Usuário(a):Pablo Ortellado/Política cultural

Política Cultural pode ser entendida como um conjunto de iniciativas e medidas de apoio institucional sistemático [1] desenvolvido pela administração pública ou instituições civis, grupos comunitários e empresas privadas na perspectiva de orientar o reconhecimento, a proteção e o estímulo ao desenvolvimento simbólico [2] material e imaterial de determinada sociedade ou grupo social.

Numa ação do poder público, uma política cultural se traduz por operações, princípios e procedimentos administrativos e orçamentários com características de instruções e diretrizes, tanto de ação direta quanto de fomento, assim como de meios regulatórios apropriados ao setor - normas jurídicas que regem as relações entre os sujeitos e os objetos culturais - em modelos e rearranjos ideológicos e econômicos com vistas à conservação de patrimônio e a democratização da cultura, desde o consumo e a produção de bens e serviços até a participação e a criação de processos culturais, em modalidades com objetivos diferentes - excludentes ou cumulativos - e por vezes incompatíveis.

A partir de diferentes modos de compreensão da significação dessas iniciativas e, por conseguinte, pelos respectivos modos de proposição e agenciamento das mesmas é possível verificar o comprometimento do Estado com a cultura nos diferentes contextos sociais, no que se refere à democratização do acesso e da fruição e a diversidade da oferta de bens e serviços culturais.

Conceitos e dimensões da cultura

O termo cultura aponta para as atividades do ser humano numa amplitude de significações e linguagens que vão desde as manifestações tradicionais (literatura, pintura, cinema) até a cultura popular (carnaval), incluindo a publicidade, a moda, o comportamento (ou a atitude), a festa, o consumo, o estar-junto, etc. [1]

A cultura é elemento decisivo para a construção e o exercício da cidadania. É o setor da política em que o investimento reverte diretamente para a sociedade como um todo. Dada a sua relevância, o desenvolvimento nacional está intrinsecamente vinculado à dimensão cultural.[3]

A abordagem da cultura como objeto de política pública e o entendimento de que arte e cultura dependem de sustentação econômica e institucional, não admitem uma postura de rejeição ético-ideológica do dinheiro e da economia. Apesar da reconhecida importância dos múltiplos pontos de vista que fundamentam as controvérsias sobre cultura, estes devem incorporar a abordagem anterior. [4]

O tema das políticas culturais tem uma configuração eminentemente multidisciplinar, onde os fazeres e saberes populares convivem com o universo das belas artes compartilhando espaço e importância.

Isaura Botelho identifica duas dimensões da cultura, a antropológica e a sociológica, que deveriam ser consideradas alvos das políticas culturais, onde a primeira é ainda um grande desafio para os gestores enquanto a segunda tem sido o seu recorrente foco de atenção. Já para Rubim, a política cultural perpassa todas as áreas da vida social - economia, comunicação, direito, comportamento, diversidade, política (trans) nacional - e dela exigem uma articulação capaz de romper as fronteiras da dimensão sociológica da cultura. [5]

A evolução das políticas culturais é um processo de caráter cumulativo onde a cultura apresentou-se ora como identidade nacional - nas políticas de sua formação e consolidação - ora como arte - nas políticas de difusão e popularização das belas artes. Nessas concepções, os bens simbólicos não eram produzidos através de uma dinâmica submetida ao capital. No entanto, a cultura também pode ser vista como modo de vida - nas políticas de democratização da produção - ou como elemento do setor econômico - nas políticas de economia criativa, e a partir disso sugere inclusive a emergência de uma lógica de produção em indústria cultural, onde a concepção dos bens simbólicos os considera como mercadorias desde o momento de sua produção. [6] [5]

A presença governamental na área das políticas culturais é relativamente recente, são políticas sociais de última geração que apresentam particularidades que devem ser consideradas, a exemplo de: excesso de elasticidade conceitual; risco de vulnerabilidade às estratégias pessoais de carreira política e a questão da não responsabilização. [7]

A cultura como um direito

Em 1948, A ONU, por intermédio da Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou um rol de direitos humanos a serem observados e respeitados por todas as nações, onde se declara que todo o ser humano tem capacidade de usufruir dos direitos e liberdades, sem, no entanto, serem constrangidos por distinção de raça, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social [8], desta forma, o art. 22 declara que "Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade". [9]

