Quartodecimanismo Nota: Para a data da Páscoa, veja Controvérsia da Páscoa.
Quartodecimanismo (do Vulgata latina, quarta decima citada em «No primeiro mês, aos quatorze dias do mês, à tardinha, é a Páscoa de YHWH...» (Levítico 23:5) [1] significando "quatorze") se refere ao costume de alguns cristãos antigos de celebrar o feriado da Pessach (Páscoa judaica) começando na véspera do dia 14 de Nisan (ou Abib no calendário da Bíblia hebraica), cujo crepúsculo é conhecido biblicamente como a "Passagem do Senhor". A moderna Pessach judaica e a Festa do pão sem fermento dura sete dias, começando no pôr-do-sol no começo de Nisan 15. O Judaísmo reconhece o início de cada dia no pôr-do-sol, não à meia-noite como é comum no ocidente. A Lei bíblica sobre a Pessach é tida como uma ordem perpétua (veja Êxodo 12:14) e, para alguns, também aplicável em alguma medida aos prosélitos (veja Êxodo 12:19). Porém, há grande controvérsia sobre o que significa observar a Lei bíblica ( veja Lei bíblica no Cristianismo) no Cristianismo. O Evangelho de São João, por exemplo em «"Era a Parasceve e cerca da hora sexta."» (São João 19:14), «Os judeus, porém, como era a Parasceve, e para que os corpos não ficassem na cruz ao sábado...» (São João 19:31) e «Ali, pois, por causa da Parasceve dos judeus, e por estar perto o túmulo, depositaram a Jesus.» (São João 19:42), insinua que Nisan 14 teria sido o dia em que Jesus foi executado em Jerusalém. Os Evangelhos sinópticos colocam a execução no primeiro dia do «festival do pão sem fermento» (por exemplo, em São Mateus 26:17), geralmente compreendido como sendo Nisan 15 se for uma festa de sete dias (como dito em Levítico 23:6), o que nos leva a uma cronologia contraditória, origem de toda a controvérsia. ContextoLogo no início da vida da Igreja no I século, disputas surgiram sobre qual seria a data apropriada para o feriado da Páscoa (chamado "Pascha" em grego e em latim). Em conjunto, elas passaram a ser conhecidas como controvérsias sobre a Páscoa. A primeira delas ficou conhecida como "Controvérsia Quartodecimana". Na era apostólica (durante a vida ou imediatamente após a morte dos apóstolos), a Páscoa era sempre celebrada no meio do mês judaico de Nisan. Por volta da metade do século II, a prática na província romana da Ásia era pelo jejum pré-Páscoa terminar na véspera do décimo-quarto dia de Nisan, o dia em que o sacrifício da Pessach já teria sido feito quando o Segundo Templo ainda existia e "o dia em que as pessoas se livravam do fermento" [2] (os Judeus, os judeus prosélitos e os judeo-cristãos). Nisan 14 em si era regularmente, ainda que de forma confusa, também chamado de Pessach. Tecnicamente, ele é o dia da preparação para o festival de sete dias do "pão sem fermento", que começa em Nisan 15, hoje em dia também chamado de Pessach. O costume asiático ficou conhecido como Quartodecimanismo entre os ocidentais latinos. Melito de Sardis foi talvez o mais notável dos quartodecimanistas. A prática em outros lugares era continuar o jejum até a véspera do domingo seguinte, enquanto que quartodecimana permitia que a festa - sempre em Nisan 14 - poderia cair em qualquer dia da semana. Fora da Ásia romana, os cristãos desejavam associar a Páscoa ao domingo, o dia em que Jesus teria ressuscitado da morte segundo os Evangelhos. e que já havia muito era considerado dia santo pela comunidade[a]. De acordo com os escritos de Ireneu de Lyon (m. ca. 202), a Igreja romana celebrava a Páscoa no domingo já no tempo do Papa Sisto I (115 - 125).[2] Ireneu, que seguia o costume de festejar aos domingos, também afirmou, porém, que o bispo Policarpo (um discípulo do apóstolo João de Esmirna (ca. 69 - ca. 155), na Ásia Menor, uma das sete igrejas da Ásia, era um quartodecimano, celebrando a Páscoa em Nisan 14. Logo em seguida, Aniceto se tornou bispo de Roma por volta de 155 e Policarpo visitou a cidade. Entre os tópicos discutidos entre eles estava esta divergência de costumes. Mas, notou Ireneu:
Nem Policarpo e nem Aniceto foram capazes de persuadir um ao outro em suas posições, mas nenhum deles também considerou o assunto de importância suficiente para justificar um cisma. De fato, Ireneu relatou que "Aniceto cedeu a Policarpo durante a celebração da Eucaristia, como forma de mostrar respeito". Aniceto e Policarpo partiram em paz, deixando, contudo, a questão sem solução.[2][3] A controvérsia no final do século IIA diferença na prática se tornou uma controvérsia eclesiástica quando o bispo de Roma Vítor tentou declarar a prática de celebrar no Nisan 14 herética e excomungar todos que a seguiam.[2] Por conta disto, Ireneu e Polícrates de Éfeso escreveram para Vítor, o primeiro lembrando-o de seu predecessor, Aniceto, e sua postura mais tolerante, e Polícrates defendendo a prática asiática. Polícrates (ca. 190) notou enfaticamente que ele seguia a tradição que lhe fora passada:
De acordo com Eusébio, uma quantidade de sínodos foram convocados para lidar com a controvérsia e, segundo ele, todos decidiram apoiar a Páscoa no domingo:
