Discurso da Servidão Voluntária
Discurso da Servidão Voluntária (em francês, Discours de la servitude volontaire) é uma obra de Étienne de La Boétie (1530-1563). Publicada após a morte do autor, primeiro em latim e em fragmentos (1574), e depois integralmente, em francês (1576), havia sido escrita quando La Boétie tinha entre 16 e 18 anos.[1] O texto, uma breve denúncia da tirania, surpreende pela sua erudição e profundidade, sobretudo tendo-se em conta a pouca idade do seu autor. A obra discute a questão da legitimidade de qualquer autoridade sobre uma dada população e analisa as razões da submissão (relação "dominação-servidão"). A originalidade da tese de La Boétie é que, contrariamente ao que muitos pensam, a servidão não é imposta pela força, mas é aceita voluntariamente, pois, se assim não fosse, como seria possível conceber que um pequeno número de pessoas pudesse obrigar todos os outros cidadãos a obedecer de forma tão servil? De fato, segundo o autor, nenhum poder, mesmo quando imposto pela força das armas, pode dominar e explorar uma sociedade a longo prazo, sem que haja a colaboração, ativa ou resignada, de uma parte significativa dos seus membros.[2]. Nas palavras de La Boétie, "Soyez donc résolus à ne plus servir et vous serez libres" ("Sede portanto resolutos a não mais servir e sereis livres").[3]. O texto foi elaborado depois da derrota do povo francês ante o poder real, na luta contra a aplicação de um novo imposto sobre o sal.[4] A obra se mostra como uma espécie de hino à liberdade, abordando as causas da dominação de muitos por poucos, a indignação diante da opressão e as formas de vencê-la. Já no título aparece a contradição do termo servidão voluntária, ou seja, como é possível servir de forma voluntária, sacrificando a livre e espontânea vontade?[5] Como cidades inteiras podem se submeter à vontade de um só? De onde esse um tira o poder de controlar a todos? Isso só poderia acontecer, segundo La Boétie, mediante uma espécie de servidão voluntária.[6] Ele conclui então que são os próprios homens que se deixam dominar, pois, caso quisessem sua liberdade de volta, bastaria apenas se rebelar.[7] Étienne afirma que é possível resistir à opressão, e ainda por cima sem recorrer à violência — segundo ele a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão. Como a autoridade constrói seu poder principalmente com a obediência consentida dos oprimidos, uma estratégia de resistência sem violência é possível, organizando coletivamente a recusa de obedecer ou colaborar.[8] O conceito de servidão voluntária em Étienne de La BoétieTirania e exploraçãoEm sua obra Discurso sobre a Servidão Voluntária, La Boétie analisa a relação de subordinação existente entre o soberano e seus súditos num governo tirânico.[9] Nesse sentido, o autor enxerga a disparidade entre a unicidade da figura do tirano e o número de súditos, os quais possuindo a mesma quantidade de poder que o déspota e, consequentemente, tendo seu direito natural à liberdade cerceada.[10] O poder do tirano, por sua vez, aumenta progressivamente à medida que seus servos sustentam a sua condição subserviente. Conforme afirma La Boétie, há três espécies de tiranos: o primeiro acede ao poder por meio do voto, o segundo pelas armas e o terceiro pela sucessão.[11] O desejo inato pela liberdadeA tirania é um sistema autodestrutivo e, embora o povo não tenha feito conscientemente a escolha de estarem sob o jugo do tirano, ele possui a responsabilidade moral de romper o vínculo de submissão excessiva estabelecido com o déspota. Em seguida, La Boétie argumenta que, frequentemente, os indivíduos se associam e permanecem sob o jugo do tirano em razão de uma suposta segurança que lhes são proporcionada, mas que, verdadeiramente, traduz-se em exploração.[12] No entanto, apesar de haverem sua liberdade restringida, o súdito possui naturalmente o desejo da liberdade, mesmo não a conhecendo empiricamente. Tal fato é inclusive verificável entre os animais não humanos.[13] A origem do poder tirânicoSegundo Étienne de La Boétie, o poder do tirano não advém exclusivamente de sua força física, mas sobretudo da magia que seu nome é capaz de cativar. Nesse sentido, o nome do tirano exerce uma certa magia acerca das representações e desvincula o medo do poder, o qual se constitui mais pelo afeto do que pela força existente de fato.[14] Tem-se lugar, portanto, uma avaliação afetiva dos súditos para com o déspota; o nome do tirano lança um efeito mágico e se atribuem qualidades ao rei que não se verificam. Dessa forma, tem-se em vista de que a força do soberano está apoiada em nenhum dos seus súditos, nem mesmo naqueles responsáveis em sua própria segurança, os quais somente o vigiam por mera formalidade ou espanto.[15] Ademais, por ser senhor de todos, o tirano não possui companheiro algum, uma vez que a amizade pressupõe a existência de uma estima mútua, sendo ela incapaz de germinar em relações apoiadas em crueldade, deslealdade e injustiça.[16] O caminho para o fim da servidãoPor fim, o autor apresenta a maneira pela qual os súditos devem agir para destituir o tirano de seu poder ficcional. Para que isso aconteça, basta deixar de servi-lo.[17] É simplesmente pela tomada de consciência dos servos que se desvencilha da tirania. Em suas palavras, o povo se decapita justamente quando delega decisões que deveriam ser tomadas por ele mesmo a apenas um homem, ou seja, à medida que cada súdito concede seu poder ao tirano, o próprio povo corta a sua garganta.[18] Em última análise, La Boétie reforça a indignidade de o ser humano viver no estado de submissão, devendo retomar ao estado de liberdade política a partir da tomada de consciência da existência da opressão despótica.[19] Referências
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