Boca-preta sertanejo

Boca-preta-sertanejo
Boca-preta sertanejo
Provável cão Boca-preta-sertanejo, fotografado na zona rural do agreste da Paraíba
Nome original Boca Preta Sertanejo
Outros nomes Boca preta
Pé-seco
Pé-duro
Cachorro de Vaqueiro
Orelhudo
Cachorro canindé
Cachorro de Roça
Cão sertanejo
Januare
País de origem  Brasil
Características
Peso 15 kg em média
Altura 50 cm na cernelha, em média
Pelagem curto
Cor Baio; rajado; canindé(preto-e-tan); e vermelho.
Classificação e padrões
Federação Cinológica Internacional
Grupo Raças brasileiras
Estalão #Padrão SOBRACI

Boca-preta sertanejo é uma variedade regional (Land-race) de cães nativos da região nordeste do Brasil, utilizada para caça, vigia, e lida com o gado ao lado do vaqueiro nordestino.[1][2][3]

A sua identificação e preservação iniciou-se por meio de um estudo morfométrico realizado pela Embrapa em 2011.[1]

Está em vias de se tornar uma raça reconhecida sendo registrada pela SOBRACI e ALKC.[3]

É um animal rústico, selecionado naturalmente nas regiões sertanejas, adaptado ao clima, fauna, flora e solos do Sertão da região Nordeste. É um patrimônio histórico-cultural da região, parte integrante da memória popular, principalmente dos homens do campo ligados as atividades de caça de subsistência (caça de preá e caça de tatu), atividades dos vaqueiros (captura de gado bravo e manejo do rebanho) e até as atividades de pequenos agricultores.

História

Origem

Cão da raça primitiva podengo-português médio de pelo liso

Acredita-se que as origens da raça remontam aos cães autóctones (similar a origem dos cães Carib Tyke), podendo estarem ligados também à cães do tipo podengo ou outros tipos de cães de caça europeus, e eram criados por povos ameríndios do nordeste do Brasil.[4] [5]

Charnaigre, um tipo de galgo ou podengo francês, extinto no início do século XX. Usado pelo autor francês para descrever a aparência dos cães Januare dos indígenas nordestinos.

Segundo o livro História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas, de 1614, cães domesticados já eram encontrados com indígenas no nordeste do Brasil, e que estes os chamavam de Januare.[5]

O autor francês Claude d'Abbeville descreveu em 1614 a aparência destes cães, relatando: “Também se encontram cães domésticos a que dão o nome de Januare e que se parecem com os galgos de nossa terra [os extintos cães franceses Charnaigre]; são, porém, menores e tão aptos à caça, principalmente dos agutis [preás?], que percebendo-os em seus covis, não cessavam de latir até que a caça fosse apanhada.”[5]

Mulher Tapuya acompanhada de seu cão ao fundo, 1641, por Albert Eckhout.

Outra referência importante aparece na pintura do Brasil Holandês do século XVII, período em que o nordeste brasileiro esteve sob domínio holandês, destacando-se em especial o quadro "Mulher Tapuya" de Albert Eckhout. De acordo com Felipe Van der Velden[6]:

"A presença de um cachorro bebendo água aos pés da famosa Mulher Tapuya, tela do pintor holandês Albert Eckhout, tem sido há tempos associada ao simbolismo do primitivo, do selvagem e do inculto que o artista provavelmente desejou transmitir com a pintura, ao seguir as convenções pictóricas do século XVII. Contudo, a companhia canina desta mulher indígena, se lida em paralelo com algumas outras poucas fontes disponíveis para o mesmo período, revela-nos algumas pistas interessantes sobre a veloz difusão do cão (Canis familiaris) entre os povos indígenas na porção oriental da América do Sul, onde o animal não existia em tempos pré-colombianos. Além disso, as imagens e os textos nos permitem especular sobre os momentos iniciais da relação entre humanos e cachorros nas terras baixas sul-americanas, indo-se, então, além da carga alegórica comumente atribuída ao animal"[6].

