Em poética, a métrica é a medida e a estrutura de um verso.[1] É justamente aquilo que o diferencia da prosa, garantindo-lhe uma linguagem musical por meio da escansão silábica, do ritmoverbal e das cesuras.
O nome dado ao estudo normativo da métrica é metrificação.
Escansão silábica
A escansão silábica é a forma pela qual contamos a quantidade de sílabas métricas em um verso. A contagem das sílabas métricas difere-se da contagem das sílabas gramaticais.
Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá
Nos dois versos acima, retirados da "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, se fizermos uma contagem das suas sílabas (gramaticais), encontraremos oito sílabas no primeiro verso e oito no segundo:
1
2
3
4
5
6
7
8
Min
ha
ter
ra
tem
pal
mei
ras
1
2
3
4
5
6
7
8
On
de
can
ta
o
sa
bi
á
Porém, em se falando de métrica, a contagem será diferente, devido ao aspecto musical do verso. Primeiramente, o que conta é a pronúncia, por isso, escandiremos um verso da forma como o pronunciamos na linguagem comum, o que resulta na junção de algumas vogais, que pode ser feita por meio de sinalefa, elisão, crase ou ectlipse.[2] Depois, como a métrica neolatina se baseia na intensidade das sílabas,[3] a contagem terminará na última sílaba tônica. Assim, os dois versos de Gonçalves Dias possuem sete sílabas poéticas cada um:
1
2
3
4
5
6
7
—
Min
ha
te
rra
tem
pal
mei
(ras)
1
2
3
4
5
6
7
On
de
can
tao
sa
bi
á
Não existem regras específicas sobre como deve ser a escansão silábica, mas muitos autores, como António Feliciano de Castilho já propuseram sistemas de regras para isso. Inclusive, nem mesmo a junção de vogais chega a ser uma regra: principalmente em músicas, é muito comum que duas vogais juntas sejam cantadas separadamente.
Metrificação antiga x metrificação medieval
A metrificação do grego e do latim em muito se difere da metrificação das línguas neolatinas.
No latim, a metrificação se baseava na duração das sílabas (sílabas longas e breves). Na transição para a Idade Média, com crescentes modificações na prosódia latina, a metrificação passou a se basear na intensidade das sílabas (sílabas tônicas e átonas), cristalizando-se assim também nas línguas neolatinas (português, espanhol, francês etc.).[4]
Cadência
A cadência, ou ritmo verbal, se caracteriza pela variação entre sílabas tônicas e átonas (ou longas e breves) ao longo do verso.
Um conjunto de sílabas métricas é chamado de pé métrico, e existem quatro pés básicos:
Troqueu - Uma sílaba tônica (longa) e uma átona (breve);
Jambo - Uma sílaba átona (breve) e uma tônica (longa);
Dáctilo - Uma sílaba tônica (longa) e duas átonas (breves);
Anapesto - Duas sílabas átonas (breves) e uma tônica (longa).
Além destes quatro pés, existem muitos outros, formados a partir destes, que podem compor o ritmo de um poema.
Um verso poderá ter muitas sílabas fortes, mas haverá algumas principais, que dividirão o verso em grupos fônicos. Chamamos essa divisão de cesura, e quando há apenas uma cesura, dizemos que o verso possui dois hemistíquios (do latim hemistichium, "metade do verso", utilizamos essa nomenclatura quando há apenas dois grupos fônicos, formados a partir de uma cesura).
Amor é fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer
No exemplo acima, de um soneto de Luís de Camões, temos quatro versos de dez sílabas métricas. Cada um deles possui, além do acento na 10ª sílaba, um acento tônico na 6ª sílaba métrica do verso. Por meio deste acento, é feito uma cesura, que divide cada verso em dois hemistíquios:
Amor é fogo que arde / sem se ver É ferida que dói / e não se sente É um contentamento / descontente É dor que desatina / sem doer
Por meio dessa divisão, o poeta cria meio que uma pausa na pronúncia do verso. No primeiro hemistíquio de cada verso, ele faz uma afirmação sobre o amor, mas no segundo hemistíquio, complementa essa afirmação com outra que vai na direção contrária, criando assim um paradoxo, principal figura de linguagem do poema, utilizada para traduzir o quão contraditório pode ser o amor. O poeta utiliza as cesuras para construir o seu discurso, dividindo-o em duas partes, uma em cada hemistíquio.