Em outra parte, no art. 27, no que tange aos diretos culturais, fica estabelecido que todos tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade. Neste mesmo sentido, a Constituição Brasileira de 1988 dedicou seção especial à cultura. No art. 215, a lei estabelece que "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais". [10]

Para José Teixeira Coelho Neto, os direitos culturais representaram uma ampliação dos direitos humanos, considerando o contexto de elaboração da Declaração Universal, porque os direitos culturais deram consistência, sentido, ao conceito de liberdade – "Importa que essa liberdade possa ser exercida no interior de um sistema no qual palavras e atos façam pleno sentido entramado, e esse sistema tem um nome hoje: vida cultural" [11]. Somente uma pessoa verdadeiramente livre tem sua identidade cultural respeitada, tem acesso às práticas culturais e nelas a oportunidade de participar.

Mas o que são direitos culturais? Para Farida Shaheed, especialista independente no campo de direitos culturais da ONU, direitos culturais estão tão intimamente ligados a outros direitos humanos que fica difícil de separá-los. Os direitos culturais protegem os direitos de cada pessoa, individualmente e em comunidade, assim como protegem o acesso ao patrimônio e recursos culturais. Assim:

"os direitos culturais constituem uma área de desafio justamente porque estão ligados a uma vasta gama de questões que variam da criatividade e expressão artísticas em diversas formas materiais e não materiais a questões de língua, informação e comunicação; educação; identidades múltiplas de indivíduos no contexto de comunidades diversas múltiplas e inconstantes; desenvolvimento de visões de mundo específicas e a busca de modos específicos de vida; participação na vida cultural, acesso e contribuição a ela; bem como práticas culturais e acesso ao patrimônio cultural tangível e intangível.”

[12]

Farida Shaheed lembra também que a prática dos direitos culturais coletivos não exclui os direitos culturais individuais, e que cada indivíduo tem o direito de participar ou não de práticas culturais, tem direito de ter múltiplas identidades culturais e de mudá-las sempre quando lhe convier.

A partir dos textos legais e de acordo com Cunha Filho, a noção de direitos culturais está intrinsecamente relacionada a deveres culturais, que podem ser de responsabilidade não só do Estado, enquanto garantidor desses direitos, mas também de outros atores sociais em promovê-los. [13] Mais do que isto, e conforme destacado por Costa, torna-se imprescindível para efetivação dos direitos culturais reconhecê-los - enquanto direitos fundamentais - assim como estabelecer um conjunto de garantias que lhes assegure a realização. As formas de efetivação desses direitos devem buscar: "a) proteção da produção cultural; b) o fomento à produção cultural; c) a proteção do patrimônio cultural, e d) a utilização das garantias processuais para a defesa dessa gama de direitos".[14]

Desta forma, o reconhecimento da cultura enquanto direito do cidadão reforça o dever do Estado perante a sociedade em promover-lhe o acesso, o apoio, o incentivo, a valorização e a difusão dos direitos culturais. Analisando o papel do Estado Democrático no âmbito da cultura, Anita Simis [15] assevera que seu papel "não é produzir cultura, dizer o que ela deve ser, dirigi-la, conduzi-la, mas sim formular políticas públicas de cultura que a tornem acessível, divulgando-a, fomentando-a, como também políticas de cultura que possam prover meios de produzi-la, pois a democracia pressupõe que o cidadão possa expressar sua visão de mundo em todos os sentidos".

Ideias, perspectivas e modalidades da relação Estado e cultura

Segundo Canclini[16], o crescente papel das cidades no desenvolvimento global é uma grande realidade no séc.XXI, pois há perspectivas de que as cidades abriguem 75% dos habitantes do mundo. Mediante esse contexto, os gastos populacionais - transporte, segurança pública, energia, água consumida entre outros - terão impactos relevantes no desenho urbano[16].

