Guarda Vermelha (China)

Guardas Vermelhos na Praça da Paz Celestial em 1966
 Nota: Para a formação paramilitar ativa durante a Revolução de Outubro, veja Guarda Vermelha.

A Guarda Vermelha (chinês simplificado: 红卫兵; chinês tradicional: 紅衛兵; pinyin: Hóng Wèi Bīng) foi um movimento não militar composto sobretudo por estudantes e outros jovens na República Popular da China. Apesar da resistência inicial pela sociedade, a Guarda Vermelha foi endossada por Mao Tsé-tung entre 1966 e 1968, durante a Revolução Cultural.[1] O movimento dos Guardas Vermelhos em Pequim culminou durante o "Agosto Vermelho" de 1966, que mais tarde se espalhou para outras áreas da China continental.[2][3]

Durante esse período, os guardas vermelhos viajaram por toda a China, indo a escolas, universidades, aldeias e cidades, ensinando os pensamentos de Mao reunidos no seu "O Livro Vermelho". Com o suporte de Mao, e seguindo suas expressas recomendações, usaram de violência extrema contra todos os que manifestassem oposição ou mesmo apenas indiferença acusando-os de anti-revolucionários e agentes do capitalismo. As maiores vítimas foram professores, estudiosos, religiosos ou opositores ao regime comunista, humilhados publicamente, destituídos dos seus bens e, por vezes, julgados sumariamente em tribunais populares. A esposa do presidente Mao (Jiang Qing), que na época era responsável em parte pela grande revolução cultural, fez a seguinte declaração: "Não batam nos outros. A luta física só afeta a carne e os ossos; a luta de pensamento afeta o coração".[1]

O papel da Guarda Vermelha era principalmente o de atacar os "Quatro Velhos" da sociedade, que eram as "velhas ideias", "velha cultura", "velhos hábitos", e "velhos costumes" da China na altura.[1] Alguns dos primeiros Guardas Vermelhos vieram das chamadas "Cinco Categorias Vermelhas", que perseguiram os membros das "Cinco Categorias Negras".[4][5]

Ataques contra os "Quatro Velhos"

Ilustração de propaganda dos Guardas Vermelhos

A propriedade individual também era alvo de membros da Guarda Vermelha se ela fosse considerada um dos "Quatro Velhos". Textos e figuras geralmente religiosos seriam confiscados e queimados. Outras vezes, itens de importância histórica seriam deixados, mas desfigurados, como os pergaminhos da dinastia Qin, e esculturas em pedra e madeira com os rostos e as palavras esculpidos. A reeducação veio acompanhada da destruição da cultura e da história anteriores, grupos da Guarda Vermelha eram enviados as escolas para ensinar as novas idéias da Revolução Cultural; bem como apontar quais idéias representaram a era anterior idealizando os "Quatro Velhos". Por exemplo, um estudante, Mo Bo, descreveu uma variedade de atividades da Guarda Vermelha realizadas para ensinar à próxima geração o que não era mais as normas.[6]

Guardas Vermelhos seguram o "Pequeno Livro Vermelho", um compilado de citações de Mao Tsé-Tsung

Os ataques à cultura rapidamente se transformaram em ataques a pessoas. Ignorando as diretrizes dos 'Dezesseis Artigos', que estipulavam que a persuasão e não a força deviam ser usadas para provocar a Revolução Cultural, funcionários em posições de autoridade e percebidos como 'elementos burgueses' foram denunciados e sofreram ataques físicos e psicológicos.[7] Em 22 de agosto de 1966, uma diretiva central foi emitida para interromper a intervenção da polícia nas atividades da Guarda Vermelha.[8] Aqueles na força policial que desafiaram este aviso foram rotulados como "contra-revolucionários". Os elogios de Mao Tsé-Tung à rebelião foram efetivamente um endosso às ações da Guarda Vermelha, que se tornaram cada vez mais violentas.[9]

A segurança pública na China deteriorou-se rapidamente como resultado das autoridades centrais levantando restrições ao comportamento violento.[10] Xie Fuzhi, chefe da polícia nacional, disse que "não é grande coisa" se os Guardas Vermelhos espancarem "pessoas más" até a morte.[11] A polícia transmitiu os comentários de Xie aos Guardas Vermelhos e eles agiram em conformidade.[11] No curso de cerca de duas semanas, a violência deixou cerca de cem professores e funcionários de escolas mortos no distrito ocidental de Pequim. O número de feridos era "muito grande para ser calculado".[10]

