Franz Xaver von Baader
Franz Xaver von Baader (Munique, 27 de março de 1765 – Munique, 23 de maio de 1841) foi um filósofo, médico, engenheiro de minas e teólogo alemão.[1] Um teósofo cristão, suas obras revelam um profundo estudo seu do esoterismo ocidental bem antes do interesse deste pelos românticos. Baader popularizou entre eles conceitos boehmenistas e martinistas, bem como foi grande influência sobre escritores da sofiologia russa como Berdiaev e Soloviov, dentre outros. Mesmo católico, fez articulações com a ortodoxia bizantina, teologia protestante e fontes clássicas gregas, fazendo ponte também entre a cabala, alquimia, romantismo e a Naturphilosophie científica de sua época.[2][3] Sua obra é marcada pela busca de síntese, por exemplo entre o idealismo platônico e realismo aristotélico, o que também levou sua filosofia ser caracterizada como "realismo ideal". Também escreveu trabalhos críticos da sociedade, fazendo tentativas de reconciliações políticas e teológicas na Cristandade e realizando denúncias tanto das condições econômicas, quanto de um niilismo espiritual e dos relacionamentos.[4] É notória sua investigação ontológica e teológica da androginia e a elaboração de uma filosofia do amor.[2][3] CarreiraÉ difícil resumir a filosofia de Baader, pois expressa os seus mais profundos pensamentos obscuros através de aforismos e analogias místicas. Só tardiamente enveredou pela filosofia, tendo chegado a leccionar filosofia em Munique. De 1792 a 1796, Baader trabalhou como gerente de mina e fundição na Inglaterra e na Escócia. Franz estudou medicina em Ingolstadt e Viena, e por um curto período ajudou seu pai em sua prática médica. No entanto, Franz logo descobriu que a vida de médico não combinava com ele e decidiu se tornar um engenheiro de minas. Ele estudou sob Abraham Gottlob Werner em Freiberg, viajou por vários distritos mineiros no norte da Alemanha e residiu na Inglaterra de 1792 a 1796.[5] Na Inglaterra, Franz von Baader conheceu o empirismo de David Hume, David Hartley e William Godwin, que lhe desagradava extremamente. Mas também entrou em contato com as especulações místicas de Meister Eckhart, Louis Claude de Saint-Martin e, sobretudo, de Jakob Böhme, que mais lhe agradaram. Em 1796, voltou para a Alemanha e, em Hamburgo, conheceu F. H. Jacobi, de quem se tornou amigo íntimo. Ele também entrou em contato com Friedrich Schelling, e as obras que publicou nesse período foram manifestamente influenciadas por Baader, embora este mantivesse sua independência de Schelling.[5] Baader, frequentemente chamado "Boehmius redivivus" (o "Böhme redivivo"), provavelmente incentivou Schelling na leitura behmeniana.[6] No entanto, ambos romperam sua amizade por volta do ano 1822, quando a denúncia de Baader da filosofia moderna em sua carta ao czar Alexandre I afastou Schelling completamente. Durante este tempo, Baader continuou a dedicar-se à sua profissão.[7][5] Ele ganhou um prêmio de 12.000 gulden (≈117 kg de prata) por seu novo método de empregar sulfato de sódio em vez de potássio na fabricação de vidro. De 1817 a 1820, ocupou o cargo de superintendente de minas e foi elevado à nobreza por seus serviços. Ele se aposentou em 1820 e, posteriormente, publicou uma das melhores de suas obras, Fermenta Cognitionis em 6 partes de 1822 a 1825. Nela, ele combate a filosofia moderna e recomenda o estudo de Böhme.[5] Em 1826, quando a nova universidade foi inaugurada em Munique, foi nomeado professor de filosofia e teologia especulativa. Ele publicou algumas de suas palestras em 4 partes de 1827 a 1836 sob o título Spekulative Dogmatik.[5] Baader veio a ser o mais influente teósofo cristão do século XIX.[6] Ele desenvolveu teorias de fisiologia e antropologia em vários trabalhos baseados nessa compreensão do universo, no geral coincidindo com as ideias de Böhme.[5] Foi um forte opositor às ideias do iluminismo, rejeitando, por exemplo, a noção de Kant de autonomia moral. Este ponto de vista era semelhante ao de Schelling, e houve uma influência recíproca entre eles. Enveredou por uma tradição religiosa e mística com raízes no gnosticismo e no neoplatonismo. Os seus textos, criticando a Igreja Católica pela forma como exerceu o poder político e eclesiástico, acabam por ser condenados pela Santa Sé.[8] Questões de gênero e filosofia do amorUma das ideias centrais de Baader é seu conceito de androginia. Jean Halley des Fontaines sumariza sua posição:[9]
Seguindo a redação literal do primeiro dos dois relatos de Gênesis sobre a criação do homem, Baader diz que o ser humano era originalmente um ser andrógino. Nem o homem nem a mulher são "imagem e semelhança de Deus", mas apenas o andrógino. Ambos os sexos são igualmente caídos da divindade original do andrógino. O androginismo é a semelhança do homem com Deus, seu surgimento sobrenatural. Daí resulta que os sexos devem cessar e desaparecer. A partir dessas posições, Baader interpretou o sacramento do casamento como uma restituição simbólica da bissexualidade angélica:[2][4]