O predomínio do desenvolvimento industrial sobre a produção agrícola, acarretou a concentração das fábricas nos principais centros urbanos, atração de migrantes do campo e agigantamento das periferias.[16] Por conseguinte, a política econômica que favoreceu a modernização industrial foi também responsável pela reorganização das práticas de informação e entretenimento, que por sua vez, recompuseram o compartilhamento da metrópole. Assim, com a expansão demográfica territorial, os principais centros de apreciação da arte (teatros, salões, etc) ficaram concentrados no centro da cidade, enquanto que para a população dele afastada e desprovida dos equipamentos públicos de cultura, o rádio e a televisão tornaram-se os principais veículos de cultura para os habitantes da periferia.[16]

Com o advento da Internet, os movimentos sociais ganharam maior força para manisfestarem o próprio descontentamento sobre a fragmentação do urbano, cuja expansão territorial das megacidades dificulta a conexão entre suas partes. Daí que a cultura assume uma maior centralidade no processo de globalização, ao mesmo tempo em que passa a ser “banalizada” como se fosse um mero produto ou serviço.[17]

O predomínio do marketing e da captação de investimentos sobre o sentido social dos bens materiais e simbólicos têm reduzido a cultura nas cidades aos espetáculos, pois as “urbes” passam de “cidades industriais” para tornarem-se “cidades comunicacionais”. Esse processo se acelera essencialmente nos grandes centros urbanos, como na Cidade do México, São Paulo, Bogotá, Lima e outras urbes da América Latina.

A partir da década de 1990, a UNESCO adota diversas iniciativas para a governança mundial de instâncias culturais públicas mais estáveis, e por conseguinte, também os seus Estados-membro e a sociedade civil, pelo agrupamento em duas associações, a Rede Internacional pela Diversidade Cultural e a Rede Internacional de Políticas de Culturais, levando à proposição da Unesco a construir um núcleo de estudos culturais especializado em definir critérios sobre o tema.[17]

Na 31ª Conferência Geral da Unesco em 2001, foi aprovada - por unanimidade - a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural", de valor jurídico e com enorme força simbólica para impulsionar as políticas culturais no âmbito internacional. Logo, um novo texto aprovado em 2005, na 33ª Conferência da mesma instituição, considerou relevante a solidariedade entre os povos e estabeleceu um fundo internacional de apoio à diversidade cultural que foi um verdadeiro impulso à cooperação internacional em cultura.[17]

No Brasil, em 2002, a Unesco e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), realizaram o Seminário Internacional sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento, que teve o objetivo de despertar a atenção para o tema, e, por sua vez, fomentar o desenvolvimento de um Sistema de Informações Culturais capaz de fornecer indicadores eficientes para a formulação de políticas públicas culturais no país. No Programa Unesco/Ipea foram delineadas as seguintes linhas de pesquisa: a estimativa do PIB cultural no Brasil e nos estados; a estimativa dos gastos públicos e privados com cultura; o Sistema de Informações como um dos elementos desse programa de pesquisa; e a realização de alguns estudos de caso sobre o tema das relações entre culturas, inclusão e desenvolvimento.[18]

Espaços sociais e gestão cultural

A Gestão Cultural vem sendo desenvolvida ao longo dos anos devido às transformações no cenário contemporâneo. Essas demandaram necessidades de políticas culturais com maiores especificidades [19] desde que a cidade passou a assumir o lugar onde as questões de cunho social e individual tornaram-se fundamentais, que por sua vez, geraram necessidades estratégicas para sua implementação e aplicação. [17]

Com a percepção da tal importância na cultura houve um grande aumento de atividades e políticas voltadas para o campo da gestão cultural, onde o sistema de produção da área começou a ter força com o surgimento de leis que incentivaram

a participação de diversos agentes e a responsabilização na execução de planos, elaboração de projetos, programas e ações culturais, além do necessário aprimoramento do corpo profissional para essa nova realidade.[17]

A gestão cultural não tem um modelo pronto para ser seguido e aplicado, mas convêm observar uma sensibilidade às demandas, às políticas de acesso e às necessidades locais, além do fato de como e de que forma devem ser gerenciadas as dinâmicas culturais.[19] Daí que, “a partir da cidade e para ela deve voltada” é o ponto importante da gestão cultural na tentativa de garantir o direito de participação do cidadão dentro da elaboração, produção e na interação das dinâmicas culturais aplicadas ou desenvolvidas em determinada atividade, tanto no seu próprio espaço como na da sua comunidade.[20]

