Anexação do Tibete pela República Popular da ChinaAnexação do Tibete pela República Popular da China, também conhecida na historiografia chinesa como a Libertação Pacífica do Tibete (chinês: 中國併吞西藏, em tibetano: ཞི་བས་བཅིངས་འགྲོལ།; Wylie: zhi bas bcings 'grol; no dialeto de Lassa: AFI: /ɕìwɪ̂ː t͡ɕíŋʈyː/), é o processo pelo qual a República Popular da China tomou o controle da área que compreende a atual Região Autônoma do Tibete. Estas mesmas regiões passaram para o controle da China, após tentativas do governo do Tibete de obter reconhecimento internacional, esforços para modernizar suas forças armadas, negociações entre o governo do Tibete e a República Popular da China, um conflito militar na área de Qamdo no Kham Ocidental em outubro de 1950 e a posterior aceitação pelo governo tibetano do Acordo de Dezessete Pontos sob pressão chinesa, em outubro de 1951. [1] O Governo do Tibete e a estrutura social tibetana permaneceriam em vigor na Região Autônoma do Tibete sob a autoridade da China até o levante tibetano de 1959, quando o Dalai Lama fugiu para o exílio e após o governo tibetano ser dissolvido. AntecedentesEm 1853 o Império Britânico conquistou Sikkim, em 1865 invadiu Butão, e em 1885 colonizava Burma (Dinastia Konbaung), ocupando pela força todo o flanco sul do Tibete. O regime tibetano Ganden Phodrang, que estava então sob uma tutela administrativa da dinastia Qing, manteve-se o único regime do Himalaia livre da influência britânica. Durante a maior parte do século XIX, o governo britânico lidava com o Tibete através do governo chinês, que mantinha um protetorado sobre o Tibete através de representantes Qing ou Ambans. A invasão britânica do Tibete em 1903 causou a fuga do Dalai Lama à Mongólia e depois para a China. Após a invasão, o Tratado de Lhasa foi assinado em 1904 entre as autoridades remanescentes no Tibete e o Coronel Younghusband, essencialmente, convertendo o Tibete em um protetorado britânico [2][3] com um certo grau de independência. Londres, no entanto, ficaria consternada com a iniciativa empreendida por Younghusband e seu patrocinador, Lord Curzon, e procurou aplacar o governo Manchu Qing repudiando a maior parte do assentamento, resultando na Convenção Anglo-Chinesa de 1906. Após a queda da dinastia dos Qing e a turbulência Xinhai em Lhasa em 1912, as regiões de Ü-Tsang e Kham ocidental, que compreendem a atual Região Autônoma do Tibete ficariam então sob o controle do governo tibetano sob supervisão dos britânicos. Em 1913, pouco depois da invasão britânica do Tibete em 1904, da criação do cargo de Agente de Comércio Britânico em Gyantse e da Revolução Xinhai em 1911, a maior parte do território que compreende a atual Região Autônoma do Tibete (Ü-Tsang e Kham ocidental) tornou-se de facto independente do restante da atual China [4] sob um protetorado britânico, com o restante da atual Região Autônoma do Tibete passando sob o domínio do governo tibetano por 1917. [5] Algumas áreas fronteiriças com grande presença étnica tibetana (Amdo e Kham oriental) permaneceriam sob o Kuomintang ou sob o controle de senhores da guerra locais. [6] A Região Autônoma do Tibete também é conhecida como "Tibete político", enquanto que todas as áreas com uma elevada população de etnia tibetana são conhecidas coletivamente como "Tibete étnico". O Tibete político refere-se à entidade política administrada continuamente pelos governos chineses e tibetanos desde os tempos mais remotos até 1951, enquanto que o Tibete étnico refere-se às regiões norte e leste, onde os tibetanos tradicionalmente predominaram mas onde, até os tempos modernos, a jurisdição tibetana foi irregular e limitada apenas a determinadas áreas. [7] No momento em que o Tibete político obteve a independência de facto, os seus sistemas sócio-econômicos e políticos se assemelhavam a Europa medieval. [8] As