Por meio das cesuras, um poeta pode organizar um longo verso e criar, com isso, diversos efeitos estilísticos que coordenarão a leitura do poema.
Células métricas
Dependendo do número de silábicas métricas, o verso receberá algumas classificações. Na tradição da língua portuguesa, o versos costumam ter no máximo doze sílabas, de modo que os versos com mais de doze sílabas são chamados de bárbaros.
1. Monossílabo
São versos de uma única sílaba métrica. A tônica deste tipo de verso recairá obrigatoriamente na primeira sílaba métrica (a única). Exemplo: Serenata sintética, de Cassiano Ricardo.
1
—
Ru
(a),
1
—
tor
(ta),
São de uso raro, geralmente achados em versos livres e compostos, sempre combinados com outros, para obtenção de certos efeitos sonoros.
escuro mais que escuro: claro
trecho de "Poema sujo", de Ferreira Gullar
2. Dissílabo
São versos de duas sílabas métricas. A tônica deste tipo de verso recairá obrigatoriamente sobre a segunda sílaba métrica. Exemplo: A valsa, de Casimiro de Abreu.
1
2
—
Quem
de
(ra)
1
2
—
Que
sin
(tas)
Não muito frequentes, geralmente se acham em versos livres e compostos, também para a obtenção de efeitos sonoros.
tão reais que se apagaram para sempre Ou não?
trecho de "Poema sujo", de Ferreira Gullar
3. Trissílabo
São versos de três sílabas métricas. Além do acento tônico obrigatório na terceira sílaba, este tipo de verso pode apresentar acento opcional na primeira. Exemplo: últimos versos de "A certa autoridade", de Gonçalves Dias.
1
2
3
—
Re
al
men
(te)
1
2
3
Co
ro
nel
1
2
3
—
Tens
u
ma al
(ma)
1
2
3
Bem
cru
el
Por mais que não sejam tão raros como os monossílabos e os dissílabos, encontra-se mais em versos livres e compostos, principalmente em versos compostos, acompanhando heptassílabos, para obtenção de efeitos sonoros.
Assim murcha a sensitiva, Sempre viva, Sempre esquiva, Assim perde o colorido Por um toque irrefletido, Mal sentido...
trecho de "Mimosa e bela", de Gonçalves Dias
4. Tetrassílabo
São versos de quatro sílabas métricas. Além do acento tônico obrigatório na quarta sílaba, pode apresentar acentos opcionais na 1ª e na 2ª. Exemplo: "A lua", de António Botto.
1
2
3
4
Nos
co
ra
ções
1
2
3
4
—
Gen
te
per
di
(da)
1
2
3
4
—
Na
noi
te
ne
(gra)
Quando em versos compostos, é usado, de preferência, com versos heptassílabos e decassílabos.
E tu, imagem, Ilusão de mulher, querido sonho,
trecho de "Desânimo", de Álvares de Azevedo
5. Pentassílabo, ou redondilha menor
São versos de cinco sílabas métricas. Além do acento obrigatório na quinta sílaba, o verso permite ainda acentos opcionais na 1ª, 2ª e 3ª sílabas, formando, assim, cinco cadências possíveis:
1
2
3
4
5
Dei
xa-
me
vi
ver!
1
2
3
4
5
—
Não
cho
res,
meu
fi
(lho)
1
2
3
4
5
Luz
dos
o
lhos
meus
1
2
3
4
5
—
Ao
rom
per
da au
ro
(ra)
1
2
3
4
5
—
A
mi
se
ri
cór
(dia)
É um dos metro muito comum na língua portuguesa, seja em acompanhando outros versos (como um heptassílabo ou eneassílabo), seja em poemas métricos.
A vida é combate Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar.
trecho de "Canção do tamoio", de Gonçalves Dias
6. Hexassílabo
São versos de seis sílabas métricas. Além do acento obrigatório na sexta sílaba, este verso permite acentos opcionais da 1ª a 4ª sílaba.
1
2
3
4
5
6
—
Ou
de
sse
mes
mo e
nig
(ma)
1
2
3
4
5
6
—
De
me in
cli
nar
a
fli
(to)
1
2
3
4
5
6
—
Do
pri
mei
ro
re
tra
(to)
Esta célula métrica, popular entre os trovadores, caiu em desuso com o tempo, ressurgindo no século XVI em combinações com o decassílabo heroico, motivo pelo qual ficou conhecida como heroico quebrado.
