Um gene supressor de tumor é um gene que reduz a probabilidade de uma célula num organismo multicelular se tornar um tumor. Uma mutação ou delecção de tal gene irá aumentar a probabilidade de formação de um tumor.
Os genes supressores tumorais codificam proteínas que possuem importante papel na regulação do ciclo celular e apoptose, inibindo a formação de tumores. As mutações chamadas de “perda de função” ocorridas nesses genes contribuem para o desenvolvimento de tumores através da inativação de sua função inibitória. Durante esse processo, a cópia funcional do gene de uma célula heterozigótica é alterada, tornando a célula homozigótica para o gene mutado. Esse processo é chamado de “perda de heterozigose”. Essas mutações são, normalmente, pontuais ou causadas por pequenas deleções que tem como consequência a perda da função da proteína codificada pelo gene; deleções cromossômicas ou quebras que deletam o gene supressor tumoral; ou recombinação somática durante a qual a cópia normal de gene é substituída por uma mutante.[1].
Funções Das Proteínas Codificadas Por Genes Supressores De Tumor
As funções das proteínas codificadas por genes supressores de tumor podem ser divididas em diversas categorias, como por exemplo[2]:
1. Supressão de genes essenciais para a ocorrência do ciclo celular. Se estes genes não forem expressos, o ciclo celular é interrompido, inibindo a divisão da célula;
2. Relação ciclo celular versus dano ao DNA: normalmente, quando uma célula apresenta dano em seu DNA, ela não se divide. Se o dano for reparado, o ciclo celular pode continuar. Se o dano não puder ser reparado, a célula sofre apoptose (morte celular programada) para eliminar uma possível ameaça ao organismo;
3. Algumas proteínas envolvidas com a adesão celular impedem a metástase de células tumorais. Essas proteínas são conhecidas como supressoras de metástase;
4. Proteínas de reparo de DNA também são classificadas como supressoras de tumor. Isso se deve ao fato de que mutações nos genes que as codificam, aumentam o risco de câncer. Além disso, um aumento na taxa de mutação decorrente de uma diminuição no reparo do DNA leva a uma maior inativação de outros supressores de tumor e ativação de oncogenes.
Pelo menos 30 genes supressores tumorais já foram identificados. Alguns deles estão no quadro a seguir[3]:
Câncer com herança familiar |
Gene supressor tumoral mutado |
Funções do gene |
Câncer não herdado
|
Retinoblastoma |
RB1 |
Divisão celular, replicação do DNA e morte celular |
Diversos tipos
|
Síndrome Li-Fraumeni (tumores cerebrais, sarcomas, leucemia) |
TP53 |
Divisão celular, reparo do DNA e morte celular |
Diversos tipos
|
Melanoma |
CDKN2A (INK4A) |
Divisão celular e morte celular |
Diversos tipos
|
Câncer Colorretal (devido a polipose familiar) |
APC |
Divisão celular, migração celular, adesão celular e morte celular |
Colorretal
|
Câncer Colorretal (sem polipose) |
MLH1, MSH2, MSH6 |
Reparo de pareamentos errados no DNA, regulação do ciclo celular |
Colorretal, Gástrico
|
Câncer de mama e/ou de ovário |
BRCA1, BRCA2 |
Reparo de quebras de dupla-fita, divisão celular e morte celular |
Cânceres ovarianos raros
|
Tumor de Wilms (Nefroblastoma |
WT1, WT2 |
Divisão celular, regulação da transcrição |
Tumores de Wilms
|
Tumores de nervo (inclusive cérebro) |
NF1, NF2 |
Transdução de sinal mediada por RAS,diferenciação celular, divisão celular |
Neuroblastoma
|
Câncer de rim |
VHL |
Diferenciação celular, divisão celular, morte celular, resposta ao stress celular |
Alguns tipo de câncer de rim
|
|
Teoria de Knudson ou teoria dos dois eventos
Knudson desenvolveu a teoria dos dois eventos bem antes do genoma humano ser seqüenciado e do gene RB1 ser descoberto.
Pesquisadores perceberam que alguns casos de retinoblastoma estavam associados a uma deleção da região 13q14 do cromossomo e então utilizaram uma análise de polimorfismo no comprimento de fragmentos obtidos por corte da fita dupla de DNA (RFLP – do inglês Restriction Fragment Length Polymorphism) para isolar o gene RB1. Com a descoberta da identidade molecular do gene associado ao retinoblastoma, cientistas começaram a focar seus esforços na identificação e caracterização da função deste gene e descobriram que ele está relacionado com o bloqueio da proliferação celular e com a regulação da morte celular.
Já foi demonstrado que a ação do RB1 é inibida por quatro mecanismos distintos: inativação genética, captação por oncoproteínas virais, fosforilação ou degradação da proteína codificada por esse gene.
A teoria dos dois eventos foi criada por Knudson em 1971, ao estudar casos de retinoblastoma[4]. Knudson observou que a idade de início do retinoblastoma seguia cinética de segunda ordem, o que implicava que dois eventos genéticos independentes eram necessários. Ele verificou que o retinoblastoma hereditário ocorria em idade mais jovem do que a doença esporádica. Além disso, as crianças com retinoblastoma hereditário freqüentemente desenvolviam tumor em ambos os olhos, o que sugere uma predisposição subjacente. O trabalho de Knudson levou indiretamente a identificação de genes relacionados ao câncer, o que o fez ganhar o prêmio Albert Lasker de Pesquisa Médica de 1998 por este trabalho.
A teoria dos dois eventos prediz que duas mutações devem inativar cada alelo de um gene supressor tumoral para desenvolvimento de um câncer[5]. Isto porque, se apenas um alelo do gene estiver danificado, o segundo alelo pode ainda produzir a proteína correta. Em outras palavras, os alelos mutantes de supressores de tumor são geralmente recessivos. Em tumores com herança familiar, uma mutação é herdada na linhagem germinativa e outra mutação, desta vez somática, é adquirida ao longo da vida. Em tumores esporádicos, as duas mutações são somáticas e adquiridas ao longo da vida. Isto explica como alguns tipos de câncer podem ser tanto esporádicos quanto hereditários, como o câncer de mama e o retinoblastoma[6]. Esta hipótese esclarece também como algumas doenças hereditárias não se manifestam em todos os indivíduos da família, uma vez que a segunda mutação ocorre ao acaso.
Referências
- ↑ KUMAR V, ABBAS A, FAUSTO N: Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease 7th ed, Elsevier/ Saunders, 2005;Chapter 7: Oncogenes and Tumor Suppressor Genes pp. 292-306.
- ↑ FRANCKE U., KUNG, F. Sporadic bilateral retinoblastoma and 13q- chromosomal deletion. Medical and Pediatric Oncology 2: 379–385, 1976.
- ↑ CHIAL, H. Tumor suppressor (TS) genes and the two-hit hypothesis. Nature Education 1(1) (2008)
- ↑ KNUDSON JR, A.G. Mutation and cancer: statistical study of retinoblastoma. Proceedings of The National Academy of Sciences USA, 68(4):820-823, 1971.
- ↑ BERGER AH, KNUDSON AG, PANDOLFI PP. A continuum model for tumour suppression. Nature. Aug 10;476(7359):163-9 2011.
- ↑ KOBAYASHI H, OHNO S, SASAKI Y, MATSUURA M. Hereditary breast and ovarian cancer susceptibility genes (Review). Oncol Rep. Jun 19 2013.
Ver também