No início de outubro de 2019, de acordo com dois comandantes da milícia iraquiana e duas fontes de segurança que conversaram com a equipe do Reuters, o major-general iraniano Qasem Soleimani fez uma reunião em Bagdá para discutir uma mudança de estratégia com aliados das milícias xiitas iraquianas.[2] O novo foco da estratégia era aumentar os ataques de foguetes direcionados às forças dos EUA no Iraque, com o efeito pretendido de provocar uma resposta militar antagônica dos EUA que desviaria a pressão política contra o Irã. Antes da reunião, havia um crescente sentimento anti-Irã entre a população iraquiana local, culminando em prolongados e ruidosos protestos anti-Irã, incluindo demonstrações específicas de sentimento anti-Irã como manifestantes batendo seus sapatos em retratos elevados do aiatolá Ali Khamenei.[3][4] Pelo menos 400 manifestantes foram mortos e cerca de 20 000 ficaram feridos.[5][2][3][6][4] Soleimani decidiu intensificar os ataques às forças dos EUA. Ele escolheu a organização terrorista Kata'ib Hezbollah porque o grupo "seria difícil de detectar pelos americanos" e poderia usar drones de reconhecimento fornecidos pelo Irã para obter mais precisão na seleção de alvos para os ataques com foguetes. Os EUA estavam ficando cada vez mais preocupados com a influência do Irã dentro do governo do Iraque.[2]
Em 27 de dezembro de 2019, a Base Aérea K-1 na província de Kirkuk, no Iraque (uma das muitas bases militares iraquianas que hospedam o pessoal da coalizão da Operação Inherent Resolve) foi atacada por mais de trinta foguetes, matando um empreiteiro de defesa iraquiano-americano dos Estados Unidos[7] e feriu vários militares americanos e iraquianos.[8] Os Estados Unidos culparam a milícia Kata'ib Hezbollah, apoiada pelo Irã, pelo ataque.[9]
Em 31 de dezembro de 2019, depois que um funeral foi realizado para os milicianos Kata'ib Hezbollah, dezenas de guerrilheiros xiitas iraquianos e seus apoiadores marcharam para a Zona Verde e cercaram o complexo da embaixada dos EUA.[10] Dezenas de manifestantes então arrombaram a porta principal do posto de controle, atearam fogo na área de recepção, ergueram bandeiras das milícias das Forças de Mobilização Popular, deixaram cartazes antiamericanos e espalharam pichações antiamericanas.[11][12][13] O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou o Irã de orquestrar o ataque à embaixada e acrescentou que eles seriam considerados "totalmente responsáveis".[14] O Ministério das Relações Exteriores do Irã negou estar por trás dos protestos.[15][16]
Avaliação do Pentágono
O Pentágono avaliou que Soleimani orquestrou os ataques, com a benção do governo iraniano em Teerã, contra às bases dos Estados Unidos no Iraque, incluindo o ataque à Base Aérea K-1 em 2019 e a morte de um civil americano e o abate de um veículo aéreo não tripulado dos Estados Unidos. Com relação à decisão de matar Soleimani, os Estados Unidos se concentraram em suas ações passadas e em um impedimento para sua ação futura, pois o Pentágono anunciou que "ele estava desenvolvendo ativamente planos para atacar diplomatas e militares americanos no Iraque e em toda a região".[17][18][19][20]
Trump decide o ataque
De acordo com um alto funcionário não identificado dos EUA, algum tempo após o bombardeio do Kata'ib Hezbollah no final de dezembro de 2019, um briefing de segurança foi convocado na propriedade do presidente Trump em Mar-a-Lago, onde ele e seus assessores, incluindo o Secretário de Estado Mike Pompeo, o Secretário de Defesa Mark Esper e o Chefe do Estado-Maior Conjunto Mark Milley discutiram como responder ao suposto papel do Irã em patrocinar ataques anti-Estados Unidos no Iraque. O assassinato seletivo do general iraniano Qasem Soleimani, a quem as autoridades dos Estados Unidos consideravam um facilitador de ataques contra o pessoal americano no Iraque, foi listado como uma "opção mais extrema"[21] de muitas opções em um slide de briefing,[22] refletindo uma suposta prática entre os funcionários do Pentágono em que uma opção muito extrema é apresentada aos presidentes para fazer outras opções parecerem mais palatáveis. Trump, contudo, escolheu a opção de matar Soleimani, levando a CIA e outras agências de inteligência dos Estados Unidos que rastrearam o paradeiro de Soleimani por anos a localizá-lo em um voo de Damasco para Bagdá, supostamente para realizar reuniões com milicianos iraquianos. O ataque aéreo teria sido cancelado se Soleimani estivesse a caminho para se encontrar com funcionários do governo iraquiano alinhados com os Estados Unidos.[23]