Desenvolvimento

Dois vaqueiros da Bahia e seus cães perseguem um boi fugido na caatinga, 1815-1817, por Maximilian zu Wied-Neuwied,

A raça formou-se naturalmente em isolamento geográfico durante um período superior a quatro séculos, sendo selecionada por grandes secas, rala alimentação, o tipo de vida dos sertanejos e tornando-se predador e presa nas caatingas e cerrados do Nordeste Brasileiro. O bando de Lampião tinha alguns cães da raça, dentre eles os batizados de Guarani, Ligeiro e "Seu Colega". No romance Vidas Secas de Graciliano Ramos, a descrição dada a cadela "Baleia" é a mesma de um Cão Sertanejo.

Lampião e Maria Bonita com dois cães típicos do nordeste. Meados de 1930.

Devido a sua inteligência, ao forte instinto de companheirismo, tornou-se indispensável ao homem sertanejo em suas lides rurais e na caça de subsistência, seguindo seus passos durante o desenvolvimento da civilização nesta árida região brasileira, participando ativamente da organização de sua vida social, esportiva e até militar, mas especialmente da vida profissional do trabalhador rural.[4]

No ano de 2011 a EMBRAPA Meio-Norte, publicou um trabalho de catalogação, chamando a variedade canina de “Cão Sertanejo”, realizando o estudo de caracterização morfométrica de cães na cidade de São João do Piauí, no Estado do Piauí.[7]

Organização

Ao mesmo tempo um criador paraibano estava realizando uma seleção de linhagens de cães sertanejos (boca Preta) cruzados com raças americanas e europeias para formação de uma nova raça, o Dog Hunt Sertanejo.[carece de fontes?] Em conjunto com a seleção dos cães, o paraibano buscava o reconhecimento dos animais junto a SOBRACI (Sociedade Brasileira de Cinofilia). Os dois nordestinos, o piauiense representante da EMBRAPA MEIO-NORTE e o criador paraibano chegaram em um acordo, pois os cães sertanejos da Paraíba e do Piauí eram a mesma raça e existiam em todo o Sertão Nordestino.[carece de fontes?] Na Paraíba, os animais mestiços de cão sertanejo com raças europeias e americanas foram descartados da nova "seleção pós-acordo", sendo cruzados apenas cães sertanejos.

O estudo realizado em São João do Piauí tornou-se o padrão da raça com o reconhecimento da mesma junto a SOBRACI. A raça passou a ser batizada oficialmente de Boca Preta Sertanejo no ano de 2014.

Atualmente existem dois canis especializados na raça: o Boca Preta Sertanejo, na Paraíba e o Nativos do Sertão, no Piauí.[carece de fontes?]

Características

Comportamentais

O cão Boca Preta Sertanejo é um polivalente, são muitas as suas habilidades, é há séculos utilizado pelo homem sertanejo nas mais variadas tarefas, ajudam a tocar o gado com enorme destreza por entre a mata fechada e espinhosa da caatinga,[4] são ótimos farejadores, perseguidores implacáveis das raposas e dos ferozes e astutos gaxites, guardas fiéis da casa, do chiqueiro e de toda a pequena propriedade rural, defendem o cercado das galinhas dos ataques noturnos de predadores como a raposa e o gambá, além de proteger as plantações do pequeno agricultor das manadas de porcos. Foram muito utilizados em grandes matilhas por matadores de onças, chamados sob encomenda por coronéis. O matuto designa de um modo especial a aptidão dos cães, “cachorro bom de gado, bom de peba, bom de raposa”.[4][8]

Outros nomes são dados ao Cão Boca Preta Sertanejo, como: Cachorro de Vaqueiro, Pé Seco, Pé-Duro, Cachorro de Interior (zona rural), Cachorro de Roça, Orelhudo, canindé, dentre outros.

Os cães Boca Preta Sertanejo tem um latido "seco" e curto quando estão bem agitados e cientes do que veem, ouvem ou farejam. Quando estes animais procuram a identificação de um ruído, odor ou objeto (pessoa ou outra coisa) do seu desconhecimento, emitem um rosnado grosso e longo, podendo adicionar latidos repetitivos num mesmo tom, antes de começar a dar latidos "secos". Não são urradores. Os animais tem um trote bem ritmado, o quadril tem um leve balanço para os lados. A raça evoluiu para percorrer longas distancias, talvez por isso, enquanto as coxas revesam nas passadas a coluna vertebral fica quase imóvel lateralmente.