Um sínodo palestino, sob a direção dos bispos Narciso e Teófilo, emitiram "uma enorme revisão da tradição sobre a festa de Páscoa [começando na véspera do domingo] que tinha sido passada a eles, sem falhas, desde o tempo dos apóstolos", concluindo:
A excomunhão dos asiáticos por Vítor foi aparentemente revogada e os dois lados se reconciliaram como resultado das intervenções de Ireneu e de outros bispos:
No final, um método uniforme de computar a data da Páscoa não foi formalmente proposto até o Primeiro Concílio de Niceia, em 325. LegadoNão se sabe quanto tempo a prática do Nisan 14 durou. Actualmente ainda o grupo religioso, Testemunhas de Jeová continuam a celebrar a morte de Jesus no dia 14 de Nisã. O historiador da igreja Sócrates Escolástico conhecia quartodecimanos que foram privados de suas igrejas por João Crisóstomo por causa disso[6] e que foram intimidados de maneira não especificada por Nestório,[7] ambos bispos de Constantinopla. Isso indica que a prática do Nisan 14, ou uma prática de mesmo nome, durou pelo menos até o século IV. Por ter sido esta a primeira controvérsia sobre a Páscoa, ela teve uma forte influência sobre o pensamento das gerações posteriores. Wilfredo, o bispo de York do século VII na Nortúmbria, chamou seus oponentes na controvérsia de seu tempo (sobre a Páscoa, mas por outro motivo) de "quartodecimanos",[8] ainda que eles celebrassem a Páscoa no domingo. Muitos estudiosos dos séculos XIX e XX acreditavam que a disputa sobre a Páscoa que tinha sido discutida em Niceia fora entre as celebrações no Nisan 14 e no domingo.[9] Uma nova tradução da "Vida de Constantino", de Eusébio, sugere que este ponto de vista não é mais amplamente aceito,[10] defendendo que a disputa em Niceia era entre duas escolas que defendiam a observância da festa aos domingos: os que seguiam a tradição original de seguir os sábios judeus na determinação do mês lunar em que a Páscoa cairia e os que desejavam demarcá-la com base nas computações puramente cristãs. O caráter escatólogico da celebração quartodecimana da PáscoaEm seu estudo The Eucharistic Words of Jesus (sem tradução para o português), o estudioso das escrituras luterano Joachim Jeremias propôs um forte argumento de que os quartodecimanos preservavam o entendimento e a característica original da comemoração da Páscoa / Pessach. Ele afirma que na tradição judaica, quatro grandes temas estão associados com a Pessach:a criação do mundo (segundo os cristãos), o Akedah - o sacrifício de Isaac, a redenção de Israel do Egito (tanto a passagem do primogênito durante a refeição da Pessach quanto a passagem de Israel pelo Mar Vermelho) e a vinda do Messias (anunciada pelo profeta Elias). Para os cristãos, os eventos centrais do mistério da Páscoa de Cristo, ou seja, sua paixão, morte e ressurreição também estão obviamente relacionados à Pessach. Assim, era inevitável que os primeiros cristãos também esperassem que a iminente segunda vinda de Cristo também ocorresse durante as celebrações da Páscoa/Pessach. Jeremias afirma que os quartodecimanos começavam suas celebrações pelas leituras apropriadas das escrituras judaicas, ou seja, as doze leituras do Antigo Testamento que ainda são lidas na vigília pascal na Igreja católica, Igreja ortodoxa e nas tradições armênias. À meia-noite, quando Cristo não tinha reaparecido para inaugurar o banquete escatológico, os cristãos celebrariam a Eucaristia pascal antecipando o ato final do drama de redenção de Cristo. Como este fervor escatológico original começou a esmorecer a cristandade passou a ser cada vez mais um movimento gentio, esta orientação original escatológica da Páscoa começou a se perder. Adicionalmente, com a popularização da prática do batismo (catecúmenos) durante as doze leituras para que os novatos pudessem desfrutar da Eucaristia pela primeira vez com a comunidade cristã no final da vigília de Páscoa, os temas batismais passaram a dominar os temas da vigília, exatamente como aconteceu nas igrejas que voltaram novamente a batizar seus membros adultos durante a vigília de Páscoa. Alguns dos maiores estudiosos litúrgicos, como Louis Bouyer e Alexander Schmemann, concordam essencialmente com a posição de Jeremias e basta examinarmos os textos litúrgicos cristãos para vermos evidências disto. Como exemplo, o prefácio da Eucaristia durante a vigília de Páscoa nas tradições romana, luterana e anglicana/episcopaliana atestam: "... na noite em que Cristo se tornou o nosso sacrifício pascal" ou na tropário (um hino curto) da Igreja Ortodoxa para a grande e sagrada segunda, terça e quarta, que avisam a comunidade cristã: "Vejam que o noivo chega no meio da noite e abençoados são os servos que ele encontra acordados...". Em resumo, ninguém sabe quando Cristo irá aparecer para o Juízo final, mas dado outros grandes eventos que ocorreram durante a Páscoa/Pessach, os primeiros cristãos assumiram que Cristo iria provavelmente aparecer durante a Eucaristia pascal, assim como ele primeiro apareceu para seus primeiros discípulos durante a refeição do primeiro domingo de Páscoa.[11] Ver tambémNotas
Referências
Ligações externas
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