Segundo Bordieu, o espaço social tem um princípio e um conteúdo, uma força local que liga os agentes presentes nesse convívio [21] ressaltando sua importância para além dos direcionamentos presentes da esfera pública e da esfera privada. Desse modo existem políticas e modelos de gestão cultural específicos para que o resultado esperado consiga ser efetivado num determinado espaço. Há também a questão das “ações culturais” - processos de criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas e grupos inventem seus próprios fins no universo da cultura. [17]

Portanto, a explicação da importância do espaço social no debate cultural está na convergência de entendê-lo como uma área para armazenar experiências e, inclusive, discuti-las. E para a Gestão Cultural – elaboração e efetivação de objetivos de uma determinada política – tal consideração é fundamental para um processo legitimamente participativo.

Referências

  1. a b TEIXEIRA COELHO NETO, José. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo. São Paulo: Iluminuras, 1997. ISBN 8573204788
  2. CANCLINI, Nestor Garcia. Definiciones em transición. Buenos Aires: CLACSO, 2001.
  3. BOTELHO, Isaura. A política cultural e o plano das idéias. In: RUBIM, Albino e BARBALHO, Alexandre (orgs). Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.
  4. DURAND, José Carlos. Cultura como objeto de política pública. São Paulo Perspec., Abr 2001, vol.15, no.2, p.66-72. ISSN 0102-8839
  5. a b RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais entre o possível e o impossível. Texto apresentado no II Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador, 2006.
  6. BOTELHO, Isaura. Dimensões da cultura e políticas públicas. In: São Paulo em Perspectiva. v. 15, n. 1, 2000.
  7. DURAND, José Carlos. Política e Gestão Cultural: Brasil, USA e Europa. Relatório de Pesquisa 13/ 2000. São Paulo: FGV, 2000.
  8. Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 2, inciso I.
  9. Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 22.
  10. Constituição do Brasil, 1988, art. 215.
  11. TEIXEIRA COELHO NETO, José. Direito Cultural no Século XXI: Expectativa e Complexidade. Revista Observatório Itaú Cultural/ OIC - n. 11 (jan./abr. 2011) – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2011, p. 8. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2798. Acesso: maio, 2012.
  12. TEIXEIRA COELHO NETO, José. O novo papel dos Direitos Culturais – Entrevista com Farida Shaheed da ONU. Revista Observatório Itaú Cultural/ OIC - n. 11 (jan./abr. 2011) – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2011, p. 49-50. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2798. Acesso: maio, 2012.
  13. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos Culturais no Brasil. Revista Observatório Itaú Cultural/ OIC - n. 11 (jan./abr. 2011) – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2011, p. 115-126. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2798. Acesso: maio, 2012.
  14. COSTA, Rodrigo Vieira. Direitos Culturais em foco – Bibliografia Jurídica Comentada. Revista Observatório Itaú Cultural/ OIC - n. 11 (jan./abr. 2011) – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2011, p. 132. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2798. Acesso: maio, 2012.
  15. SIMIS, Anita. A Política Cultural como Política Pública. Trabalho apresentado no III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura realizado em maio de 2007, na Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador – Bahia.
  16. a b c d CANCLINI, Nestor Garcia. “Imaginários Culturais da Cidade: Conhecimento / Espetáculo / Desconhecimento”. In “A Cultura pela Cidade” – Teixeira Coelho (org) - São Paulo: Iluminuras. Itaú Cultural. 2008
  17. a b c d e f TEIXEIRA COELHO NETO, José (org). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008.
  18. GOMES, Gustavo M. In Políticas Culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003. Pág.208;
  19. a b CUNHA, Maria Helena. Gestão cultural: profissão em formação. Belo Horizonte: Duo Editorial, 2007.
  20. TEIXEIRA COELHO NETO, José. “Apresentação”. SERRA, M. A. (org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. São Paulo: Iluminuras, 2005.
  21. BURDIE, Pierre. O poder Simbólico.

Fonte