Físicas

Os cães da raça apresentam pêlos curtos, lisos, com cores variando do branco, baio, rajado, preto, preto com barriga branca, preto com marcações marrons ou baias, vermelho, e marrom rajado de preto.[1][4] As orelhas podem ser pontiagudas com linha reta da base até a ponta ou portada em rosa (dobrada). O focinho é comprido e fino, olhos cor de avelã (marrons), corpo com o comprimento maior que a altura das pernas. O peito é profundo e abdome recolhido, podendo variar de acordo com a região nordestina. As patas são duras, compridas e estreitas, formando uma crosta rígida e grossa nas almofadas dos cães criados soltos, daí o termo "Pé-Duro". Esta crosta os protege de tocos, espinhos, calor do solo, pedras pontiagudas e ajudam aliviando o impacto com o solo quando correm e aumentando o atrito.

Predominantemente possuem cauda em forma de bengala e o focinho de coloração preta até altura dos olhos, característica de lhe deu o nome de Boca-Preta.[1] Mesmo assim, cães com o focinho não possuidor de cor preta também são aceitos, desde que apresentem todas as outras características da raça.[4] Fenotipicamente é evidente influência de sangue podengo e até de galgos.

Preservação

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), mais especificamente a EMBRAPA Meio-Norte, está desenvolvendo um trabalho de seleção e resgate da raça de cão sertanejo, realizando estudo de caracterização morfométrica,[1] organizando competições de pastoreio de gado para cães da raça, e palestras sobre o cão para que a população sertaneja tenha ciência da importância deste animal, e com isto, se espera preservar a raça.[9]

Alguns criadores da Paraíba, Ceará e Piauí estão resgatando, selecionando e reproduzindo exemplares da raça para preservação das características físicas, comportamentais e mantendo suas aptidões tradicionais (caça, pastoreio, guarda, companhia e proteção pessoal nas matas).

A SOBRACI Sociedade Brasileira de Cinofilia também reconheceu a raça Boca-Preta Sertanejo ou Cão Sertanejo[10] para preservação e seleção da raça.

Ver também

Outras raças brasileiras:

Referências

  1. a b c d e Leite, Tiago Célio de Sousa; et al. (2011). «Caracterização morfométricas de cães da raça Sertaneja no Município de São João do Piauí» (pdf). Londrina: Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Pubvet. 5 (5). Consultado em 6 de janeiro de 2012 
  2. «Cão Sertanejo Boca Preta». alkc. Consultado em 19 de junho de 2024 
  3. a b «Raça - Cão Sertanejo - SOBRACI». www.sobraci.com.br. Consultado em 19 de junho de 2024 
  4. a b c d e f Jacob, Marcos (26 de maio de 2011). «Raça Boca Preta: o cachorro sertanejo». Portal do Sertão. Consultado em 7 de janeiro de 2012 
  5. a b c d'Abbeville, Claude (1614). História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas. Belo Horizonte: Editora Villa Rica. ISBN 853190305X 
  6. a b Vander Velden, Felipe (8 de outubro de 2019). «A mulher Tapuya e seu cão – Notas sobre as relações entre indígenas e cachorros no Brasil holandês». Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Nouveaux mondes mondes nouveaux - Novo Mundo Mundos Novos - New world New worlds. ISSN 1626-0252. doi:10.4000/nuevomundo.77800. Consultado em 19 de junho de 2024 
  7. Estudo sobre o cão sertanejo LEITE, T.C.S. et al. Caracterização morfométricas de cães da raça Sertaneja no Município de São João do Piauí – PI. PUBVET, Londrina, V. 5, N. 5, Ed. 152, Art. 1019, 2011.
  8. Barroso, Gustavo (2009). «Guardados da Memória: O cachorro» (pdf). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras. Revista Brasileira (58): 177-187. ISSN 0103-7072. Consultado em 6 de janeiro de 2012 
  9. «I Campeonato de Cães da Raça Boca-Preta e a Festa do Vaqueiro». Eventos. EMBRAPA Meio-Norte. 9 de junho de 2011. Consultado em 6 de janeiro de 2012 
  10. «SOBRACI» 

Ligações externas

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