Apulcro de Castro
Apulcro de Castro[nota 1] (Bahia, c. séc. XIX – Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1883) foi um jornalista brasileiro, assassinado por oficiais do Exército por supostamente atacar a honra de um deles. Redator e proprietário do jornal Corsário, de forte crítica ao regime imperial de D. Pedro II, sua morte selou o destino do periódico e causou grande comoção no Rio de Janeiro, então a capital do país. Mesmo contando com a popularidade do "Corsário", a elite intelectual brasileira repudiou o jornalismo de Apulcro, taxando-o de "difamatório", "amarelo" ou "abominável", e ao próprio como "semi-analfabeto", "verrineiro"[nota 2] e até "alucinado". A despeito disto, para Capistrano de Abreu o episódio de seu homicídio foi o primeiro dos três estágios que marcaram o fim do Segundo Reinado (seguido pela Questão Militar e pela Proclamação da República, propriamente dita): "O assassinato de Apulcro de Castro, redator do Corsário, em outubro de 83, às barbas da polícia, por militares que ostentavam esse caráter, deixou claro que a monarquia contava seus dias pela paciência da guarnição".[1][2] O "linchamento" por militares do Exército BrasileiroHermeto Lima traz um relato pontual (em domínio público) sobre os fatos que desencadearam a morte de Apulcro:[3][nota 3]
Sobre a participação de Antônio Moreira César naquilo que qualificou de "linchamento", Euclides da Cunha registrou que as críticas ao exército feitas por Apulcro selaram-lhe a sentença de morte: "...e tendo respingado sobre o Exército parte das alusões indecorosas, que por igual abrangiam todas as classes, do último cidadão ao monarca, foi infelizmente resolvido por alguns oficiais, como supremo recurso, a justiça fulminante e desesperadora do linchamento. E entre os subalternos encarregados de executar a sentença — em plena rua, em pleno dia, diante da justiça armada pelos Comblains de toda a força policial em armas — figurava, mais graduado, o capitão Moreira César, ainda moço, à volta dos trinta anos, e tendo já em seus assentamentos, averbados, merecidos elogios por várias comissões exemplarmente cumpridas. E foi o mais afoito, o mais impiedoso, o primeiro talvez no esfaquear pelas costas a vítima, exatamente na ocasião em que ela, num carro, sentado ao lado de autoridade superior do próprio Exército, se acolhera ao patrocínio imediato das leis...".[4] Como "punição", Moreira César recebeu uma mera transferência, segundo registrou Cunha: "O crime acarretou-lhe a transferência para Mato Grosso, e dessa Sibéria canicular do nosso Exército tornou somente após a proclamação da República".[4] O ajudante-de-ordens Ávila tentara defender Apulcro, sem sucesso, e este mesmo sacou de um punhal, que não chegou a usar.[5] Reação popular e impunidadeA população, que adquiria o "Corsário" em peso pela curiosidade de saber os escândalos da Corte, revoltou-se; entre os dias seguintes (26 a 28 de outubro) atacou os postos policiais com paus e até armados com revólveres.[3] No dia 27 o governo, a fim de arrefecer os ânimos, demitira o chefe de polícia, Belarmino da Gama e Melo, nomeando para seu lugar a Tito Augusto Pereira de Matos, que abriu um inquérito para apurar o crime, não conseguindo, entretanto, apontar um culpado sequer.[3] No dia 28 fora divulgada a autópsia realizada no cadáver, constatando-se que Apulcro recebera dez ferimentos punctóricos (dos quais dois penetraram a região torácica), cinco incisivos e um por arma de fogo, bem como três contusões; apenas seis dos ferimentos foram na frente da vítima, todos os demais por trás.[5] Relação com o abolicionismo e reação à morte de um negroO memorialista alemão Carl von Koseritz, em sua obra "Imagens do Brasil" de 1885, registrou: "(alguns dias depois do linchamento) ao cair do crepúsculo, grandes quantidades de capoeiras (negros escravos amotinados) e semelhantes ‘indivíduos catilinários’ se reuniram na praça de São Francisco e começaram, ali e na rua do Ouvidor, a apagar os bicos de gás, e, logicamente, a destruir os lampiões, enquanto gritavam alto e bom som "Viva a Revolução" (…) o Rio tem nos seus capoeiras um mau exemplo e deles se aproveita a propaganda revolucionária dos abolicionistas, sublevando os homens de cor pela morte do negro Apulcro (…)".[6] Em 1884, oculto sob o pseudônimo de "Veritas", uma ameaça foi publicada "Aos Srs. abolicionistas"; dizia o texto indignado com o movimento abolicionista: "Todo o município neutro está estupefato de vossa «filantropia Proteção e Zelo pelos escravos» e perseguição às famílias!! (...) As famílias não sabem hoje se amanhã terão quem as sirva, vendo afastarem-lhe seus escravos" e logo profere a ameaça: "Caminhai Srs. das comissões ilegais, porque como os vossos clubes, outros se preparam para vos julgar, e a sua sentença de condenação será inevitável e cruelmente executada! Desta forma recebereis assim o prêmio a que tendes direito como recebeu o grande Apulcro de Castro...".