Quando em meu peito rebentar-se a fibra Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente
trecho de "Lembrança de morrer", de Álvares de Azevedo
Hoje em dia, possui grande autonomia em nossa língua, e muitos poemas foram escritos apenas com ele.
Ondas do mar de Vigo, Se vistes meu amigo? E ai Deus, se verrá cedo?
Ondas do mar levado, Se vistes meu amado? E ai Deus, se verrá cedo?
trecho de uma trova de Martin Codax
7. Heptassílabo, ou redondilha maior
São versos de sete sílabas poéticas. Além do acento obrigatório na sétima sílaba, há acentos opcionais da 1ª a 5ª sílaba:
1
2
3
4
5
6
7
—
Mi
nha
te
rra
tem
pal
mei
(ras)
1
2
3
4
5
6
7
—
As
a
ves
que a
qui
gor
jei
(am)
1
2
3
4
5
6
7
—
Oh!
que
sau
da
des
que
te
(nho)
Desde o tempo dos trovadores, este é o verso mais popular nas línguas portuguesa e espanhola, nunca saiu de moda. É muito presente em canções e poemas de todos os tipos.
Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga.
trecho do poema "As sem-razões do amor", de Carlos Drummond de Andrade
8. Octossílabo
São versos de oito sílabas métricas. Além do acento obrigatório na oitava sílaba, este verso admite acentos opcionais da 1ª a 6ª sílaba.
1
2
3
4
5
6
7
8
—
Bai
xa
va
len
to. A
noi
te
vi
(nha)
1
2
3
4
5
6
7
8
—
O
cam
pa
ná
rio
do
de
ser
(to)
1
2
3
4
5
6
7
8
—
Em
on
das
o
bas
to
ca
be
(lo)
Muito utilizado pelos trovadores, o octossílabo chegou à língua portuguesa importado do Norte e Sul da França, com acento "obrigatório" na quarta sílaba. Caiu em desuso com o declínio do Trovadorismo, mas ressurgiu em nossa língua a partir do final do século XIX por meio do movimento simbolista, também por importação francesa.
Aqui estou, junto à tempestade, Chorando como uma criança, Que viu que não eram verdade O seu sonho e sua esperança.
trecho do poema "Acontecimento", de Cecília Meireles
9. Eneassílabo
São versos de nove sílabas. Apresenta raízes antigas na literatura portuguesa, e foi cultivado, principalmente, sobre duas formas: o eneassílabo anapéstico, com acentos na 3ª, 6ª e 9ª sílabas, que por sua cadência uniforme e pausada, foi muito cultivado em hinos patrióticos e poemas de grande expressividade;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
—
Con
tem
plan
do o
teu
vul
to
sa
gra
(do)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Com
preen
de
mos
o
no
sso
de
ver
e o eneassílabo com acento obrigatório na 4ª e também na 6ª ou 7ª sílaba, formando dois hemistíquios de quatro sílabas métricas cada um.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Lu
a
dos
ma
res,
o
ra
por
nós
1
2
3
4
5
6
7
8
9
No
ssa
Se
nho
ra!
que
vens
a an
dar
Versos com essa cadência (ou variantes dessa) são ainda os mais cultivados, embora haja outros tipos de cadência (não muito cultivados).
Fiz tantos versos a Teresinha… Versos tão tristes, nunca se viu! Pedi-lhe coisas. O que eu pedia Era tão pouco! Não era glória… Nem era amores… Nem foi dinheiro… Pedia apenas mais alegria: Santa Teresa nunca me ouviu!
