Memorando de VoglerO Memorando de Vogler (título original: "A Practical Guide to The Hero With a Thousand Faces" (Um Guia Prático para o Herói de Mil Faces)) é um memorando corporativo de sete páginas escrito por Christopher Vogler para esclarecer roteiristas de Hollywood sobre a obra do antropólogo Joseph Campbell. Mais tarde, Vogler desenvolveu o trabalho e publicou o livro "The Writer's Journey: Mythic Structure For Writers" (1998). HistóriaChristopher Vogler trabalhava para os estúdios de Walt Disney no final dos anos 1980, uma década que foi particularmente mau para a empresa. Os longas-metragens de animação The Fox and the Hound (1983), The Black Cauldron (1985), The Great Mouse Detective (1986) e Oliver! (1988) tinham sido fracassos de bilheteria e marketing, sem repetir sucessos anteriores como Bambi e Dumbo. Como forma de compensar esta situação, as diferentes equipes de criação da Disney foram encarregadas de desenvolver inovações que ajudassem a devolver aos estúdios o sucesso de público. Vogler, que estudara Cinema na mesma faculdade de George Lucas e, assim como o cineasta, era admirador das ideias de Joseph Campbell, montou uma lista de erros a serem evitados e propôs a adoção de fórmulas de estrutura narrativa que remetessem ao monomito, ou à ideia básica do "ciclo do herói". que comporia a estrutura de fundo a toda mitologia humana. Citando Campbell, Vogler argumentava que isto aumentaria o apelo comercial dos desenhos, produzindo histórias de compreensão e empatia universal. Assim, o funcionário Vogler escreveu e fez circular o texto de 7 páginas A Practical Guide to The Hero With a Thousand Faces [1], enquanto trabalhava para a Disney. O texto, no qual Vogler se propõe a fazer um "guia prático" para divulgação entre os 'iniciados' apresentava as ideias de Campbell adaptadas a uma possível estrutura narrativa. Muitos anos depois o texto foi reescrito no livro "The Writer's Journey". O livro e o memorando foram inspirados no trabalho de Joseph Campbell sobre o monomito, que em si é uma análise estruturalista de mitos de diferentes culturas, imbuída de crítica à repetição industrial de fórmulas sem o conhecimento de como utilizá-las. Campbell insiste em que as histórias ao apresentar informações sobre o processo de viver a vida, alimentam o espírito humano criativo; desmistifica narrativas sagradas como instrumentos inacessíveis e convida o leitor a perceber o humano e suas manifestações em todas as culturas. A primeira edição, intitulada "The Writer's Journey: Mythic Structure for Storytellers and Screenwriters" ("A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Contistas e Roteiristas) foi publicada em 1992. Vogler revisou o livro para o segundo lançamento em 1998 e mudou o título para "The Writer's Journey: Mythic Structure For Writers". Sempre mantendo presente que seu livro serviria para indicar o processo de transformação da percepção do herói, suas fases e um mapa de encontros mágicos com outros personagens numa 'jornada' para obter 'o elixir', cura de todos os males da tribo de origem do herói, a família. Paradigma DisneyPesquisas posteriores identificaram a presença de uma estrutura paradigmática nos 10 longas-metragens de animação a traço (ou seja, excluindo-se os de computação gráfica, como Toy Story) da Walt Disney Pictures produzidos entre 1989 e 1998 — considerado como a "retomada" dos estúdios após os insucessos dos anos 1980. O fato é que a observação do modo de contar as diferentes histórias desses filmes permite a identificação de uma fórmula narrativa comum a todos as produções desse período, batizada por Aguiar (2002) como "Paradigma Disney" de estrutura narrativa.