tentativas do 13º Dalai Lama entre 1913 e 1933 de ampliar e modernizar o exército tibetano haviam falhado em grande parte devido à oposição dos poderosos aristocratas e monges. [9][10] O governo tibetano tinha pouco contato com outros governos do mundo durante o seu período de independência de facto, [10] com algumas excepções, nomeadamente a Índia, Grã-Bretanha e Estados Unidos. [11][12] Isso deixou Tibete diplomaticamente isolado e desconectado de tal forma que não era capaz de formular posições sobre questões bem conhecidas da comunidade internacional [13] e encontrando-se restrito por tratados que conferiam autoridade ao Império Britânico sobre impostos, relações exteriores e fortificações. O governo do Tibete tenta permanecer independenteEm julho de 1949, com o propósito de evitar uma agitação que os chineses poderiam produzir no Tibete político, o governo tibetano expulsou a delegação (nacionalista) chinesa. [14] Em novembro de 1949, enviou uma carta ao Departamento de Estado dos Estados Unidos — com uma cópia para Mao Zedong — e uma carta separada para a Grã-Bretanha, declarando a sua intenção de se defender "por todos os meios possíveis" contra as incursões das tropas da República Popular da China no Tibete. [15] Nas três décadas anteriores, o governo conservador tibetano havia, conscientemente, minimizado seus militares e se absteve de modernizar suas forças. [16] Tentativas precipitadas de modernizar e ampliar as forças militares começariam em 1949, [17] mas estas se revelaram na sua maioria mal sucedidas. [18] Já era tarde demais para organizar e treinar um exército eficaz. [19] A Índia forneceu alguma ajuda com armas pequenas e treinamento militar[20]; no entanto, o Exército de Libertação Popular permaneceu tendo um maior tamanho, sendo melhor treinado, melhor conduzido, melhor equipado e mais experiente do que o exército tibetano. [21][22][23] Em 1950, o 14º Dalai Lama tinha quinze anos e não havia atingido a maioridade, de modo que o regente Taktra era o chefe interino do governo tibetano. [24] O período de menoridade do Dalai Lama foi tradicionalmente marcado por instabilidade e divisão, os quais seriam agravados pela recente conspiração de Reting [25] e uma disputa pela regência em 1947. [12] Os preparativos da República Popular da ChinaTanto a República Popular da China como os seus antecessores do Kuomintang sempre sustentaram que o Tibete era parte da China. [23] A República Popular da China também proclamava uma motivação ideológica para libertar os tibetanos de um sistema feudal teocrático. [26] Em setembro de 1949, pouco antes da proclamação da República Popular da China, o Partido Comunista Chinês (PCC) tornou como uma prioridade incorporar o Tibete, a Ilha Formosa, Hainan e as Ilhas Pescadores para a República Popular da China, [27][28] pacificamente ou pela força. [29] Como era improvável que o Tibete voluntariamente desistisse de sua independência de facto, Mao em dezembro de 1949 ordenou que fossem feitos os preparativos para que as forças chinesas marchassem sobre o Tibete em Qamdo (Chamdo), a fim de persuadir o governo tibetano a negociar. [29] A República Popular da China contava com mais de um milhão homens armados [29] e tinha uma vasta experiência em combate adquirida na recém-concluída Guerra Civil Chinesa. Negociações entre o governo tibetano e a República Popular da China antes das hostilidadesEm 7 de março uma delegação tibetana chegou em Kalimpong para abrir um diálogo com a recém-declarada República Popular da China e para obter garantias de que os chineses respeitariam a "integridade territorial" tibetana, entre outras coisas. O início das negociações foi atrasado por um debate entre a delegação tibetana, a Índia, a Grã-Bretanha e a República Popular da China sobre o local onde ocorreria essas negociações. O Tibete favorecia Singapura