trecho do poema "Oração à Nossa Senhora da Boa Morte", de Manuel Bandeira
São versos de 10 sílabas poéticas. Com uma história longa e complexa nas literatura portuguesas, este verso é o segundo mais popular da literatura em vernáculo. Ao que sabemos, em suas primeiras aparições na nossa, tinha acento obrigatório na 4ª e 10ª sílaba. Por influência italiana, cristalizou-se em nas formas heroica e sáfica. Com os movimentos simbolistas e modernistas, outras formas foram testadas, e hoje em dia, podemos notar pelo menos cinco formas:
o decassílabo heroico, com acento obrigatório na 6ª e 10ª sílaba. Divide-se em dois hemistíquios e pode muito bem soar grandiloquente, motivo pelo qual foi muito utilizado em epopeias, que lhe renderam o nome;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
A
mor
é
fo
go
que ar
de
sem
se
ver
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
—
Pa
ssei
on
tem
a
noi
te
jun
to
de
(la)
o decassílabo martelo, variante do decassílabo heroico com acento na 3ª sílaba, muito utilizado também em poemas satíricos por conta do seu ritmo bem cantante, mas também em outros tipos de poema (que possuem maior musicalidade);
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
—
Que
me
quer
o
Bra
sil
que
me
per
se
(gue)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Há
di
ver
sos
can
to
res
no
ser
tão
o decassílabo sáfico, com acento obrigatório na 4ª, 8ª e 10ª sílaba. Divide-se em pelos menos dois hemistíquios, e geralmente, o último termo (que se encaixará na última tônica) apresenta alguma imagem forte, quando não um encavalamento. Seu nome provém de Safo, poetisa erótica grega;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
No
do
ce a
len
to
de
ssa
vir
gem
be
(la)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
—
Co
mo e
ra
do
ce a
que
le
sei
o ar
fan
(do)
o decassílabo gaita galega, com acento obrigatório na 4ª, 7ª e 10ª sílaba. Recebe esse nome em função das muinheirasgalegas, cantadas com acompanhamento de gaita de foles, cuja metrificação era ritmada com o instrumento. Por conta da sua cadência cantante e bem ritmado, é muito utilizado em músicas alegres ou que exijam uma ritmo forte. Geralmente, há uma cesura na quarta sílaba, de modo a criar dois hemistíquios;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Quem
é
vo
cê,
que
não
sa
be o
que
diz
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Meu
Deus
do
céu,
que
pal
pi
te in
fe
liz
e o decassílabo com acento obrigatório na 3ª, na 7ª e na 10ª sílaba.
São versos de doze sílabas. Foram muito cultivados na França. Por ter sido popularmente empregado em muitas versões do "Romance de Alexandre, este verso ficou conhecido como alexandrino francês. Há duas variações do alexandrino:
alexandrino clássico: acentos obrigatórios na 6ª e 12ª sílabas, formando dois hemistíquios;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
—
Não
se
po
de
ser
sé
rio aos
de
ze
sse
te
a
(nos.)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
—
O
meu
ú
ni
co
par
de
cal
ças
ti
nha
fu
(ros.)
alexandrino romântico: acentos obrigatórios na 4ª, 8ª e 12ª sílabas, formando três grupos fônicos.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
A
dor
me
cei.
Não
sus
pi
reis.
Não
res
pi
reis.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
—
De
vo
zes
pre
nhe, o
ven
to ao
pé
vê-
se a
ci
da
(de)
Classicamente, cada grupo fônico de um alexandrino deve possuir o mesmo metro (hexassílabos, no clássico, e tetrassílabos, no romântico). Por causa disso, os poetas mais conservadores escolhiam sempre palavras oxítonas para encaixar nas tônicas, e quanto escolhiam palavras paroxítonas, elidiam a sílaba átona com a primeira sílaba do próximo grupo fônico, e nunca utilizavam proparoxítonas ou palavras grandes demais. Com o simbolismo e o modernismo, porém, essas regras deixaram de ser estritamente observadas. Além disso, outros tipos de dodecassílabos surgiram, com diferentes posições de tônica.
↑CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Filipe Lindley (2016). Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon. pp. 688–689. ISBN9788583000266
↑CARPEAUX, Otto Maria (2012). A literatura greco-latina por Carpeaux. Rio de Janeiro: Leya. pp. 120–121. ISBN978-85-8044-525-1
↑CARPEAUX, Otto Maria (2012). A literatura greco-latina por Carpeaux. Rio de Janeiro: LeYa. pp. 120–121. ISBN978-85-8044-525-1
Bibliografia
CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Filipe Lindley (2016). Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon. ISBN 9788583000266
BILAC, Olavo Brás Martins dos Guimarães; PASSOS, Sebastião Cícero dos Guimarães (1905). Tratado de versificação. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
PROENÇA, Cavalcanti (1955). Ritmo e poesia. [S.I.]: Organização Simões.
ALI, M. Said (2006). Versificação portuguesa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. ISBN 85-314-0498-3.