Trasmiera
Trasmiera, também conhecida como merindade de Trasmiera e historicamente como Tresmiera[a][b][c] é uma das comarca históricas do norte de Espanha, na província e comunidade autónoma da Cantábria. Tem 558 km² de área e em 2021 tinha 62 178 habitantes.[1] Situa-se a leste do rio Miera e estende-se até ao rio Asón [es]; na costa estende-se pelas baías de Santander de Santoña [es], ocupando uma grande parte do litoral oriental da Cantábria. A costa nessa área caracteriza-se pelas suas falésias e belas praias, como as de Langre [es], Loredo [es], Isla [es], as de Noja e a de Berria [es]. No interior a comarca tem extensos prados, instalações hoteleiras e parques de campismo. A comarca não tem atualmente estatuto administrativo, pois apesar de já existir uma lei para a divisão em comarcas da Cantábria desde 1999, esta ainda não foi regulamentada.[5]
HistóriaOs vestígios mais antigos conhecidos da região são da Pré-história e encontram-se nas cavernas de Puente Viesgo, Santoña, Miera e La Garma [es] (em Omoño [es], Ribamontán al Monte). Os vestígios da presença romana são escassos, exceto na baía de Santoña, pois a romanização da zona foi pouco relevante. Em contrapartida, a cultura dos povos cântabros persistiu até ao final do Reino Visigótico (418–711 d.C.). Entre os séculos VIII e X teve lugar um processo de repovoamento, o que indica que a região estaria praticamente desabitada. O rei Afonso I das Astúrias (r. 739–757), duque da Cantábria, mandou repovoar o que agora se conhece como Comarca de Trasmiera, onde havia muito poucos núcleos humanos. O repovoamento foi feito seguindo o costuma da época, patrocinando a fundação de pequenos mosteiros, em volta dos quais se foram estabelendo assentamentos de famílias vizinhas transumantes que se organizaram em aldeias, que deram origem a muitas das povoações atuais. Aos monges era oferecida a propriedade (a chamada presúria) de terras sem uso na condição de as cultivarem. Os mosteiros de repovoamento mais antigos foram os de São Vicente de Fístoles (em Esles [es], Santa María de Cayón) e Santa Maria de Puerto [es] em Santoña. Este último teve um amplo domínio jurisdicional que durou até ao século XVI, mas a partir do século XI, uma ordem real obrigou-o a depender do Mosteiro de Nájera [es], na Rioja e assim se manteve até ao século XIX, quando a desamortização extinguiu os mosteiros. Nos documentos do século IX a comarca aparece como delimitação geográfica e administrativa. Esta delimitação contribuiu para que ao longo dos séculos se tenham podido conservar muitos costumes e atividades ancestrais. Uma das atividades mais curiosas é o uso de moinhos de maré, que funcionaram até há pouco tempo; na localidade de Isla (município de Arnuero). Historicamente a Cruz de Somarriba [es], na localidade homónima do município de Liérganes, marcava o limite ocidental de Trasmiera com o território das Astúrias de Santillana [es]. Considera-se que a cruz marca a divisória entre a Cantábria oriental (que começa em Trasmiera) e a Cantábria ocidental.[6] Merindade de TrasmieraTrasmiera aparece citada na crónica de Afonso III das Astúrias (866–910), escrita no século IX, e foi vinculada ao Condado de Castela no século seguinte.[7] A partir do século XIII a demarcação foi estabelecida com entidade administrativa por ordem real. Em finais do século XIV registaram-se na região numerosos episódios das guerras de bandos [es], provocadas pelas diversas famílias que compunham a estrutura senhorial da Cantábria em disputa pela ampliação dos seus domínios. Em Trasmiera a guerra foi protagonizada pelo enfrentamento entre a família Giles de Solórzano, apoiada pelos Velasco [es], e a família Negretes de Agüero (Marina de Cudeyo). O rei era representado na região por um merino (meirinho) que no início era um membro da Casa de Lara, originária da província de Burgos; passado