Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à ÍndiaO Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia é um manuscrito anónimo, atribuído à Álvaro Velho[1] ou João de Sá.[2] Paradoxalmente esse único testemunho presencial da viagem de Vasco da Gama, documento tão importante da história da humanidade que relata a primeira viagem marítima entre a Europa e a Ásia foi durante séculos esquecido. Pertencendo ao acervo do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra foi ignorado até ao fim das Ordens Seculares em 1834, transferido para a Biblioteca Pública Municipal do Porto, foi logo publicado no Porto em 1838, com o nome Roteiro da Viagem que em Descobrimento da Índia pelo Cabo da Boa Esperança fez D. Vasco da Gama em 1497[2] por Diogo Kopke e António da Costa Paiva. O diário de bordo, ou Roteiro da Índia, chegou até nós incompleto e através duma cópia, desconhecendo-se o manuscrito original. Em 2013 o seu grande valor foi reconhecido, sendo inscrito pela UNESCO na lista do património Memória do Mundo.[3] A relaçãoA viagem no inicio é bem descrita como a estadia na Índia e sua intrigas, mas a viagem de volta é muita abreviada devido possivelmente ao estado de saúde do autor, atingido como os outros de escorbuto e a consequente falta de pessoal para as manobras. Enfim a relação é abruptamente interrompida no golfo da Guiné. Ida
Manuel I de Portugal confiou a Vasco da Gama o cargo de capitão-mor da frota que, num sábado 8 de Julho de 1497, zarpou de Belém em direção à Índia. Contava com quatro embarcações:[4]
A expedição partiu de Lisboa, acompanhada por Bartolomeu Dias que seguia numa caravela rumo à Mina, seguindo a rota já experimentada pelos anteriores exploradores ao longo da costa de África, chegaram as Canárias uma semana depois da partida, e ao Arquipélago de Cabo Verde em 15 dias, ponto de encontro da frota que estava espalhada. Após atingir a costa da atual Serra Leoa, Vasco da Gama desviou-se para o sul em mar aberto, cruzando a linha do Equador, em demanda dos ventos vindos do oeste do Atlântico Sul, que Bartolomeu Dias já havia identificado desde 1487. Esta manobra de "volta do mar" foi bem sucedida, passando muito perto das costas do Brasil como o descreve o nosso autor sobre a presença de aves ‘’que iam para terra’’
A 4 de novembro de 1497, a expedição atingiu novamente o litoral Africano. Vasco da Gama poucos dias depois ficou ferido por um golpe duma lança dos indígenas. No dia 23 de novembro a frota dobrou o cabo de Boa esperança. A 18 de dezembro, a frota já tinha ultrapassado o chamado "Rio do Infante" (Great Fish River, na atual África do Sul) – de onde Bartolomeu Dias havia retornado anteriormente – e navegou em águas até então desconhecidas para os europeus. No dia de Natal, Gama e sua tripulação batizaram a costa em que navegavam o nome de Natal (atual província KwaZulu-Natal da África do Sul). A 2 de março de 1498, a armada chegou à costa de Moçambique. Na costa Leste Africana, os territórios controlados por muçulmanos integravam a rede de comércio no Oceano Índico. Em Moçambique encontram os primeiros mercadores indianos. Inicialmente são bem recebidos pelo sultão, que os confunde com muçulmanos e disponibiliza dois pilotos. Temendo que a população fosse hostil aos cristãos, tentam manter o equívoco mas, após uma série de mal entendidos, foram forçados por uma multidão hostil a fugir de Moçambique, e zarparam do porto disparando os seus canhões contra a cidade.