De fato, os 10 longas-metragens produzidos pelos estúdios Disney entre 1989 (A Pequena Sereia) e 1998 (Mulan) seguem a mesma estrutura narrativa paradigmática, como pode ser verificado na análise feita sobre "O Paradigma Disney". Em todos eles, com ligeiras adaptações, o protagonista é uma pessoa excluída de seu meio social (como Aladdin em Agrabah e Hércules entre os gregos) que sonha com uma vida distinta (o que é representado em canções como "Part of Your World", "Where I Belong" e "Belle (reprise)"). O protagonista é sempre selecionado pelo vilão como instrumento ou "isca" para atingir seu objetivo (como Úrsula, Jafar e Scar fazem com Ariel, Aladdin e Simba) mas, ao contrariá-lo, acaba se tornando seu pior inimigo. Casualmente, ele encontra um companheiro de jornada (que também funciona como comic relief) e também um par romântico. Em determinado momento, o vilão obtém uma reviravolta e submete o herói, que consegue se desvencilhar com a ajuda do companheiro e enfrenta o vilão no confronto final. No final, necessariamente, o herói vence e conquista o par romântico (como Eric, Jasmine e Nala, respectivamente).
Sean Weitner, em artigo na revista eletrônica Flak, ironizou a fórmula Disney dos filmes recentes, resumindo-a no seguinte texto-base a ser preenchido: Ë
Esta não deixa de ser uma versão mais concisa (e sarcástica) do Paradigma Disney, mas ignora a questão de a estrutura narrativa não ter sido criada apenas dentro da Walt Disney Pictures a partir do memorando de Vogler. Historicamente, é fruto de um processo de confluência de diversas técnicas de construção da narrativa, como demonstraram Vladimir Propp e A. J. Greimas, que por sua vez é inserido nas particularidades da cultura de narração de histórias, tanto ocidental quanto oriental. Dentro do universo cinematográfico e dos roteiristas (assim como no teatro, no e até no ritual religioso), narração e história são produto de uma construção narrativa. Assim como a estrutura observada por Syd Field, o paradigma narrativo dessa produtora foi resultado de décadas de aprendizagem, experiências e inovações de linguagem. É possível encontrar traços da gênese dessa estrutura em filmes como “Branca de Neve”, “A Gata Borralheira” e “Mogli”. Mas é apenas a última década do século XX que vê o paradigma pronto e consolidado disponibilizado para produtores independentes externos ao esquema das grandes majors de distribuição. Como sucesso obtido pelos desenhos animados que buscaram aplicar o Paradigma Disney, a empresa alterou também sua estratégia de marketing para as produções seguintes, atualizando e reaplicando as técnicas comercias de produtos inventada com Star Wars de George Lucas. Junto aos filmes, passou-se a fazer a exploração comercial na forma de produtos de valor agregado, como brinquedos, discos com a trilha sonora, material de papelaria, roupas, acessórios e toda sorte de licenças de uso com fins comerciais. Antes de 1989, por exemplo, não haviam sido lançados fora dos EUA bonecos articulados de “Aristogatas” ou “A Espada era a Lei”, nem discos com a trilha sonora de “Bernardo e Bianca” ou “O Caldeirão Mágico” - porque o licenciamento de produtos precisa de empresários locais no exterior para continuar, como franchising. A partir de “A Pequena Sereia”, a nova função do filme Disney é a criação de valor agregado para os produtos da indústria. E esse novo modelo fabril da empresa não seria possível sem a criação de uma estrutura narrativa fixa que facilitasse a produção contínua de longas-metragens, o que evidencia o papel do Paradigma Disney. A aplicação da "fórmula" de Vogler"Laranja Mecânica" é um filme de 1971 do diretor americano Stanley Kubrick. O enredo que Kubrick constrói, baseado no romance homônimo de Anthony Burgess, assemelha-se muito com a “planta” de Vogler. A jornadaA trama de “Laranja Mecânica” revolve ao redor de Alexander DeLarge, o arquétipo de herói, que passa pelas etapas[4] estabelecidas por Vogler até ser presenteado com a recompensa final. O Mundo comumAo longo dos primeiros minutos de filme assistimos a Alex e seus druguis cometendo atos criminosos: eles roubam, brigam, dirigem perigosamente e espancam desconhecidos puramente por