FraccionismoFraccionismo, também chamado de grupo de Nito ou nitismo, e autodenominado Comitê de Ação do MPLA — Unidade FAPLA-Povo,[1] foi um movimento político angolano de cariz comunista ortodoxo,[2] liderado por Nito Alves, ex-dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). O movimento articulou-se como dissidência no seio do MPLA após a independência de Angola, em oposição ao Presidente Agostinho Neto,[1] e lançou em Luanda uma tentativa de golpe de Estado a 27 de maio de 1977.[3][4] Após um breve período de acalmia que parecia indicar estar tudo solucionado, deu-se uma violenta tentativa de tomada de poder,[1] que levou a um período de dois anos de purga de seguidores e simpatizantes de Nito Alves (ou suspeitos de o serem), resultando em milhares de mortos.[3][4] O movimento fracassou devido ao mal planeamento das ações para tomada do poder,[1] à falta de um objetivo claro diante das massas populares[1] e ao suporte militar ao aparelho Estatal das tropas das Forças Armadas de Cuba que conduziam a Operação Carlota em solo angolano desde 1975.[1] Apesar do fracasso do movimento nitista, a tentativa de golpe de Estado de 27 de maio de 1977 imprimiu profundas alterações estruturais no seio do MPLA e do Estado angolano, como a adopção oficial do marxismo-leninismo até 1992.[1] Origem do termoO termo "fraccionismo" é muito comum entre os partidos da Internacional Comunista, servindo para identificar qualquer movimento interno partidário que representasse um desvio[1] ou "desprezo fundamental dos princípios do centralismo democrático".[5] No MPLA, antes do "Fraccionismo Nitista", notoriamente pelo menos três outros movimentos internos foram chamados de "fraccionistas", a saber: o "MPLA-Ala Viriato da Cruz", que representava um grupo de oposição proponente de uma linha maoísta e de cunho racista contra quadros brancos e mestiços no movimento entre 1963 e 1965;[6] a "Revolta do Leste" que, entre 1972 e 1974, questionava a capacidade e liderança militar de Agostinho Neto, Lúcio Lara e Iko Carreira, acusando-os de serem elites europeias e branco-mestiças,[1] e; a "Revolta Activa", entre 1972 e 1974, que defendia a adopção uma linha ideológica mais marxista contra o nacionalismo de frente ampla até então dominante (defendido por Neto para aglutinar maior apoio popular), alegando também haver pouco protagonismo negro em detrimento de uma suposta "elite branco-mestiça".[1] Os três movimentos "fraccionistas" predecessores tinham em comum a discussão racial.[1] A linha ideológica central do MPLA entre 1964 e 1977 foi de um nacionalismo de esquerda de frente ampla, muito embora internamente o marxismo-leninismo modernizante plurirracial[7] dominasse o debate e a ação partidária, e de 1977 a 1992 fosse a linha oficial do "MPLA-Partido do Trabalho".[1][8] AntecedentesNito Alves lutava nas fileiras do MPLA desde 1961. Quando em 1974 se dá o 25 de Abril em Portugal, era o comandante militar das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) na I Região Político-Militar, responsável pelos combates nos Dembos, Luanda e Norte de Angola.[1] Durante o período do Conselho Presidencial do Governo de Transição, organismo criado pelo Acordo do Alvor em janeiro de 1975, transformou-se no líder dos militantes do MPLA nos musseques de Luanda, onde organizou os comités denominados "Poder Popular", que lutaram durante os primeiros momentos da guerra civil em Luanda contra a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).[9] Neto tinha dado a Alves a tarefa de reprimir as dissidências dos Comitês Amílcar Cabral (CAC) e Henda, e depois a Organização Comunista de Angola (OCA).[1] Enquanto tinha sucesso na empreitada repressiva, expandia sua própria influência dentro do MPLA por meio do controle dos jornais e da televisão estatais do país.[1] Início do movimento FraccionistaNa concepção dos Fraccionistas, quando Angola conquista a independência em 1975 já havia no seio do MPLA uma "desvirtuação" dos ideais pelos quais muitos militantes haviam lutado.