ou Hong Kong (não em Pequim), a Grã-Bretanha favorecia a Índia (não incluindo Hong Kong ou Singapura), a Índia e a República Popular da China preferiam Pequim, porém tanto a Índia como a Grã-Bretanha preferiam que as conversações não ocorressem em absoluto. Finalmente, a delegação tibetana acabou por se reunir com o embaixador chinês, o general Yuan Zhongxian, em Nova Deli em 16 de setembro de 1950. Yuan comunicou uma proposta de três pontos pelo qual o Tibete seria considerado como parte da China, e esta última seria responsável pela defesa do Tibete e igualmente se responsabilizaria pelas relações exteriores e comerciais tibetanas. A aceitação significaria uma soberania chinesa de forma pacífica, entretanto uma recusa levaria a guerra. Os tibetanos se comprometeriam que as relações entre a China e o Tibete continuariam se ajustando, como tradicionalmente, ao chö-yon (relação sacerdote-patrono): "O Tibete permanecerá independente, como que se encontra atualmente, e continuaremos a ter relações 'sacerdote-patrono' muito estreitas com a China. Além disso, não há necessidade de libertar o Tibete do imperialismo, já que não há imperialistas britânicos, americanos ou do Kuomintang no Tibete, e este se encontra sob o governo e auspicio do Dalai Lama (não de potências estrangeiras)" - Tsepon W. D. Shakabpa[30] Eles e seu delegado principal, Tsepon W. D. Shakabpa, em 19 de setembro, recomendaram a cooperação, com algumas estipulações sobre a implementação. Argumentou-se que não havia necessidade de estacionar tropas chinesas no Tibete, uma vez que este não estava sob ameaça e que, no caso de um ataque pela Índia ou pelo Nepal, recorreriam a China em busca de assistência militar. Enquanto Lhasa deliberava, em 7 de outubro, tropas chinesas avançaram para o leste do Tibete, atravessando a fronteira [31] em cinco lugares. O objetivo não era invadir o Tibete 'per se', mas capturar o exército tibetano em Chamdo, desmoralizar o governo de Lhasa, e, assim, exercer uma forte pressão para o envio de negociadores a Pequim para assinar os termos de uma transferência do Tibete. [32] Em 21 de outubro, Lhasa instruiu sua delegação para partir imediatamente a Pequim para reunir-se com o governo comunista e aceitar a primeira das três disposições estipuladas pela China, caso pudessem obter garantias de que manteriam o status do Dalai Lama, rejeitando as outras duas condições. Mais tarde, se retratariam inclusive de ter aceito o primeiro ponto, após uma consulta com as divindades Mahākāla que indicaram que os três pontos não poderiam ser aceitos, uma vez que o Tibete cairia sob domínio estrangeiro. [33][34][35] Invasão do TibeteDepois de meses de negociações fracassadas, [36] tentativas do Tibete para garantir apoio e assistência estrangeira, [37] e movimentos de tropas chinesas [38] e tibetanas [carece de fontes], o Exército de Libertação Popular cruzou o rio Jinsha em 6 ou 7 de outubro. [39] Duas unidades do Exército de Libertação Popular rapidamente cercaram as forças tibetanas em desvantagem numérica e capturaram a cidade fronteiriça de Qamdo até 19 de outubro. Até então, 114 soldados chineses [40] e 180 tibetanos [40][41][42] foram mortos ou feridos. Em 1962 Zhang Guohua escreveria sustentando que "mais de 5.700 efetivos inimigos foram destruídos" e "mais de 3.000" pacificamente se renderam, [43] embora pareça ser um exagero. As hostilidades foram limitadas a uma zona fronteiriça situada ao nordeste do rio Gyamo Ngul Chuo e a leste do meridiano 96º. [44] Após a captura de Qamdo, o Exército de Libertação Popular interrompeu as hostilidades, [41][45] e os chineses enviaram um comandante capturado, Ngabo, a Lhasa para reiterar os termos de negociação, e esperaram que representantes tibetanos respondessem através de delegados para Pequim. [46] Novas negociações e incorporaçãoOs prisioneiros