[7][nota 4] Exumação e processoO então auxiliar da Promotoria, João Baptista de Sampaio Ferraz, acusou a Polícia imperial pelo homicídio e o conselho de ministros o acusa de conspirar pela república; este então solicita nova autópsia e a exumação da qual participara o médico Barata Ribeiro, que desmaiou com o cheiro; Sampaio Ferraz então puxou o cadáver e determinou que se lhe fizesse a necrópsia, que confirma suas afirmações; o próprio Imperador Pedro II intervém, pedindo moderação aos seus ministros.[5] O inquérito então realizado pelo segundo delegado Teodoro Macedo Sodré se faz com a colheita de bastante provas, e foram indiciados onze militares pelo crime; foram denunciados, contudo, além de Moreira César, então capitão do 19º Batalhão de Infantaria: Bento Ferraz Gonçalves, tenente do mesmo 19º BI; dois alferes do 1º Regimento de Cavalaria Ligeira; Antônio Manuel de Aguiar e Silva e Isnard Caetano Pereira do Lago.[5] A despeito disto, os registros na folha de Moreira César para o ano de 1883 dão apenas que o mesmo ficara doente em duas ocasiões, sendo omissa sobre sua participação no crime; ele tinha a responsabilizar por seus atos o fato de sofrer de epilepsia.[5] Opiniões primitivasJá na época Ruy Barbosa defende o amigo e partidário junto ao Partido Liberal, o chefe do ministério Lafayette, a quem a oposição acusava de estar envolvido o seu governo com a morte de Apulcro.[8] Lafayette Rodrigues Pereira, sob pseudônimo de "Labieno" escreveu artigos no Jornal do Commercio por volta de 1898; num destes atacou ao crítico literário sergipano Sílvio Romero que, mais tarde, respondeu-lhe: "Bem se vê que não conto nesse número o miserável e torpe covarde que escreveu contra mim umas infames e imundas sandices ultimamente no Jornal do Commercio com o pseudônimo de Labieno (...) a este desgraçado cultor do pode ser que sim pode ser que não, vulgarizador do rabinismo de Granada[nota 5] e um dos responsáveis pelo assassinato de Apulcro de Castro, não o respondi por o achar muito abaixo da crítica".[9] Vários autores condenaram, ao longo do tempo, o papel de Castro na imprensa, mesmo quando narravam o crime brutal do qual fora vítima; Escragnolle Doria em 1924 escreveu: "A questão do elemento servil foi a esfinge dos presidentes do conselho Martinho Campos, Paranaguá e Lafayette, este a braços com o incidente cadaveroso de Apulcro de Castro, apunhalada a lei no assassinato de um nocivo desgraçado".[10] Euclides da Cunha, em Os Sertões, assim reporta sobre ele,sem contudo citar-lhe o nome: "Um jornalista, ou melhor, um alucinado, criara, agindo libérrimo graças à frouxidão das leis repressivas, escândalo permanente de insultos intoleráveis na Côrte do antigo império...".[4][nota 6] O próprio cronista Hermeto de Melo, citado acima ao narrar os fatos do assassínio, procurou diminuir o ato homicida transcrevendo em seu relato o que seriam as críticas indizíveis publicadas em "Corsário", pois este jornal dizia "verdades, esquecendo que nem todas elas se dizem ou devem ser ditas" e "não poupando a honra de ninguém, entrando na vida íntima e particular de todos, até mesmo na da família imperial", classificando o seu jornalismo como "abominável" e, mais adiante, ao comentar a reação popular ao crime praticado, diz: "Voltou-se o povo contra a polícia e não mais se lembrou dos insultos atirados pelo jornalista".[3] Em 1948, em artigo sem autoria, o jornal Correio da Manhã publicou a seguinte "avaliação" sobre Apulcro, no contexto da imprensa no II Reinado: "Um episódio triste de seu império não lhe comprometeu a autoridade e a respeitabilidade. Foi o de Apulcro de Castro, que não era jornalista, era um verrineiro de suja profissão, batedor de moedas, vivendo do comércio da difamação. Não tinha sequer qualidade de inteligência, ilustração, espírito público e honradez para servir à imprensa." e logo em seguida, conclui: "Morreu covardemente assassinado à porta da chefatura de polícia."[11] M. Paulo Filho, no mesmo periódico em 1961 compara Apulcro ao francês Leon Daudet que era "um escritor brilhante, em França, mas insultador contumaz, extravasando ódio e bílis no fim do derradeiro e no começo deste século, seria hoje comparado a Apulcro de Castro, que era semianalfabeto e acabou fuzilado e apunhalado no Rio de Janeiro..." e seriam ambos representantes do que ele chama de "imprensa amarela".[12] Bibliografia
Notas
Referências
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