Em última análise, o sacrifício de Cristo tornará possível a restauração da androginia primordial. Baader acreditava que a androginia primordial retornaria quando o mundo se aproximasse de seu fim.[10] Nisso, o amor tem uma importância fundamental. Toda a Criação deriva do Amor de Deus, o que é definido como "Seu Transbordamento absoluto no Transbordante".[4][2] Inclusive a encarnação é um ato de descida do Amor.[2] A união de dois amantes, ocorrendo através do vínculo "solidificante" do amor, é um dos meios possíveis da restauração da imagem de antes da queda desde que ambos estejam ligados a Cristo.[2] Deus é também apresentado como um terceiro termo que se rebaixa em direção aos amantes, os quais, por sua vez, devem se fusionar Nele. O amor tanto unifica quanto diferencia; nesse processo, além de uma união absoluta ocorre também uma diferenciação absoluta dos indivíduos: "a unidade perfeita é encontrada apenas em nossa união individual com Deus, e somente depois disso é que nos encontraremos naturalmente como irmãos uns dos outros".[2]
A cosmologia de Baader é constituída pelos mundos divino, natural e humano, e o erotismo se articula entre todos eles da mesma forma. Ontologicamente, ele considera que existem duas forças nesses três níveis: uma força masculina, ativa, e uma feminina, passiva; sendo que cada força possui um aspecto da outra polaridade, resultando uma articulação de quatro polos. Baader se refere às polaridades sexuais com o termo alquímico "tinturas". A divindade é andrógina, com Deus articulando aspectos masculinos e femininos entre suas Três Pessoas de Pai-Filho-Espírito, o que permite a expressão da criação na Mãe ou matriz da Natureza. Nesse esquema, Sofia (Sabedoria) é a Mãe e age como um quarto elemento (nem criador, nem criação),[2] auxiliadora do Cristo que serve de espelho ativo para a manifestação do Verbo. Baader refere-se à expressão do Verbo também com o termo indiano Maiá, porém distinguindo-a de Sofia.[11][2] A quaternidade total reflete e retorna a imagem da Trindade a si mesma.[2] É também através dessa dialética quaternária que ocorre a reconstituição do ser humano, em um processo que tende à reintegração chamado por Baader de Verselbständigung, segundo Antoine Faivre análogo ao conceito de individuação de Carl Gustav Jung.[2] Nisso, sua antropologia é dotada da elevação e descida correspondente de pares: assim como a Terra deve se erguer ao Céu, a Natureza deve se levantar em direção ao Espírito; e também o contrário: para o encontro, o Céu deve descer à Terra, e o Espírito à Natureza. Seguindo essa analogia, considerou o papel masculino como devendo descer seu Espírito para ir ao encontro da Natureza, enquanto o papel feminino seria erguer a Natureza até o Espírito. Para ambos, o ponto central de encontro é o que ele chamou de Gefühl, sentimento, considerado também o "coração" ou "meio" de nosso corpo, entre a parte superior e inferior. Assim, o casal harmonizaria o todo.[2] Baader considera o amor como uma graça concedida ao ser humano, não para desfrute transitório e ilusório, mas para que se ponha a serviço em transfigurar o temporal na eternidade. "A transmutação é a chave do cristianismo e da física superior".[3] Em seu aforismo Chaves para o entedimento do mistério do amor, considera que Sofia, ou a "humanidade celestial", aparece ao amante masculino na forma de uma amante feminina durante um estado amoroso, e vice-versa, o que explica o êxtase do amor. Desse modo, uma pessoa amante deve fixar os olhos sobre o objetivo superior do amor que a virgem celeste representa, para que seja efetuada a encarnação de Sofia no ser humano.[2] A união dos amantes gera um terceiro termo que é maior do que a união de duas metades: "em tal êxtase, só pode ser compreendido graças à elevação comum de ambos os amantes a um terceiro princípio superior (...) que os gregos personificavam em Eros (o deus que representava o amor)."[2] Em 1831, ele dedica a Emilie Linder as Quarenta proposições sobre o erotismo religioso. Nesses escritos, confere um caráter iniciático ao relacionamento amoroso, explicitando o caráter de provação que ele exige, tal como a elaboração de um processo alquímico. Baader afirma que amizade e o amor se enraízam através da adversidade, se aprofundando com lágrimas e tornando-se fiéis e constantes após uma gradual erradicação da infidelidade e negação do outro, ou seja, a erradicação do pecado. Também aborda, dentre outros temas, a vigilância contra a philautia, o autoamor, configurando este como uma tentativa vazia de aplacar as dúvidas de seu próprio merecimento de ser amado e admirado pelos outros, ao passo que se recusa a admirar e amar outras pessoas além de si. Em outra passagem, valoriza a importância da reconciliação e do perdão por meio do amor:[2]
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