libertados pelo Exército de Libertação Popular (entre eles Ngapoi Ngawang Jigme, um governador capturado) são enviados a Lhasa para negociar com o Dalai Lama em nome dos chineses. A propaganda chinesa prometia que se o Tibete fosse "pacificamente libertado", os dirigentes tibetanos poderiam manter suas posições e poder. [47] Ao mesmo tempo, Jigme e outros cativos libertados testemunharam que estavam recebendo um bom tratamento pelos chineses. O governo do Tibete, em seguida, enviou representantes a Pequim para negociar. El Salvador apoiou uma queixa pelo governo tibetano nas Nações Unidas, porém a Índia e o Reino Unido impediram que fosse debatida. [48] O Tibete enviou negociadores a Pequim e lhes foi apresentado um documento já concluído comumente referido como Acordo de Dezessete Pontos. A delegação chinesa não ofereceu quaisquer negociações; apesar da República Popular da China declarar que permitiria que o Tibete fizesse reformas em seu próprio ritmo e de sua própria maneira, conservando o autogoverno em questões internas e permitindo a liberdade religiosa, também teria que concordar em se integrar a China. No que diz respeito a este ponto crucial, os negociadores tibetanos não foram autorizados a se comunicar com seu governo e foram pressionados a assinar o acordo em 23 de maio de 1951, apesar de nunca ter recebido permissão para assinar qualquer coisa em nome do governo. Esta foi a primeira vez na história tibetana que seu governo havia aceitado — ainda que involuntariamente — a posição unilateral da China sobre a história comum de ambas as nações. [49] Os representantes tibetanos em Pequim e o governo da República Popular da China assinaram o Acordo de Dezessete Pontos em 23 de maio de 1951, autorizando a presença do Exército de Libertação Popular e o domínio do Governo Popular Central no Tibete político. [50] Os termos do acordo não haviam sido clarificados com o governo tibetano antes da assinatura e o mesmo se encontrava dividido sobre se era mais favorável aceitar o documento como escrito ou fugir para o exílio. O Dalai Lama, que por esta altura já havia ascendido ao trono, optou por não exilar-se, e aceitou formalmente o Acordo de Dezessete Pontos em outubro de 1951. [51] De acordo com fontes tibetanas, em 24 de outubro, em nome do Dalai Lama, o general Zhang Jingwu enviou um telegrama a Mao Zedong confirmando o consentimento ao acordo, e há evidência de que Ngapoi Ngawang Jigme simplesmente dirigiu-se a Zhang e declarou que o governo tibetano concordou em enviar um telegrama no dia 24 de outubro, ao invés da aprovação formal do Dalai Lama. [52] Pouco depois, o exército chinês entrou pacificamente em Lhasa. [53] ConsequênciasDurante vários anos, o governo tibetano permaneceu em vigor nas áreas do Tibete que estavam sob a sua jurisdição antes do início das hostilidades, exceto a área circundante a Qamdo que foi ocupada pelo exército chinês em 1950 e colocada sob a autoridade do Comitê de Libertação de Qamdo e fora do controle do governo tibetano.[54] Durante esta época, as áreas sob o governo tibetano mantiveram um elevado grau de autonomia em relação ao Governo Central e foram geralmente autorizadas a manter a sua estrutura social tradicional.[55] Em 1956, as milícias tibetanas na região etnicamente tibetana de Kham oriental, fora da Região Autônoma do Tibete, incitadas pelas experiências de reforma agrária empreendidas pelo governo da República Popular da China, começaram a lutar contra o governo.[56] Quando o conflito se estendeu a Lhasa em 1959, o Dalai Lama fugiu do Tibete. Tanto ele como o governo da República Popular da China no Tibete posteriormente repudiaram o Acordo de Dezessete Pontos e o governo da República Popular da China dissolveu o governo tibetano local.[57] Ver também
Referências
Bibliografia
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