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Comprovando as mais caras tradições políticas e revolucionárias da história mineira, pelas ladeiras de Ouro Preto a polícia marcha para prender um grupo de revolucionários vítima de delações e traições. 1971, dia 02 de julho, sexta-feira. À tardinha, 21 integrantes do grupo de teatro de Nova Iorque, Living Theatre, foram presos na casa em que viviam em comunidade à rua Pandiá Calógenas 23, na barroca Ouro Preto, 100 km de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil. A façanha da diligência foi realizada pelo delegado Walter Santos, acompanhado pelos agentes Carlitos dos Santos, Nilton Nazaré, Marco Antonio e Antonio Gomes, além da escolta de 8 soldados da Policia Militar de Ouro Preto. O motivo da prisão, segundo os agentes do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, foi o uso de maconha no interior da residência.
Já em Belo Horizonte, no prédio da polícia, o delegado Renato Aragão, auxiliado pelo interprete Dimitro Semanky, de 10 horas da manhã à 1 da tarde interrogou os 13 membros do grupo. O delegado afirmou na ocasião que “eles são de alto nível intelectual, são filhos da geração pós-guerra”. Julian Beck vestindo uma calça de veludo verde, blusão preto e sandálias foi um dos últimos a prestar depoimento. Indagado sobre o objetivo do “teatro da vida” disse: “é criar novas técnicas para o teatro. O teatro que é a minha vida. Queremos aumentar a consciência do público, comunicar com o povo através da nossa comunidade, que é uma comunidade de trabalho.” No dia seguinte ao interrogatório, 8 dos 21 atores foram libertados, entre eles os dois lideres do grupo, Julian Beck e Judith Malina, e mais Mary Kraft, Andrew Michel Nadelson, Luis Henrique Rocha (brasileiro), Miguel Couto, Steven Bem Israel e Edson Madaleno. Outros 13 permaneceram presos, os homens no DOPS e as mulheres numa penitenciaria feminina: Vicente Segura (peruano), Sérgio Cardoso (português), Sheyla Mary Charlesworth (canadense), Pamella Badyk (australiana), Birgit Knabe (alemã), José Carlos Templet Tróia, Ivanildo Silvino de Araújo (brasileiros), Hans Sebane (austríaco) e os norte-americanos, Luck Theodore, James Anderson, Roy Harris Leone, Thomas S. Walker e William Lawrence Howes.
Esta prisão teve grande repercussão, a Revista Veja estampava uma matéria sobre o Living Theatre “in Brazil”. (...) Enquanto isso, o chefe do DOPS comunicou aos presos que recebera 3 correspondências vindas do exterior. Uma de Jack Gelber, professor da Columbia University de New York e as outras duas do casal Thomas e Ronnie Edmonston, todas tinham o mesmo teor: solicitavam a libertação do grupo. (...) O juiz acrescentava que no diário que foi apreendido na rua Pandiá Calógenas, pertencente a um dos moradores da comunidade, foi encontrado citações onde pode-se ler que o tóxico, principalmente a maconha e o LSD, eram pratos de todo dia do cardápio de sexo-droga. (...) No dia 16 de julho, os jornais mineiros estampavam a notícia que o ator recusara o Habeas Corpus, preferindo ficar na prisão. Beck decidiu permanecer na prisão para apressar a solução do processo. Com 15 integrantes do grupo detidos, 13 em flagrante e 2 com prisão preventiva (...)
