Proposta LaridaA Proposta Larida, também chamada de Plano Larida, foi um plano de estabilização monetária concebido por Pérsio Arida e André Lara Resende em 1984. O plano previa a criação de uma moeda indexada que circularia paralelamente ao Cruzeiro. Visando o controle da inflação, a proposta serviria de inspiração para o Plano Real. ContextoNa década de 80, o Brasil lidava com problemas recorrentes de inflação. Debates sobre a estabilização monetária proliferaram nesse período, em que verificou-se o surgimento da teoria da inflação inercial. A principal contribuição dessa teoria foi o entendimento de que um sistema complexo de indexação havia sido criado no Brasil desde 1964 para lidar com as altas e imprevisíveis taxas de inflação brasileira.[1][2] Como contratos previam reajustes de valores nominais em um curto espaço de tempo, a indexação fazia com que a inflação corrente fosse igual a inflação passada, perpetuando o processo inflacionário.[3][4] Dessa forma, entendia-se que para combater a inflação, era necessário interromper a inflação inercial.[5] Grande parte desse desenvolvimento teórico ocorreu entre economistas da PUC-RJ, entre os quais estavam Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha e Francisco Lopes. A proposta Larida surge de um trabalho conjunto de Arida e Lara Resende. O nome foi dado por Rudiger Dornbusch após a apresentação de paper pelos autores em conferência internacional.[6] Nos anos 80, Lara Resende e Arida avaliaram negativamente as propostas ortodoxas, apoiadas pelo FMI e por diversos bancos centrais, de que o combate a inflação dependeria unicamente de uma política fiscal restritiva. Eles argumentaram que esse visão ignorava o fator inercial presente na inflação brasileira, e que um ajuste fiscal traria prejuízos econômicos e sociais ao país.[7][8] Além disso, acreditavam que a situação fiscal brasileira estava relativamente sob controle, com parte das despesas públicas sendo comprometidas pelo processo inflacionário. Posteriormente, após o fracasso do Plano Cruzado, Arida reavaliou essa posição, reconhecendo que seria necessário um ajuste fiscal adequado para findar a inflação.[9] Os economistas também avaliaram uma outra proposta, que veio a ser conhecida como "choque heterodoxo", avançada por Francisco Lopes. Se por um lado, consideraram que o diagnóstico de uma inflação inercial estava correto, por outro mostraram-se céticos em relação ao mecanismo de congelamento de preços e salários que deveria romper com a indexação da economia. Arida e Lara Resende entendiam que um plano de estabilização monetária deveria ser neutro, ou seja, seu objetivo não era buscar uma redistribuição de renda; o choque heterodoxo dificilmente seria neutro, pois o congelamento a qualquer momento, em uma situação de inflação elevada, resultaria em distorções de preços relativos.[10][11] PropostaPremissasA proposta Larida partia de três premissas:[12]
PlanoA proposta de reforma monetária visava lidar somente com a inflação inercial. Inicialmente, seria introduzida uma nova moeda, apelidada de Novo Cruzeiro (NC), que seria indexada à Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN). A partir da indexação, a conversão entre o Novo Cruzeiro e o Cruzeiro que já estava em circulação seria revisada diariamente. O Banco Central deveria, então, garantir a livre conversão entre as moedas em circulação. O plano previa a manutenção de um câmbio fixo, com os valores do Novo Cruzeiro permanecendo fixos em relação as moedas estrangeiras, enquanto o valor do Cruzeiro fosse reajustado. Dali em diante, as transações efetuadas pelo Banco Central no sistema financeiro seriam cotadas em Novos Cruzeiros, e os depósitos bancários seriam convertidos para a nova moeda. Preços governamentais também migrariam para o NC, assim como os contratos com reajustes de ORTN. A conversão de salários seria opcional. Caso fosse escolhida a conversão para Novos Cruzeiros, a base salarial seria calculada a partir da média dos últimos seis salários. Embora o plano não fosse desenhado para propor melhorias salariais, esperava-se que trabalhadores fossem beneficiados, já que os salários sofriam mais com o imposto inflacionário.