[5][6] O piloto que o sultão da ilha de Moçambique ofereceu para os conduzir à Índia havia sido secretamente incumbido de entregar os navios portugueses aos mouros em Mombaça. Um acaso fez descobrir a cilada e Vasco da Gama pôde continuar. Na costa do atual Quénia a expedição saqueou navios mercantes árabes desarmados. Os portugueses tornaram-se conhecidos como os primeiros europeus a visitar o porto de Mombaça, mas foram recebidos com hostilidade e logo partiram. Em abril de 1498, Vasco da Gama seguiu para norte, desembarcando no amistoso porto de Melinde – rival de Mombaça – onde foi bem recebido pelo sultão que lhe forneceu um piloto árabe, conhecedor do Oceano Índico, cujo conhecimento dos ventos de monções permitiu guiar a expedição até Calecute, na costa sudoeste da Índia. Saíram de África no dia 24 de abril Chegada a CalecuteA 29 de maio de 1498, a frota alcançou Kappakadavu, próxima a Calecute, no atual estado indiano de Kerala,[7] ficando estabelecida a Rota do Cabo e aberto o caminho marítimo dos Europeus para a Índia.[8] No dia seguinte à chegada, Fernão Martins, um antigo escravos dos mouros, foi enviado a terra porque tinha conhecimento rudimentar de árabe (foi o primeiro a desembarcar em Calecute). Dois mouros de origem Tunisina, receberam-no na sua casa e à interpelação de um deles em castelhano «Ao diabo que te dou; quem te trouxe cá?» este respondeu a célebre frase: «Vimos buscar cristãos e especiaria.». Ao ver as imagens de deuses Hindus, Gama e os seus homens pensaram tratar-se de santos cristãos, por contraste com os muçulmanos que não tinham imagens. Contudo, as negociações com o governador local, samorim de Calecute, foram difíceis. Os esforços de Vasco da Gama para obter condições comerciais favoráveis foram dificultados pela diferença de culturas e pelo baixo valor de suas mercadorias.[nota 1] Com os representantes do samorim a escarnecerem das suas ofertas, e os mercadores árabes aí estabelecidos a resistir à possibilidade de concorrência indesejada. As mercadorias apresentadas pelos portugueses mostraram-se insuficientes para impressionar o samorim, o que gerou alguma desconfiança. Os portugueses acabariam por vender as suas mercadorias por baixo preço para poderem comprar pequenas quantidades de especiarias e joias para levar para o reino. Por fim o samorim mostrou-se agradado com as cartas de D. Manuel I e Vasco da Gama conseguiu obter uma carta ambígua de concessão de direitos para comerciar, mas acabou por partir sem aviso após o Samorim e o seu chefe da Marinha insistirem para que deixasse todos os seus bens como garantia. Vasco da Gama manteve os seus bens, mas deixou alguns portugueses com ordens para iniciar uma feitoria. RegressoVasco da Gama iniciou a viagem de regresso a 5 de outubro de 1498. Na ânsia de partir, ignorou o conhecimento local sobre os padrões da monção que lhe permitiria velejar. Na Ilha de Angediva foram abordados por um homem que se afirmava cristão mas que se fingia de muçulmano ao serviço de Hidalcão, o sultão de Bijapur. Suspeitando que era um espião, açoitaram-no até que ele confessou ser um aventureiro judeu polaco no Oriente. Vasco da Gama apadrinhou-o, nomeando-o Gaspar da Gama. Na viagem de ida, cruzar o Índico até a Índia com o auxílio dos ventos de monção demorara apenas 23 dias. A de regresso, navegando contra o vento, consumiu 90 dias, tendo as embarcações dado à costa Africana a 2 de janeiro de 1499 e aportado em Melinde a 9 de janeiro. Nesta viagem cerca de metade da tripulação sobrevivente pereceu, e muitos dos restantes foram severamente atingidos pelo escorbuto. Apenas duas das embarcações que partiram do Tejo conseguiram voltar a Portugal, por falta de homens a nau São Rafael foi afundado ao largo da costa leste africana, e a tripulação redistribuída para os dois navios restantes, o São Gabriel e o Bérrio. Em 20 de março passam pelo cabo de Boa Esperança, 27 dias depois chegam a ilha de Santiago.