Os aspectos mais terríveis da campanha incluíram numerosos incidentes de tortura, assassinato e humilhação pública. Muitas pessoas que eram alvos de 'luta' não aguentavam mais o estresse e cometeram suicídio. Em agosto e setembro de 1966 (Agosto Vermelho), houve 1.772 pessoas mortas apenas em Pequim. Em Xangai, houve 704 suicídios e 534 mortes relacionadas à Revolução Cultural em setembro. Em Wuhan, houve 62 suicídios e 32 assassinatos durante o mesmo período.[8]

Os intelectuais deveriam sofrer o peso desses ataques. Muitos foram expulsos de cargos oficiais, como o ensino universitário, e receberam tarefas manuais como "varrer pátios, construir paredes e limpar banheiros das 7 às 17 horas diariamente", o que os encorajaria a insistir em "erros" do passado.[12] Um relatório oficial em outubro de 1966 relatou que os Guardas Vermelhos já haviam prendido 22.000 'contra-revolucionários'.[13] Entre 18 de agosto e 15 de setembro, 77.000 habitantes de Pequim foram expulsos. Durante o mesmo período em toda a China, 397.000 "monstros do mal" tiveram que abandonar seus empregos e retornar às aldeias de origem de suas famílias.[14]

No final de 1966, a maioria do Grupo da Revolução Cultural considerava que os guardas vermelhos haviam se tornado um passivo político demais.[15] A campanha contra os "anti-revolucionários e agentes do capitalismo" levou à anarquia, as ações da Guarda Vermelha levaram ao conservadorismo entre os trabalhadores da China, e a falta de disciplina e o faccionalismo no movimento tornaram os Guardas Vermelhos politicamente perigosos.[15]

Referências

  1. a b c Sheng, Shu (2012). A História da China Popular no Século XX. [S.l.]: Editora FGV. 204 páginas. ISBN 978-8522509614 
  2. Wang, Youqin (2001). «Student Attacks Against Teachers: The Revolution of 1966» (PDF). The University of Chicago. Cópia arquivada (PDF) em 17 de abril de 2020 
  3. Jian, Guo; Song, Yongyi; Zhou, Yuan (17 de julho de 2006). Historical Dictionary of the Chinese Cultural Revolution (em inglês). [S.l.]: Scarecrow Press. ISBN 978-0-8108-6491-7. Consultado em 10 de julho de 2020. Cópia arquivada em 11 de junho de 2020 
  4. «"Black Categories"». The Cultural Revolution: Rights Violations and Irresponsibility. Consultado em 2 de abril de 2021 
  5. Sorace, Christian; Franceschini, Ivan; Loubere, Nicholas (21 de maio de 2019). Afterlives of Chinese Communism (em inglês). [S.l.]: Verso Books 
  6. Mo, Bo (5 de Abril de 1985). «I was a teenage Red Guard». I was a teenage Red Guard. The Internationalist. Consultado em 1 de Maio de 2020 
  7. Meisner, Maurice (1986). Mao's China and After: A History of the People's Republic Since 1949. Michigan: Free Press. 339 páginas. ISBN 978-0674023321 
  8. a b MacFarquhar & Schoenhals; p. 124
  9. MacFarquhar & Schoenhals; p. 515
  10. a b MacFarquhar & Schoenhals; p. 126
  11. a b MacFarquhar, Roderick (2006). Mao's Last Revolution. Harvard: Belknap Press of Harvard University Press. 693 páginas. ISBN 978-0674023321 
  12. Howard, R; "Red Guards are always right". New Society, 2 de Fevereiro de 1967, paginas 169–70
  13. Stanley Karnow; 'Mao and China: Inside China's Cultural Revolution'; Penguin (1984) - página 209
  14. Roderick Mac Farquhar e Michael Schoenhals; La Dernière révolution de Mao. Histoire de la Révolution culturelle 1966-1976 Capítulo 6, Les Gardes Rouges - paginas 143 e seguintes.
  15. a b Maurice Meisner; Mao's China and After: A History of the People's Republic Since 1949; p. 340