A viagem de Soleimani ao Iraque
Adil Abdul-Mahdi, o primeiro-ministro do Iraque, disse que estava programado para se encontrar com Soleimani no dia em que o ataque aconteceu, com o objetivo da viagem de Soleimani sendo que este estava entregando a resposta do Irã a uma mensagem anterior da Arábia Saudita que o Iraque havia retransmitido.[24] De acordo com Abdul-Mahdi, Trump ligou para ele para solicitar que Abdul-Mahdi mediasse o conflito entre os Estados Unidos e o Irã antes do ataque com drone.[25][26]
O ataque
Por volta das 12:32 da madrugada, o avião que trazia Qasem Soleimani chegou em Bagdá. O general e seus acompanhantes entraram nos seus carros, majoritariamente veículos Toyota Avalon e Hyundai Starex, enquanto aeronaves americanas sobrevoavam a região, rastreando o comboio. Soleimani foi morto em um ataque aéreo dos EUA em 3 de janeiro de 2020 enquanto viajava em um comboio perto do Aeroporto Internacional de Bagdá, junto com Abu Mahdi al-Muhandis.[27][28] Vários mísseis teriam atingido o comboio, e pelo menos oito pessoas foram mortas.[29] O Departamento de Defesa dos Estados Unidos emitiu uma declaração dizendo que o ataque dos EUA foi realizado "sob a direção do presidente".[30][31]
O corpo de Soleimani foi identificado através de um anel que ele usava, com uma confirmação via DNA vindo depois.[32]
Impacto
A morte de Soleimani tem o potencial de aumentar as tensões entre EUA e Irã. Um porta-voz do governo iraniano disse que o principal órgão de segurança do país realizaria uma reunião extraordinária em breve para discutir o "ato criminoso de ataque".[33]
O Ministro das Relações Exteriores Mohammad Javad Zarif postou no Twitter que o ataque foi "uma escalada extremamente perigosa e tola" e divulgou uma declaração dizendo que "a brutalidade e estupidez das forças terroristas americanas no assassinato do Comandante Soleimani... sem dúvida tornará a árvore da resistência na região e no mundo mais próspera".[38]
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tuitou uma imagem da bandeira dos Estados Unidos depois que a notícia foi divulgada com os preços globais do petróleo subindo mais de 4% após a greve.[40] A embaixada americana em Bagdá, imediatamente após o ataque, alertou seus cidadãos a abandonar o Iraque.[41] No dia seguinte ao ataque, também foi reportado maciças movimentações nas bases militares americanas pelo Oriente Médio.[42]
A reação política nos Estados Unidos caiu em linhas partidárias, com os Republicanos apoiando o presidente e os Democratas se opondo à ação americana em Bagdá.[43] O senador Rand Paul (R-Ky.) foi uma das poucas vozes conservadoras nos Estados Unidos a condenar o ataque, afirmando que isso aumentaria as tensões entre os dois países.[44]
Iraque
O primeiro-ministro cessante Adil Abdul-Mahdi condenou o ataque, chamando-o de assassinato e afirmando que o ataque foi um ato de agressão e uma violação da soberania iraquiana que levaria a uma guerra no Iraque. Ele disse que o ataque violou o acordo sobre a presença de forças dos EUA no Iraque e que as salvaguardas para a segurança e soberania do Iraque deveriam ser cumpridas com a legislação.[45]
O presidente Jair Bolsonaro falou sobre a posição do governo: "Eu não tenho o poderio bélico que o americano tem para opinar neste momento. Se tivesse, eu opinaria",[48] mas numa entrevista no "Brasil Urgente" com o jornalista José Luiz Datena, ele disse que uma guerra entre os dois países seria "o fim da humanidade" e assumiu uma posição de distanciamento do Presidente dos EUA.[49] Posteriormente o Itamaraty, através de comunicado, assumiu apoio "à luta contra o flagelo do terrorismo".[50][51] Suas falas levaram a um pedido de impeachment do procurador aposentado Felipe dos Santos Fontes.[52]