas preocupadas com suas localidades e com a saúde comunitária, ecoando preocupação ambiental e empoderamento político na luta antirracista.[17]
O reconhecimento da noção de racismo ambiental impulsionou o movimento social de justiça ambiental e redefiniu o ambientalismo, movimento que ganhou força nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos.[18]
No Brasil, foi realizado no ano de 2001 o "Primeiro colóquio internacional sobre justiça ambiental, trabalho e cidadania" na cidade do Rio de Janeiro, marcando a criação da Rede Nacional de Justiça Ambiental. No ano de 2005 ocorreu o "Primeiro seminário brasileiro contra o racismo ambiental". Desta maneira, estes dois termos, originados no contexto norte-americano, foram importados e adaptados para explicar a realidade brasileira.[19][20]
Além de marcado por forte concentração de renda e de poder, inúmeras situações de injustiça ambiental e conflitos étnicos são historicamente observados no contexto brasileiro.[21]
Dois dos maiores desastres ambientais da história recente do Brasil comprovam as teorias de racismo e injustiça ambiental:
58,8% dos 259 mortos e 70,3% dos 11 desaparecidos do rompimento da barragem em Brumadinho, também em Minas Gerais, se declaravam como não-brancos e tinham renda média abaixo de 2 salários mínimos. O desastre de 2019, responsabilidade da mineiradora Vale, trouxe igualmente injustiça ambiental para a população da região, incluindo o povo pataxó.[23][24]
Governo Bolsonaro
No Brasil, o racismo e a injustiça ambiental recrudesceu-se com o fenômeno do bolsonarismo.[25] A política ambiental do governo Bolsonaro ameaçou esforços globais de preservação do meio ambiente[26] com ações no escopo do necropolítica, como por exemplo: ameaças contra os direitos de povos indígenas e quilombolas com incentivo aos desmatamentos e a liberação de agrotóxicos;[27][28][29]bem como a falta de medidas contra a COVID-19, que afetou desproporcionalmente as populações de favela.[30]
Favelas
O racismo ambiental também se expressa em sua esfera urbana, apesar da luta ambientalista estar frequentemente ligada aos biomas de floresta ou localidades rurais no geral.[30]
No Brasil, em especial, as favelas e regiões de periferia são regiões racializadas e marcadas por um série de violações de direitos,[31] dentre eles, aqueles que giram em torno da tríade "saneamento, saúde e meio ambiente".[32] A negligência da saúde ambiental em saneamento da população negra das periferias e favelas do Brasil é considerada uma forma institucionalizada de racismo ambiental.[32]
Em 2024, o tema entrou em voga na mídia brasileira por conta da associação feita por Anielle Franco, então Ministra da igualdade racial do país, entre o racismo ambiental e os efeitos desproporcionais das enchentes no Rio de Janeiro, ocorridas em 14 de janeiro.[5][6][7]
Além de se expressar por meio da esfera da saúde ambiental, o racismo ambiental nestes locais também se reflete nas altas taxas de homicídio de jovens negros,[31][32] fenômeno por vezes denominado "genocídio do povo negro".[33]
Terras Indígenas
Os povos indígenas são também acometidos pelo racismo ambiental no Brasil. A contaminação de suas aldeias por agrotóxicos associados ao avanço do agronegócio em território indígena, a falta de território para a manutenção de seus modos tradicionais de vida, a exploração sexual de menores e a precarização da mão de obra, estão entre as causas, por exemplo, do alto índice de suicídio entre os jovens indígenas.[31] O conflito por terra também é responsável por um alto nível de assassinatos de lideranças e desocupações de comunidades.[34]
No ano de 2019, em face ao racismo ambiental, foram registrados:
Resumo do Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (2019)[35]
número de casos
categoria da violência
observações
1.120
violências contra o patrimônio dos povos indígenas
256 casos de exploração ilegal de recursos naturais
135
mortes por assassinato
42 casos no bioma da Amazônia e 40 casos no bioma do Cerrado
Além das exploração ilegal do meio ambiente e dos assassinatos, uma grande faceta do racismo ambiental é a violência autoinfligida.[36] O suicídio entre indígenas, fenômeno associado aos jovens, reflete as pressões da recorrência de situações violentas e dos racismos cotidianos.[36][13] Nos primeiros 19 anos do século XXI, a população Guarani-Kaiowá, do estado do Mato Grosso do Sul, sofreu uma média de 45 suicídios por ano.[36]
Ativismo
O confronto ao racismo ambiental e a defesa dos direitos do meio ambiente são grandes frentes do ativismo indígena contemporâneo.[37]
↑Pacheco, Tania (2008). Inequality, environmental injustice, and racism in Brazil: beyond the question of colour. Development in Practice, 18(6), 713-725.
↑Herculano, Selene, & Pacheco, Tania (2006). Racismo ambiental, o que é isso. Rio de Janeiro: Projeto Brasil Sustentável e Democrático: FASE.
↑ abPacheco, Tania & Faustino, Cristiane (2013). "A iniludível e desumana prevalência do racismo ambiental nos conflitos do mapa". In: Porto, Marcelo Firpo; Pacheco, Tania & Leroy (Org.). Injustiça ambiental e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, pp. 73-114.
↑Krenak, Ailton (2019). O insustentável abraço do progresso ou era uma vez uma floresta no Rio Doce. Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX), 19.
↑Wenczenovicz, Thaís Janaina, and Ismael Pereira da Silva (2019). "Terras Indígenas: discursos, percursos e racismo ambiental". In: Zuffo, Alan Mario (Org.). A produção do conhecimento nas Ciências Agrárias e Ambientais. Ponta Grossa: Atena Editora, pp. 132-144.