Filho de Jorge Borges Corrêa e Angela Martinez Corrêa (Lina), José Celso nasceu no interior de São Paulo numa família de ascendência portuguesa, espanhola e italiana.[3] Foi amigo de infância do escritor Ignácio de Loyola Brandão.[4] Na adolescência, compôs o Centro Cultural Alberto Torres do Movimento Águia Branca, de caráter integralista, tendo participado da destruição de um comício comunista da "Panela Vazia", o que lhe rendeu repercussão nacional. Em sua última entrevista em vida, afirmou: "Eu fui integralista", elogiando Plínio Salgado, de quem teria absorvido a qualidade teatral de fala, e os intelectuais integralistas. Contudo, com o tempo, se inclinou para a corrente nacionalista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e renegou o integralismo, até passar a outra tendência intelectual, com a leitura de Jean-Paul Sartre.[5][6] De 1955 a 1960, em São Paulo, Zé Celso entrou para o curso da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mas não exerceu a profissão, ficando inconcluso. Porém, foi durante tal curso de graduação na USP que o dramaturgo ali formou o Teatro Oficina.
Morte
Em 4 de julho de 2023, foi vítima de um incêndio em seu apartamento, localizado no bairro do Paraíso, na Zona Sul de São Paulo.[7] Zé Celso sofreu queimaduras em mais da metade do seu corpo e foi internado na UTI do Hospital das Clínicas, onde também foi intubado. No entanto, sua médica particular afirmou em entrevista que seu estado de saúde era estável.[8] Após cirurgias, o ator e diretor não resistiu e teve sua morte confirmada no dia 6 de julho.[9]
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de Zé Celso, relembrando sua coragem, criatividade e defesa da democracia: "marcou a história das artes no Brasil e não será esquecida". Margareth Menezes, ministra da Cultura, relembrou que Zé Celso "usou o teatro para exaltar a liberdade e afrontar os arbítrios da ditadura militar. Com a sua partida, a cultura brasileira perde parte grande de seu brilho e irreverência". Outras tantas autoridades e membros da comunidade artística utilizaram das redes sociais para prestar homenagens ao dramaturgo.[10][11] O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, decretou luto oficial de três dias na cidade pelo falecimento do dramaturgo.[12]
O velório aconteceu no Teatro Oficina com manifestações artísticas, música, danças, comidas e bebidas. A vigília teve inicio ainda na noite do dia 6 e se estendeu até a manhã do dia seguinte.[13] A bandeira do Vai-Vai, escola de samba pelo qual Zé era entusiasta, foi colocada sobre o caixão do diretor. Em nota, a agremiação manifestou seu pesar: "Estava por perto, de um jeito ou de outro. Fica aqui nossa reverência, nossa homenagem e nosso profundo pesar. A cultura perde. A arte perde. O Brasil perde".[14]
Carreira
Seu trabalho, encarado às vezes como orgiástico e antropofágico,[2] iniciou-se no fim da década de 1950, e se definiu na década de 1960 quando Zé Celso liderou a importante Teatro Oficina − grupo formado quando integrava o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo − onde apresentava sua inquietude e irreverência, realizando trabalhos de caráter inovador.[15] Nessa época, destacam-se as encenações de Pequenos Burgueses (1963) − peça que enfoca a Rússia às vésperas de sua Revolução e evidencia numerosos pontos de contato com a realidade nacional anterior ao golpe militar de 1964 −, O Rei da Vela (1967), de Oswald de Andrade − espetáculo-manifesto tornado emblema do movimento tropicalista − e Na Selva das Cidades (1969), obra de Bertolt Brecht que trata da profunda crise que atravessava o país e a equipe artística.[16][17][18]Pequenos Burgueses, embora suspenso em abril de 1964 por autoridades militares que acabavam de tomar o poder, rendeu a José Celso todos os prêmios de melhor direção do ano e as críticas colocaram a produção como a mais perfeita encenação do teatro brasileiro; a apresentação retornou aos palcos no mês seguinte.[15]
Zé Celso começou profissionalmente no teatro com uma peça de sua autoria,[15]Vento Forte para Papagaio Subir, em 1958, e A Incubadeira (1959), também de sua autoria. Com a direção de Amir Haddad, o Oficina produz as duas peças. A Engrenagem, encenada pelo grupo em 1960, tem o intuito de homenagear Jean-Paul Sartre que visitava o país; a peça foi traduzida e adaptada juntamente com Augusto Boal.[15] Para Zé Celso e sua trupe, o ano de 1961 é marcante: o Oficina inaugura sua fase profissional com uma casa de espetáculos alugada na Rua Jaceguai. A empresa é composta pelos sócios Renato Borghi, José Celso Martinez Corrêa, Ronaldo Daniel (que depois se torna importante diretor na Inglaterra, como Ronald Daniels), Paulo de Tarso e Jairo Arco e Flexa.
A estreia de José Celso como diretor vem com A Vida Impressa em Dólar,[15] de Clifford Odetts, e a peça abre a programação da nova estadia do grupo na casa de espetáculos alugada. Entre o elenco, estava Eugênio Kusnet que, por ser conhecedor profundo do Método Stanislavski, colaborou na preparação dos atores. Essa montagem fez com que Celso ganhasse o prêmio de revelação de diretor pela Associação Paulista de Críticos de Teatro. Depois da montagem de Todo Anjo é Terrível, em 1962, a equipe encena Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, que teve enorme repercussão. Pequenos Burgueses rende a José Celso todos os prêmios de melhor direção do ano.[15]
Interessado em eventos culturais, artísticos e políticos, Zé Celso intercalou entre o cinema e o teatro. Trabalhou em Encarnação do Demônio (2007), de José Mojica Marins (lançado em 2008), dirigiu e atuou em inúmeras peças teatrais, tendo comandado o Teatro Oficina, mesmo depois de cinquenta anos − como em Santidade (2007). Por experimentar formas ousadas de se realizar uma peça teatral, Zé Celso já se viu entre críticas internacionais. Num caso mais recente, sua peça Os Sertões, quando montada em 2005 em Berlim, Alemanha, causou polêmica na capital pelo fato dos atores ficarem nus em determinadas cenas. A imprensa alemã apelidou a montagem de “teatro pornô”.[19]
Na década de 2000 lutou contra o Grupo Silvio Santos, que busca construir um empreendimento comercial nos arredores do Teatro Oficina, cujos traços originais, projetados pela arquiteta Lina Bo Bardi, interagem com vizinhança ameaçada pela incorporação imobiliária. Embora José afirme que sua relação com Silvio Santos seja boa,[20] a disputa se estende há anos.[21]
Em homenagem póstuma a Zé Celso, o Vai-Vai anunciou o enredo "O Xamã Devorado y A Deglutição Bacante de Quem Ousou Sonhar Desordem" para o carnaval de 2025.[22]
1998 - São Paulo SP - Primeiro Ato - cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974), seleção, organização e notas de Ana Helena Camargo de Staal. Editora 34.
Leitura adicional
CORRÊA, José Celso M. O Rei da Vela, manifesto do Oficina. In: O Rei da Vela. São Paulo, 1967. Programa do espetáculo.
DORT, Bernard. Uma comédia em transe. Le Monde, Paris, abr. 1968, traduzida e republicada no segundo programa de O Rei da Vela, cit.
MICHALSKI, Yan. José Celso Martinez Corrêa. In.: ______. Pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, 1989. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq.
SILVA, Armando Sérgio da. Oficina: do teatro ao te-ato. São Paulo: Perspectiva, 1981.