algum tempo, os merinos passaram a ser escolhidos entre as famílias autóctones da comarca. Regida pelos seus "concelhos de homens de behetría [es]",[d] a comarca conseguiu livrar-se do imposto da alcavala [es] no século XV. Os Reis Católicos (r. 1474–1504) ajudaram a consolidar a estrutura interna em juntas — Cudeyo, Ribamontán, Siete Villas, Cesto e Voto, a que depois se juntaram, mediante carta de irmandade, as vilas de Santoña e Escalante, assim como o lugar de Argoños em 1579. Cada junta construiu a sua casa de audiência e cadeia, ao passo que as juntas gerais da merindade eram realizadas em Hoz de Anero (Ribamontán al Monte), que era a capital da merindade. Até à criação dos ayuntamientos (municípios) constitucionais, em 1834, a merindade gozou de consideráveis isenções fiscais, um alto grau de autogoverno e isenções militares para fins de autodefesa.[e] Municípios
Ofícios artísticos tradicionais trasmeranosAo longo de séculos houve vários ofícios artísticos nos quais ganharam grande fama muitos naturais de Trasmiera tiveram muita fama, nomeadamente os mestres de obras os artesãos de retábulos e de sinos. Mestres canteirosA fama dos mestres canteiros de Trasmiera remonta à Idade Média e praticamente não há catedral ou grande monumento em Espanha no qual não tenham trabalhado mestres trasmeranos.[10] O ofício de canteiro na região tinha tradicionalmente uma boa formação e era conhecido fora da comarca. Durante os séculos XV a XVIII deu-se o grande apogeu da construção em Espanha, Portugal e nas suas colónias americanas e muitos canteiros trasmeranos trabalharam em grandes obras, como o Mosteiro do Escorial,[f] a Catedral de Siguença e vários grandes monumentos da Galiza, mas deixaram muito poucas marcas na Cantábria. Sabe-se que no início do século XII numerosos pedreiros de Trasmiera foram chamados para trabalhar na construção das muralhas de Ávila. A partir do século XV há registo de que trabalhavam em toda a Castela e tinham cargos de responsabilidade. Isso levou-os a criar um grémio, uma associação fechada e esotérica na qual comunicavam por meio de um jargão especial que só eles conheciam, chamada pantoja [es].[11] O ofício era transmitido de pais para filhos, proporcionando a estes últimos uma aprendizagem especial que lhes permitia serem mestres e dirigir obras de catedrais antes dos 30 anos. Os contratos eram temporários e sazonais. A emigração ocorria geralmente em março, para regressar no inverno. Os canteiros mais famosos e mais solicitados por vezes estavam anos fora das suas terras e só regressavam para casar ou para administrar as suas propriedades e às vezes para fazer o testamento. Mesmo quando estavam muitos anos fora de casa, não perdiam a condição de vizinhos do local de origem. Os seus apelidos quase sempre refletiam o lugar de procedência. Alguns destes pedreiros chegaram a obter o estatuto de fidalgos, com as suas próprias armas heráldicas outorgadas pelo rei, e em alguns casos ocuparam cargos públicos.[carece de fontes] O sobrenome da família nobre Cantera (pedreira em castelhano) tem origem em Trasmiera, devido à existência de numerosas pedreiras das quais se extraía pedra que era levada para Bilbau e que também era usada para edificações em Somo (Ribamontán al Mar), Pedreña (Marina de Cudeyo) e outros locais.[11] Mestre de obras trasmeranos famosos