[13][14] As duas moedas circulariam simultaneamente, e os agentes econômicos poderiam voluntariamente aderir ao NC. A teoria pressupõe que seria do interesse dos agentes mudarem para a nova moeda, já que ela estaria protegida da inflação, ao contrário do cruzeiro. Com a redução do uso do cruzeiro, as autoridades deveriam estabelecer uma continuidade de desvalorização da moeda a partir da média da inflação registrada no período em que as duas moedas estavam em vigor.[13][14] Arida e Lara Resende discorrem também sobre a necessidade de uma "âncora" para evitar novas pressões inflacionárias no Novo Cruzeiro. Entre as possibilidades, eles consideram uma âncora monetária que limitasse o crescimento da quantidade de moeda em circulação, uma taxa de câmbio fixa e uma âncora a partir da taxa de juros.[15][16] RecepçãoCríticasMário Henrique Simonsen apontou que combater a inflação inercial seria insuficiente, caso o déficit público e a expansão monetária não fossem controlados. Além disso, ele apontou para dificuldades práticas no controle monetário e na transação conjunta de duas moedas. Por fim, apontou para a experiência húngara em 1946 com uma moeda indexada, cujo resultado fora desastroso, com registro de uma hiperinflação recorde.[17] Eduardo Modiano, por sua vez, apontou que uma alta frequência de reajustes salariais poderia comprometer o objetivo de combate à inflação inercial.[18] Nota-se que a proposta Larida foi amplamente discutida na época de sua concepção, e que as muitas das críticas feitas levaram ao aperfeiçoamento da proposta.[4][14] Influência sobre o Plano RealA proposta Larida é creditada como uma percursora da segunda fase do Plano Real, que consistiu na implantação da Unidade Real de Valor (URV). As similaridades entre as propostas incluem a presença de uma unidade monetária com indexação plena circulando paralelamente à moeda anterior e a adesão voluntária; além da reforma monetária. A indexação de contratos e depósitos e a vinculação da URV ao dólar foram adotadas conforme prescrição da Larida. Posteriormente, os trabalhos de Arida também recomendariam a utilização de altas taxas de juros para lidar com a liquidez excessiva da dívida pública, o que também foi acatado pela equipe do Plano Real, da qual ambos Pérsio Arida e André Lara Resende fizeram parte.[14][6][19] Algumas mudanças foram feitas em relação a proposta original. A URV, ao contrário do proposto na Larida, era inicialmente somente uma unidade de conta, e não uma nova moeda; com exceção das últimas semanas de circulação da URV, os preços finais das transações eram obrigatoriamente expressos em Cruzeiro, ideia de Gustavo Franco para introduzir "custos de menu". Além disso, a URV vinculava-se a três índices de mensuração inflacionária (IGP-M, IPCA-E e IPC-Fipe) para definir os reajustes em relação ao Cruzeiro. No Plano Real, os salários foram indexados à URV.[14][6] Referências
BibliografiaArida, Pérsio; Lara-Resende, André (1985). «Inertial Inflation and Monetary Reform in Brazil» (PDF). Departamento de Economia - PUC-Rio. Texto para Discussão (85): 1-19. Consultado em 1 de novembro de 2023 Barros de Castro, Lavinia (2011). «Privatização, Abertura e Desindexação: A Primeira Metade dos Anos 90». In: Giambiagi, Fábio. Economia brasileira contemporânea 2ª ed. ed. Rio de Janeiro: Elsevier. pp. 131–164. ISBN 978-85-352-4863-0 Cunha, Patrícia Helena (2005). «A estabilização em dois registros». USP. Estudos Econômicos. 36 (2): 383-402. doi:10.1590/S0101-41612006000200008. Consultado em 31 de outubro de 2023 Da Fonseca, Manuel A. R. (Outubro de 1998). «Brazil's Real Plan». Cambridge University Press. Journal of Latin American Studies. 30 (3): 619-639. doi:10.1017/S0022216X98005185. Consultado em 27 de outubro de 2023 Modiano, Eduardo M. (1986). «A inflação e a moeda indexada» (PDF). Ipea. Pesquisa e Planejamento Econômico. 16 (1): 1-20. Consultado em 3 de novembro de 2023 Simonsen, Mário Henrique (1985). «A inflação brasileira: lições e perspectivas». Centro de Economia Política. Revista de Economia Política. 5 (4): 15-30. Consultado em 3 de novembro de 2023 |