O diário acaba assim, de forma abrupta, no dia 25 de abril. Em anexo temos uma descrição de
O manuscritoSó temos um exemplar manuscrito de 45 páginas do inicio do século XVI, cópia do manuscrito original perdido. A cópia poderá ser da autoria de Fernão Lopes de Castanheda, pelo menos foi uma importante fonte para a sua obra.[9] O formato é de folio de 29 cm; o papel de consistência ordinária e assaz escuro de cor.[10] O que se sabe do autorSabe-se muito pouco, ele não fala dele ao singular mas ao plural fazendo entender que é um simples membro da tripulação. Por isso sabemos que ele não era capitão nem piloto, era membro do São Rafael e acompanhava Paulo da Gama até a destruição do navio. Era uma pessoa culta, formada em geografia
Também tinha conhecimentos de nautica
e treino miltar
ou
. O seu diário não é só um relato dos eventos passados ou presentes, mas é claramente projetado para o futuro, dando indicações sobre a origem das especiarias, os preços na Índia e em Alexandria, os ganhos possíveis, e o vocabulário básico para uma futura volta. Enfim sabemos que foi um dos treze homens que acompanhou Vasco da Gama na sua chegada em Calecut e na sua visita ao Samorim (ELRey).
Determinação do autorEssa última indicação foi a principal pista para determinar o nome do autor, porque Fernão Lopes de Castanheda dá-nos alguns dos nomes dos treze ou doze homens que acompanhavam Vasco da Gama.
Sabemos que o autor do diário navegava no São Rafael e da lista temos: Diogo Dias, escrivão da São Gabriel, Fernão Martins o intérprete de árabe (devia navegar no São Gabriel), o anónimo veador do São Gabriel, João de Sá escrivão do São Rafael, o marinheiro Gonçalo Pires criado de Vasco da Gama, Álvaro Velho, cuja função na frota não é especificada, e Álvaro Braga, escrivão da Bérrio. Por isso só dois nomes podem ser homens do São Rafael João de Sá de certeza e Álvaro Velho hipoteticamente, já que ignoramos tudo dele. Embora o nosso autor pode muito bem não ser citado por Castanheda. Álvaro VelhoIgnoramos tudo dele, só que Valentim Fernandes, um impressor alemão encontrou por volta de 1507 um Álvaro Velho que viveu 8 anos em África, na Gâmbia. Poderá eventualmente ser o mesmo porque as datas coincide, e assim explicaria a interrupção do diário na Guiné. Só que é muito estranho ele só ter descrito a África e nunca ter falado da sua viagem à Índia, que interessava certamente mais Valentim Fernandes.[2] Depois não sabemos se ele era culto ou um simples marinheiro ou soldado analfabeto, e afinal porquê ter interrompido a sua relação na Guiné e não ter descrito também a África, as sua riquezas, o seu vocabulário? Porquê que o diário começa no dia da partida para à Índia? João de SáEra, um homem culto, escrivão no São Rafael, pago para descrever à viagem, e acabou à viagem ao comando do São Gabriel até Lisboa.
É a explicação dada pela Professor Carmen Radulet para explicar o fim abrupto do diário.[2] João de Sá era um capitão improvisado e completamente inexperiente, tendo poucos homens para manobrar o navio e certamente pouca ajuda de oficiais valentes, dedicou-se a sua missão principal que era de trazer os homens e a preciosa mercadoria até Lisboa em detrimento do diário. Também sabemos que tinha formação militar, foi nomeado cavaleiro da Casa Real depois duma "entrada que fez em Almedina, onde matou e cativou muitos mouros na companhia de D. Pedro de Almeida fidalgo da Casa do Rei".[12][nota 2] Por isso as principais caraterísticas do nosso autor anónimo (culto, formação militar e marítima) estão em perfeita adequação com o perfil de João de Sá. E a obra em si, é mais a obra dum escrivão, por ser anónima, por só falar da viagem, por nunca falar da autor, e por ser virada em muitos aspetos para o futuro e pelos lucros potenciais dos navegadores e da coroa portuguesa. Outro autorSe a tese mais provável é a de João de Sá, não se pode descartar por completo outras hipóteses como um terceiro presumível autor que por exemplo terá morrido na Guiné, ou mais simplesmente que parte da obra perdeu-se ou a cópia ficou incompleta… [13] Notas
Referências
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