Mestres retabulistasA conceção e construção de retábulos foi outro ofício tradicional da Cantábria em geral e de Trasmiera em particular. A talha em madeira foi muito apreciada durante a Idade Média e Renascimento e depois do Concílio de Trento (1563), que promoveu o culto das imagens e dos retábulos, surgiram na região várias oficinas especializadas. A atividade teve o seu apogeu no século XVII, uma época sobre a qual há extensa documentação. Alguns retabulistas, como Simón de Bueras, Juan de Alvarado [es] e Bartolomé de la Cruz alcançaram grande prestígio, nomeadamente na Rioja, Castela e País Basco. Os chamados "Mestres das Sete Vilas" (em redor da baía de Santoña) foram os que tiveram mais contacto com as oficinas castelhanas. Muitos desses retabulistas eram arquitetos consumados e tinham oficinas onde trabalhavam os talhadores, carpinteiros, assembladores, douradores e toda uma série de artesãos especializados necessários para a construção de retábulos de alta qualidade. Estas oficinas trabalhavam com escultores, pintores e outros artistas. Alguns dos ofícios indispensáveis nas oficinas de retábulos eram o mestre arquiteto, que organizava a estrutura e fazia o desenho; o mestre entalhador, que se encarregava dos motivos decorativos; o mestre carpinteiro; o mestre escultor; os mestres pintores, que se ocupavam da policromia; e os mestres douradores, que se ocupavam do douramento e dos estofados. Além dos mestres, nas oficinas havia também aprendizes e oficiais (operários). Durante os primeiros cinco anos o mestre ensinava o aprendiz, alimentava-o e dava-lhe sapatos. Se o aprendiz quisesse continuar como oficial, passava pelo menos mais cinco anos até alcançar um nível no ofício que lhe permitia tornar-se independente estabelendo-se por conta própria. Estilo das imagensO mestres retabulistas trasmeranos foram muito influenciados pelo romanismo [es] de Miguel ângelo e dos seus seguidores, muito em voga na primeira fase da Contrarreforma (século XVI). As imagens são muito realistas e expressivas, deixando muito patente o sofrimento dos santos e mártires. O expoente máximo desta corrente é o basco Juan de Ancheta [es], discípulo de Juan de Juni. O estilo dos mestres escultores foi evoluindo e em meados do século XVI deixam-se influenciar pela corrente do galego Gregorio Fernández. As oficinas dos retabulistas imitam e difundem as novas modas até que os gostos vão mudando e no final do século as imagens vão sendo gradualmente suprimidas e a os retábulos passam a ter outro tipo de decoração. Mestres sineirosO fabrico de sinos na Cantábria é uma tradição que remonta à Idade Média. A comarca de Trasmiera foi o berço de prestigiados fundidores de sinos,[13] cuja fama ultrapassou as fronteiras de Espanha, tendo sido contratados em várias partes da Europa e da América. O ofício desenvolveu-se sobretudo na Junta das Sete Vilas, formada pelas localidades de Bareyo, Ajo (Bareyo), Güemes (Bareyo), Arnuero, Castillo (Arnuero), Isla (Arnuero), Soano (Arnuero), Meruelo e Noja, onde houve numerosas oficinas de sinos. O conhecimento foi transmitido de pais para filhos ao longo dos séculos, tendo-se constituído linhagens de mestres sineiros.[10] A importância dos mestres sineiros cântabros foi tal que diversos estudiosos assinalam que não há catedral, basílica ou igreja em Espanha que não tenha tido nos seus campanários a marca de um fundidor cântabro.[10] No México e no Peru há várias catedrais com sinos fabricados por mestres trasmeranos. Em 1797 foi fundido um sino para a Catedral de Lima que se chama "A Cantábria",[14] o que reflete a importância dos seus artesãos e do seu lugar de procedência.[carece de fontes] Em 1753 foi fabricado por mestres de Arnuero para a Catedral de Toledo[15] aquele que é considerado o maior sino de Espanha, com 14,4 toneladas,[16] que demorou dois anos a ser fabricado. Diz-se que quando tocou pela primeira vez os vidros da cidade partiram-se[15] e as grávidas abortaram com o susto,[carece de fontes] o que levou a que fosse perfurado para amortecer o volume das suas badaladas.[15] Quando os príncipes das Astúrias se casaram, o presente oficial da Cantábria aos foi o sino "Virgem Bem Aparecida", com 1,6 toneladas, fundido em Gajano (Marina de Cudeyo)[17] por dois dos últimos herdeiros da tradição sineira trasmerana, os irmãos Portilla.[18] Notas
Referências
Bibliografia
|