No DOPS, Beck conseguiu uma máquina de escrever e, junto com a mulher, 3 horas por dia, recomeçou a escrever suas “visões” e textos teatrais. (...) (Na prisão escreve simultaneamente “A Vida no Teatro”, “Frankenstein”, “Criação Coletiva”e “120 Ensaios sobre o Brasil”. (...) Julian Beck desmentiu alguns boatos que tivesse sofrendo maus tratos no cárcere, como era comum no país naqueles anos. Foi categórico ao dizer: “Nós estamos sendo tratados como prisioneiros políticos clássicos. Temos livros, cobertores e até um pequeno escritório onde trabalhamos nossos livros”. (...) Para atenuar a pressão sobre o artista, esteve sempre acompanhado pela atriz de teatro brasileira Ruth Escobar. Foi assim que iniciou, numa segunda-feira, 26 de julho de 1971, o julgamento de Julian Beck e de todo o grupo do Living Theatre. Esses acontecimentos cada vez mais repercutiam no exterior, principalmente na comunidade artística internacional.
No dia 29 de julho o Jornal do Brasil publicava a notícia de que o cineasta Pier Paolo Pasolini, juntamente com o grande escritor Alberto Moravia e o literato Humberto Eco fazem um apelo pela libertação do grupo. (...) No dia 26, chega uma notícia dos Estados Unidos e foi manchete nos jornais brasileiros: “Até Prefeito de Nova Iorque pede liberdade para o Living”. Um manifesto com 120 assinaturas de jornalistas, pintores, atores, críticos, músicos, cineastas, entre outros, enviaram de Nova Iorque ao presidente-general Garrastazu Medici pedindo a “libertação dos atores do Living Theatre”. Datado de 16 de agosto, o manifesto era endossado por Jane Fonda, Marlon Brando, Betty Friedam, Mick Jagger, Jonh Lennon, Yoko Ono, Tennessee Willians e o prefeito de Nova Iorque, John Lindsay, entre outros. No fim do manifesto, três atores do Living, que estiveram presos em Belo Horizonte, Steve Bem Israel, Mary Kraft e Andrew Nadelson, assinam pelo comitê Americano em Defesa do Living Theatre.
Também nos Estados Unidos o conceituado jornal New York Times publica uma entrevista com Julian Beck na prisão, onde mais uma vez ele desmente que tenha sofrido tortura física no DOPS, reafirmando: “Realmente a prisão é primitiva, mas não chega ao processo de despersonalização a que leva as cadeias norte-americanas. Lá os presos são meros números e obedecem ordens rigorosas de comportamento, até a locomoção dentro dos presídios”. (...) Dia 27 de agosto as coisas parecem que tomam o rumo da definição, é anunciado que 10 membros do Living estariam prestes a deixar a cadeia, permanecendo Julian, Malina, Sergio Godinho, James Anderson e Pamela Badick, que continuariam presos até o fim do processo. Foi com esta notícia que a cidade dormiu na sexta-feira, e os atores apreensivos na cadeia para acordar no Sábado com uma tremenda bomba!
Estampado na primeira página dos jornais brasileiros, a notícia surpreendeu a todos que acompanhavam o caso. Ou não, como avaliaram alguns jornalistas que temiam esse desfecho: “Medicai expulsa do Brasil treze artistas do Living Theatre”. Num frio despacho, o general-presidente assinou o ato de expulsão, baseado no artigo 108 do decreto 66.689, que estabelece que a expulsão pode ser feita mediante investigação sumária. Isto é, por serem estrangeiros, qualquer envolvimento com a justiça com investigação o ato de expulsão pode ser decretado pelo presidente, em vista da lei de segurança nacional. Mais ainda, o ministro da Justiça, Alfredo Busaid ainda tentou explicar a atitude do general, dizendo que todo movimento que se fez do episódio, inclusive campanhas fora do Brasil, constituíram crime contra a segurança nacional (decreto-lei 985 de 29/09/1969, artigo 45), entendendo que “este comportamento torna a presença dos alienígenas presos em Minas Gerais absolutamente perniciosa aos interesses nacionais”. No Sábado 28 de agosto de 1971, o absurdo da ditadura continuava sua trajetória de repressão e terror, quando o DOPS prendeu todo o elenco da peça Hair que havia desembarcado na capital mineira para a apresentação desta famosa peça.
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