[2] Houve uma grave cisão no seio do movimento entre os chamados moderados, empenhados num crescimento cuidadoso e gradual, congregados à volta de Agostinho Neto, Lúcio Lara, Iko Carreira, Saíde Mingas e Lopo do Nascimento,[1] e uma facção radical, com Nito Alves e José Jacinto Van-Dúnem à cabeça, que opunha-se a uma suposta predominância de mestiços e brancos no governo e contra as políticas socioeconômicas, a que atribuíam a pobreza em massa do pós-guerra de independência e guerra civil recém-iniciada.[1][10] O foco de divisão surge entre novembro de 1975 e janeiro de 1976, com os primeiros discursos de Nito Alves nos meios de comunicação Estatal sobre injustiças e condições socioeconômicas da população angolana, criticando certos privilégios a alguns setores da sociedade que ainda persistiam do período colonial.[1] Em pouco tempo seu discurso inflamado nos veículos de comunicação angolanos tinha deixado de ser contra o imperialismo e os movimentos rivais ao MPLA (classificados como "traidores" da revolução) e rumado para uma suposta luta de classes que na verdade era traduzida em Angola como uma luta dos negros contra uma "elite branco-mestiça".[1] Segundo os radicais nitistas, mestiços e brancos desempenhavam um papel extremamente desproporcionado no funcionamento do governo de uma nação predominantemente negra.[1] Embora o presidente Agostinho Neto defendesse a implantação de um governo multirracial, alguns membros do governo, como Nito Alves, lançavam abertamente um apelo racista às massas.[1][11] Nito Alves era considerado por alguns o segundo homem do poder, logo a seguir a Agostinho Neto,[2] e fora nomeado Ministro da Administração Interna quando o MPLA formou o primeiro governo de Angola.[2] Porém, o seu descontentamento com a alegada orientação de Agostinho Neto a favor dos intelectuais urbanos mestiços como Lúcio Lara, Presidente do Conselho da Revolução, influente histórico e um dos principais ideólogos do partido; o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Teixeira Jorge, e; o Ministro da Defesa, Iko Carreira, fomentou um foco de divisão no seio do Governo.[11] O discurso nitista de uma luta de classes com roupagem racial radicalizou quando retornou da missão diplomática partidária que realizou com seu mais próximo aliado, José Jacinto Van-Dúnem, ao XXV Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), entre o final de fevereiro e o início de março de 1976.[1][12] No retorno em março de 1976, discursou defendendo que deveria ocorrer a "transformação do MPLA em partido político [...] armado com a teoria cientifica-revolucionária", indicando uma visão de implantação da linha marxista-leninista e do modelo soviético no programa do partido e nas políticas de Estado.[1] Utilizando-se de forte propaganda midiática entre os setores populares, a temática racial ganhava destaque nos debates nitistas, havendo uma clara separação ao final de 1976 entre a ala de Nito e o grupo dirigente de Neto.[1] Esta divisão tornou-se mais evidente quando em Luanda na 3ª Reunião Plenária do Comité Central do partido, realizada de 23 a 29 de outubro de 1976, se decidiu a suspensão por seis meses de Nito Alves e de José Jacinto Van-Dúnem, acusados formalmente de "fraccionismo" por terem sido protagonistas da criação de um 2º MPLA.[13] Nesta reunião plenária, o Comité Central do MPLA extinguiu o Ministério da Administração Interna (chefiado por Alves).[1] Em consequência da suspensão, Nito Alves e José Jacinto Van-Dúnem propuseram a criação de uma comissão de inquérito para averiguar se havia ou não fraccionismo no seio do partido. O trabalho da comissão — presidida por José Eduardo dos Santos — caracterizou-se pela morosidade da apresentação das suas conclusões sobre o Fraccionismo, levando a alastrar a divisão no seio do MPLA.[14] É de referir que devido a morosidade dessa comissão de inquérito, algumas suspeitas chegaram a recair sobre o próprio José Eduardo dos Santos, dado que tinha certa simpatia pelo nitismo e nutria as mesmas visões raciais do movimento.[1][15] No entanto, José Eduardo dos Santos foi ilibado pelo comissário provincial da Huíla, Belarmino Sabugosa Van-Dúnem. A esposa de José Jacinto Van-Dúnem, Sita Valles, com ligações ao PCUS, foi também expulsa do MPLA, acusada de ser uma agente infiltrada da polícia secreta Comitê de Segurança do Estado da URSS, o famoso KGB.