diversão. Dentre suas vítimas está um escritor, o qual Alex encontraria mais tarde na trama. Testemunhamos também a paixão do herói pela música clássica, sobretudo pela obra de Beethoven, que lhe propicia júbilo quase sexual. Esse início ajuda o espectador a se situar no mundo do protagonista e criar empatia pelo herói, independentemente do comportamento doentio de Alex. Chamado à aventuraNa obra de Campbell, a etapa do Chamado envolve um acontecimento que obriga o herói a abandonar sua vida cotidiana. No caso de “Laranja Mecânica”, isso ocorre quando o protagonista é traído por seu bando, capturado pela polícia e sentenciado a quatorze anos de prisão pela morte de uma de suas vítimas. Para Vogler, Campbell e Propp, o nó que se forma nessa altura das tramas servirá como base para o desenrolar do restante das histórias. Encontro com o mentorA partir do momento em que é preso, Alex pensa apenas em se tornar livre novamente. Após dois anos de cárcere, ele descobre que pode atingir seu objetivo antes do término de sua sentença, caso se submeta a um tratamento experimental chamado Método Ludovico. Para Propp, essa etapa constitui a “designação da prova”, isto é, o herói toma ciência do que tem que fazer para alcançar sua meta. O objetivo do tratamento é impedir que Alex aja de maneira violenta novamente; Alex, no entanto, não demonstra grande vontade de mudar e aceita o tratamento por ver uma saída fácil da prisão. Travessia do primeiro limiarO tratamento de Alex consiste de ser injetado com medicamentos e assistir a filmes de natureza violenta, que mostram cenas de guerra, espancamentos, estupros; cenas que chocariam uma pessoa comum. Os filmes são acompanhados de peças da música clássica, como a Nona Sinfonia de Beethoveen. Tão querida pelo protagonista, desde o início do tratamento a obra, bem como qualquer ato de violência, passa a lhe causar paralisia, náusea e dor. De acordo com Propp, esse é a marca do herói (estigma), aquilo que sinaliza sua heroicidade. Testes, aliados e inimigosAntes de alcançar seu objetivo, o protagonista ainda tem que passar por testes e provações, que irão colaborar com desenvolvimento de uma maior tensão na trama. No caso da Alexander, a primeira provação envolve ser exibido como cobaia do Método Ludovico, sendo espancado e humilhado diante de um plateia, que vibra com a eficácia do tratamento. O herói é libertado em seguida, mas descobre que seu desejo de liberdade fora inútil: é deixado para fora de casa, sofre com as sequelas das sessões de cinema e ainda apanha de uma de suas antigas vítimas, bem como de seus ex-comparsas, incapaz de reagir por conta do tratamento. Aproximação da Caverna OcultaApós ser abandonado pelos ex-companheiros, Alex encontra refúgio numa casa, que logo descobre ser do escritor que uma vez vitimara. A ansiedade cresce a cada momento com a expectativa de que o herói seja reconhecido como agressor. Prova supremaAlex é drogado pelo escritor (que passa de vítima a vilão), e após ser reconhecido é trancafiado numa sala e obrigado a escutar a Nona de Beethoven. Excruciado pela dor, o protagonista opta pelo suicídio ao se jogar pela janela. RecompensaO herói sobrevive a tentativa de suicídio. Na última cena, Alex descobre que o escritor fora preso e ainda ganha recompensas do governo, cuja popularidade andava baixa devido ao emprego do Método Ludovico. Essa caracteriza respectivamente o “Castigo”[5] (punição dos responsáveis) e o “Casamento”[5] (pacto de aliança solucionando conflitos), ambos descritos por Propp. O títuloO título do livro foi influenciado por inúmeras fontes. A primeira delas é o texto de Campbell "The Hero With a Thousand Faces" (O Herói de Mil Faces). Mais tarde, nos anos 1980, dois documentários introduziram a expressão "Jornada do Herói" (The Hero's Journey) na cultura de massas: o primeiro, lançado em 1987, foi The Hero's Journey: The World of Joseph Campbell ("A Jornada do Herói: Joseph Campbell sobre sua vida e obra"). O segundo foi a série de entrevistas de Bill Moyer com o antropólogo, lançada em 1988 como o documentário e livro "The Power of Myth" (O Poder do Mito). Referências
Ligações externas
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