Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre
A Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre foi uma faculdade ou instituto livre de medicina, odontologia e outras habilitações afins, de matriz associada ao positivismo, que funcionou a partir de 1915, passando a sofrer pressões cada vez maiores da classe médica local ao longo de sua existência, vindo a ser fechada progressivamente de 1932 até 1941, e definitivamente em 1943, então com o nome de Escola de Medicina do Rio Grande do Sul. Em 26 anos de existência, teve entre os seus egressos alguns dos primeiros profissionais da área da saúde negros[1] do Estado do Rio Grande do Sul. HistóricoA Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre (1915-1943) foi criada com apoio do governo estadual como resultado de uma separação da Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, fundada em 1914, que foi malsucedida, dividindo-se em duas, a Faculdade de Ciências Médicas, que duraria muito pouco, e a Escola Médico-Cirúrgica, fundada em 3 de janeiro de 1915. Em 1918, a Escola herdou também alunos e o acervo patrimonial da naquele momento extinta Faculdade de Ciências Médicas. Sua sede foi na Rua General Vitorino, 51, no centro de Porto Alegre (prédio demolido).[2] Recebia verbas do Conselho Municipal e do Estado. A Escola Médico-Cirúrgica possuiu um laboratório de química biológica e outro de microbiologia clínica e uma Policlínica. Foram fundadores e primeiros professores da Escola onze médicos, a maioria formada pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre: João Landell de Moura, Ernesto Von Bassewitz, Antonio Affonso de Figueiredo, Estevão Junot Barreiro, José Virginio Martins, João Manoel Ramos, Mario Santos, Antonio da Silva Fróes, Adalgiso Ferreira e Souza, Arthur Caldas Junior e Antenor Granja de Abreu. Os estatutos da Escola previam um curso de medicina de 5 anos, desenvolvido sob o princípio da liberdade profissional e do ensino livre, como previstos pela Constituição Estadual Rio-Grandense de 1891, o que não era aceito pelas demais instituições médicas de Porto Alegre.[3] Seu fechamento se deu devido à forte pressão organizada por parte da classe médica da época, contrária à visão de seus docentes sobre a homeopatia e aos seus princípios positivistas de liberdade profissional (não intervenção do governo no ensino superior e nas profissões), além da concorrência em estabelecimento na cidade. Entre os seus principais opositores institucionais estavam a Faculdade de Medicina de Porto Alegre e a Santa Casa de Misericórdia, defensoras de uma medicina não livre, ou seja, com controle sanitário e tutela da União, regulamentada e fiscalizada pelo Estado, como já em andamento desde a Proclamação da República em outros centros do país.[4] Além disso, o Decreto 20.179, de julho de 1931, que exigia a equiparação dos institutos livres às instituições federais de ensino, e o estabelecimento da regulamentação federal do exercício da Medicina, 1932, por pressão do Sindicato Médico Brasileiro, impediram o reconhecimento de diplomas dos alunos da Escola Médico-Cirúrgica. O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul ignorou a solicitação de apoio por parte dos alunos da Escola, que estavam mobilizados, em “greve”.[5] Em 1932, após o fechamento do curso central, seriam mantidos em continuidade regular os cursos de farmácia, odontologia, obstetrícia e enfermagem[6], sendo garantida a possibilidade de encaminhamento dos alunos para outras instituições do país, incluindo a Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Ainda assim, e dadas as reivindicações, o governo federal permitiu que os estudantes matriculados até 11 de janeiro de 1932 pudessem prosseguir seus estudos, mantendo o ensino médico durante toda a década de 1930.[5] Em obediência à legislação federal, a continuidade dos esforços da direção pelo reconhecimento pelo Ministério da Educação incluiria a aquisição de um prédio adicional e ajustes no edifício antigo para transformá-lo em uma policlínica. Em edição de 1939, o jornal O Momento, de Caxias do Sul, informava:
Além da infraestrutura para atender à legislação e os novos estatutos, em 1939 foram nomeados uma professora para ortodontia e odontopediatria e catorze professores para higiene infantil e puericultura, química fisiológica, clínica propedêutica, clínica cirúrgica, terapêutica clínica, clínica médica, clínica oftalmológica, técnica operatória e cirurgia experimental, doenças tropicais, física médica, botânica aplicada à farmácia, química analítica, química aplicada e clínica odontológica. O diretor da Escola, Salvador Petrucci, requereu ao Governo Federal a oficialização da instituição agora renovada.[8] O Ministério da Educação enviou a Porto Alegre uma comissão integrada por dois professores e uma professora para exarar parecer. Em novembro de 1939 o pedido foi negado pela Comissão.[9] A instituição trocou o seu nome para Escola de Medicina do Rio Grande do Sul e em 1941, sob a direção de Carlos Bento,[5] anunciou o início de um projeto de construção de um hospital-escola. Mas a instituição foi definitivamente fechada através do Decreto no 12.570, em 15 de junho de 1943, que “Proíbe o funcionamento da Escola de Medicina do Rio Grande do Sul”,[10] assinado pelo presidente Getúlio Vargas e pelo ministro Gustavo Capanema. Extensão socialEm sua Policlínica anexa, a Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre oferecia serviços médicos, farmacêuticos e dentários gratuitos para pessoas pobres.[11] Destacou-se, entre outras práticas sociais, pela assistência prestada à população durante a pandemia da gripe espanhola em 1918, organizando um pronto-socorro em sua Policlínica, especialmente de outubro a novembro.[11] Também distribuiu medicamentos gratuitos e visitou enfermos em suas casas. Totalizaria 8.486 atendimentos gratuitos, segundo o jornal O Independente (25 nov. 1918). Junto com a Escola, também prestaram auxílio no combate à gripe a Maçonaria de Porto Alegre (loja Grande Oriente do Rio Grande do Sul) e a Federação Operária do Rio Grande do Sul.[12] A Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre foi uma das precursoras da concessão de bolsas sociais para acadêmicos de baixa renda, incluindo negros. Seus Estatutos previam a concessão de seis matrículas gratuitas por quinquênio para “candidatos reconhecidamente pobres”.[3] Seriam contemplados com essas matrículas “pessoas indicadas pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Intendente de Porto Alegre, Presidente do Centro Republicano, Provedor da Santa Casa desta capital e o Diretor da Escola. A Escola cientificará no fim de cada período letivo o grau de aproveitamento desses alunos”.[13] Alguns médicos negros formados pela Escola foram colaboradores de O Exemplo, jornal pós-abolicionista publicado em Porto Alegre entre 1892 e 1930. Entre eles estavam: Arnaldo Dutra (1888-1929),[14] formado em medicina em 1926, e redator-chefe de O Exemplo a partir de 1927, além de também ser teatrólogo atuante e editor de outros veículos[15]; Diógenes Baptista (1891-1962),[16] colaborador e secretário de redação do jornal, formado médico na Escola em 1920[17]; e Alcides Feijó das Chagas Carvalho (1893-1958), formado na Escola em dezembro de 1916 e diretor de O Exemplo entre 1916 e 1917.[18][19] Alcides Feijó das Chagas Carvalho foi preparador na farmácia da Santa Casa de Misericórdia, ingressou na Escola Homeopática com matrícula cedida pelo governo do Estado, passando para a Escola Médico-Cirúrgica, onde manifestaria interesse pelas “moléstias nervosas” (psiquiatria) e do “aparelho digestivo e órgãos correlatos”,[20] e concluindo o curso em dezembro de 1916, com a tese de doutoramento A propósito da Asma Sifilítica.[17] Especializado em Pediatria, atuou especialmente como Médico e Diretor da Higiene Municipal em Montenegro, Rio Grande do Sul, mas também como escritor,[21] sendo patrono da Academia Montenegrina de Letras.[22] Profissional pioneiro, Carvalho pode ter sido o primeiro médico negro formado no estado do Rio Grande do Sul.[23] [24] Notas e referências
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