[16] A comissão apontou, porém, que os nitistas estavam à causar rupturas e a dividir o partido, sem admitir "fracção" num primeiro momento.[1] Ficou estabelecido que a comissão emitisse um relatório de suas conclusões finais no início de 1977.[1] Mobilização para o golpeNito Alves, depois de ter sido ouvido pela comissão de inquérito em fevereiro de 1977, começou a convencer o povo de que a acusação de Fraccionismo que lhe era dirigida estava associada a uma intenção de golpe de Estado que lhe procuravam também imputar. Realçava igualmente o facto de que alguns dirigentes do MPLA teriam transmitido informações a militantes sobre a previsão de fuzilamento dele próprio, em janeiro desse ano.[17] Convenceu também os seus seguidores de que as cadeias estavam a ser preparadas pelas forças afectas a esse grupo para receber presos que a segurança já tinha em mira. Foi neste clima de desconfiança generalizada no MPLA e da suposta tentativa de eliminação física de alguns dos seus militantes que Nito Alves e o grupo dos seus apoiantes mais próximos promoveram a mobilização de parte dos membros do MPLA em sua defesa, com o apoio de algumas das organizações de massas, de alguns populares de Luanda (particularmente do musseque Sambizanga) e de sectores importantes das forças de segurança e defesa nacionais.[17] Alves e Van-Dúnem planejavam prender Neto em 21 de maio, antes que ele chegasse a uma reunião do Comitê Central e antes que a comissão divulgasse seu relatório sobre as atividades dos nitistas. No entanto, o MPLA mudou o local da reunião pouco antes do início previsto, desorganizando os planos dos conspiradores, mas Alves compareceu à reunião e enfrentou a comissão mesmo assim.[1] A assembleia magna de militantes foi realizada a 21 de maio de 1977 na cidadela de Luanda, presidida por Agostinho Neto. A comissão divulgou seu relatório, acusando Nito e Van-Dúnem de "fraccionismo".[1] Alves revidou, denunciando Neto por não alinhar Angola com a União Soviética. Após doze horas de debate, o partido votou 26 a 6 pela destituição de Alves e Van-Dúnem de seus cargos.[1] É o ponto de ruptura,[9] onde o movimento Fraccionista-Nitista se organiza para tentar a tomada do poder pelas armas.[1] A expulsão de Nito e Van-Dúnem agitou a massa apoiante do movimento Fraccionista-Nitista, que organizou-se para sair em manifestação no país a 27 de maio de 1977 contra a linha de orientação de uma suposta "elite branco-mestiça"[1] e contra a deterioração da vida do povo e carência generalizada de géneros alimentares, procurando obter o apoio de Agostinho Neto às suas pretensões de depurar o partido para garantir o aprofundamento da revolução popular.[17] Facto é que a massa popular apoiante de Nito Alves não tinha conhecimento total de que o plano era orquestrado, com elementos bem colocados em locais e organismos do Estado e do MPLA, inclusive com manipulação de mídias e das bases populares, para aplicar um golpe de Estado e de tomada de poder no partido.[17] A tentativa de golpeEm 27 de maio de 1977 Nito Alves liderou um movimento de protesto que se dirigiu para o Palácio Presidencial, supostamente para apelar ao Presidente Neto para que tomasse uma posição contra uma suposta conspiração ou "santa aliança"[1] entre a social-democracia e o maoísmo que estavam a definir os rumos do MPLA,[1] defendendo que se alterasse essa tendência com o retorno à linha marxista-leninista pura.[1] Paralelamente as forças Fraccionistas-Nitistas dirigem o assalto à cadeia de São Paulo,[1] a tomada da Rádio Nacional de Angola e a incitação popular dos operários e das massas populares à revolta.[18] Os Nitistas conseguiram capturar importantes elementos da liderança do Estado angolano, do partido e militares contrários à revolta, levando-os para os musseques, onde são, posteriormente, assassinados.[19] No final da tarde de 27 de maio a tentativa de golpe já tinha sido debelada na cidade de Luanda e os organismos de repressão entram nas zonas rebeldes da capital em busca dos participantes da intentona.[1] Na Rádio Nacional, Agostinho Neto resume os acontecimentos, anuncia o retorno do controle da capital e dá o tom da purga que se inicia.[1] Purga ao FraccionismoLogo nessa mesma noite, a DISA, sob comando de Ludy Kissassunda e Henrique Onambwé, começou as buscas às casas à procura dos líderes Nitistas.[1] No rescaldo do golpe, muitas pessoas foram submetidas a prisões arbitrárias, torturas, condenações sem julgamento ou execuções sumárias, levadas a cabo pelo Tribunal Militar Especial ou Comissão Revolucionária.[1] A purga nacional contra o Fraccionismo durou cerca de dois anos.[1] Tipicamente, após os julgamentos sumários, os ditos "traidores" eram apresentados na televisão angolana antes de serem fuzilados.[20] Foram mortos combatentes experientes, jovens militantes, intelectuais e estudantes.[1] Não se sabe a data exata em que Nito Alves foi preso, mas sabe-se que foi fuzilado e que o seu corpo desapareceu. Sita Valles e José Jacinto Van-Dúnem foram aprisionados a 16 de junho de 1977.[1] Em 1978, o jornalista e escritor australiano Wilfred Burchett afirmou, com base em sua investigação particular, que Nito Alves fora executado,[1] bem como Sita Valles,[1] José Jacinto Van-Dúnem,[1] o Ministro do Comércio Interno David Minerva Machado,[1] além dos comandantes superiores do exército do MPLA Jacob Monstro Imortal e Eduardo Ernesto Bakalof.[21] Estas acções de depuração do partido provocaram milhares de mortos não existindo um número oficial, oscilando segundo as fontes, entre os 10.000 e os 40.000.[1][9] DesfechoNa versão oficial, publicada a 12 de julho de 1977, o Fraccionismo tentou um golpe de Estado que já vinha a ser preparado desde 1974, compreendendo várias fases (infiltração, sabotagem das estruturas existentes e finalmente, golpe de Estado), sendo atribuído ao "Grupo de Nito".[1] Defendiam que, este grupo se apresentava com uma capa aparentemente revolucionária, a de uma linha marxista-leninista pura, procurou desviar o povo dos objectivos da Reconstrução Nacional e da defesa da integridade territorial, tentando, dessa forma, controlar as estruturas do MPLA e do governo.[1] O Bureau Político do MPLA acusou inclusive o "grupo de Nito", de ser um aliado do inimigo interno — FNLA e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) — e externo — Zaire, África do Sul e Estados Unidos —, de manipular as dificuldades do povo, efectuar calúnias contra dirigentes e de estar afastado das massas populares recusando-se a com elas conviver. No plano ideológico, considerou que as acusações dos Fraccionistas, da existência nas cúpulas de manifestações social-democratas ou maoístas, eram conceitos palavrosos, sem significado em Angola. A direcção do MPLA, discordava claramente de que o Fraccionismo, fosse uma tomada de consciência da classe operária Angolana. Considerou ainda que, os conceitos de antissovietismo e anticomunismo atribuídos a grande parte dos responsáveis políticos do MPLA, eram apenas uma tentativa dos golpista de atrair o apoio dos países amigos ou socialistas.[13] Em julho de 1979, Agostinho Neto, levando em consideração os actos dos dois últimos anos, decide dissolver a DISA pelos "excessos" que havia cometido.[1] Ironicamente, o golpe acabou por reescrever a história, levando o MPLA a fazer o que os golpistas reivindicavam. Em dezembro de 1977 no seu primeiro congresso, mudam de nome para MPLA-Partido do Trabalho (MPLA-PT)[1] adoptando oficialmente a ideologia marxista-leninista defendida por Nito Alves.[22] ConclusãoEm abril de 1992, o governo angolano reconheceu que foram "julgados, condenados e executados" os principais "mentores e autores da intentona Fraccionista", que classificou como "uma acção militar de grande envergadura" que tinha por objectivo "a tomada do poder pela força e a destituição do presidente Neto".[23] Apesar de este período histórico ter ficado conhecido como Fraccionismo, a palavra em si já tinha sido usada para definir outras tentativas de ruptura no MPLA, fato que o próprio Agostinho Neto faz referência no discurso proferido a 5 de fevereiro de 1977, na assembleia de militantes em Nadalatando.
Já Nito Alves dizia: "Os que fazem a História nem sempre podem escreve-la".[25] Referências
Bibliografia
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