O Projeto Andar de Novo é um consórcio internacional, sem fins lucrativos, liderado por Miguel Nicolelis, criado em 2009 pela Universidade Duke e o IINN/ELS, onde pesquisadores se reúnem na busca de tratamentos de neuro-reabilitação para lesões da medula espinhal,[1][2][3] que foi pioneiro no desenvolvimento e uso da interface cérebro-máquina, incluindo sua versão não-invasiva[4] com o uso de EEG.[5]
História
Nicolelis, neurocientista brasileiro trabalhando na Universidade Duke, que já estava propondo o uso de ICM desde 2006 em seu laboratório,[6] mas já explorava essa área desde 1999,[7][nota 1] quando demonstrou a viabilidade da ICM ao lado do cientista John Chapin,[15] desenvolveu, em 2008, ao lado de Gordon Cheng, um experimento onde testaram a primeira ICM continental, onde uma símia na Carolina do Norte, controlou um robô em Quioto, sendo um precursor do Projeto Andar de Novo.[16] Anteriormente, em 2000, Nicolelis já havia demonstrado, em publicação na Nature, a possibilidade de um computador decodificando sinais cerebrais de um símio, para mover um braço robótico.[17][18] O projeto, iniciado em 2009,[19][3] é uma parceria de instituições dos EUA, Suíça, Alemanha e Brasil.[20][21]
Em um dos seus primeiros passos, publicados em 2011, a equipe do projeto fez com que um macaco controlasse um braço mecânico e recebesse informações táteis desta ferramenta,[22][23][24] inclusive no mundo virtual, com a pesquisa da equipe sendo recebido como “como avanço importante pela comunidade científica”, segundo a revista Veja.[25] Naquele ano, no livro “Muito além do nosso eu”, Nicolelis descreveu seu plano de fazer um paciente dar o chute inaugural da Copa do Mundo,[20] num projeto orçado em R$ 33 milhões (2013)[26] e financiado pela Finep.[19]
Em 2012, no processo que visava criar o exoesqueleto BRA-Santos Dumont para a Copa do Mundo FIFA de 2014,[nota 2] de forma inédita, a equipe do projeto gravou 1847 neurônios simultaneamente.[28][29] A pesquisa seguinte fez com que ratos pudessem sentir informações táteis de luz infravermelha, como uma possibilidade de uma nova forma de comunicação da ICM.[30][31] No ano seguinte, o projeto recebeu a autorização para testar o exoesqueleto no Brasil,[32] com voluntários da Associação de Assistência à Criança Deficiente passando a testar o equipamento desde o começo de novembro de 2013.[33][34]
Ao retornar ao Brasil para o projeto, Nicolelis verificou que os pacientes não desejavam passar por cirurgias como forma de recuperarem os movimentos. Isso fez com que sua equipe desenvolvesse técnicas não-invasivas, que puderam ajudar pacientes de maneira crônica, algo, conforme o cientista, “que nunca tinha sido feito em décadas de pesquisa e tratamentos de lesões medulares.”[35]
Em 2013, a equipe do projeto revelou que puderam fazer dois macacos rhesus controlar dois braços virtuais, usando apenas o pensamento. A pesquisa foi publicada no Science Translational Medicine.[36][37] Em março de 2014 os dois exoesqueletos já estavam no Brasil.[38]
O contato inicial com a FIFA foi realizado em 2012, mas o plano de dar o “chute inaugural”, que envolveria até o paciente se levantando da cadeira de rodas e atravessando 25 metros do gramado, foi abandonado pela entidade, com Nicolelis estando ciente da limitação de tempo desde março de 2014. No fim, a demonstração, realizada pelo paciente Juliano Alves Pinto durante a cerimônia de abertura da copa, foi reduzida para apenas três segundos em rede mundial, o que foi objeto de polêmica.[39][40][41]
A equipe do Andar de Novo na Copa, então composta por 150–156 pessoas, não possuía controle sobre a geração de imagens, mas o restante do projeto foi executado de forma bem sucedida.[42][43][19] O “MIT Technology Review” listou o exoesqueleto como um dos “principais fracassos” da área tecnológica em 2014, algo rebatido por Nicolelis, enquanto “The Verge” o identificou como “uma das 50 personalidades mundiais de 2014”.[44][45]
Em 3 de março de 2016, a equipe demonstrou o uso de ICM em símios para que movimentassem cadeiras de rodas usando apenas o pensamento.[46] Em 11 de agosto do mesmo ano, foi publicado, no Scientific Reports, uma pesquisa onde oito pacientes paraplégicos, que perderam a totalidade dos movimentos de seus membros inferiores devido a lesões na medula espinhal, passaram por uma “recuperação neurológica parcial” após 12 meses de treino com realidade virtual, um robô e um exoesqueleto.[7][47][48]
O experimento descrito acima teve a participação de 6 homens e 2 mulheres: em quatro casos os pacientes passaram para “paralisia parcial”; uma mulher de 32 anos, paralisada há mais de uma década, se tornou capaz de andar com apoios após 13 meses e uma das duas participantes pôde engravidar após restaurar as sensações dentro e fora do corpo, além de alguns homens recuperarem a capacidade sexual. Os pacientes relataram que o tratamento ocasionou uma melhora na qualidade de vida.[49][50]
Os pesquisadores se surpreenderam com as melhoras, pois o dano na medula impediria a comunicação do cérebro com o resto do corpo. Nicolelis teorizou, ainda sem evidências via exames de imagem, que a imersão e o foco mental no treinamento teria estimulado a plasticidade cerebral, fazendo, possivelmente, o cérebro transmitir informações pelo que restava dos nervos.[29]
Em 2018, em artigo publicado na Plos One, o projeto demonstrou sete pacientes paraplégicos completos, se tornando paraplégicos parciais, devido ao treinamento com a ICM no decorrer de 28 meses.[4][51] Em 2019, numa pesquisa publicada na Scientific Reports, três pacientes paraplégicos testaram a “interface cérebro-músculo”, onde pequenas cargas elétricas nas pernas ajudaram que pudessem se mover sem o exoesqueleto.[4][52][53][2] Em uma pesquisa publicada no dia 1 de maio de 2021, na Scientific Reports, demonstrou dois pacientes, que sofriam de paraplegia crônica, conseguindo caminhar apoiando 70% do próprio peso, além de darem 4580 passos,[1][53] com ajuda de técnicas não-invasivas.[5]
Em uma pesquisa publicada em 2022, foi demonstrado o efeito clínico superior que o uso de ICM não-invasiva têm em relação com colocar pacientes para andar em robôs que não possuam a mesma tecnologia.[54][4] Entre 2023–2024, Nicolelis passou a criticar a empresa Neuralink, fundada por dois de seus ex-alunos, levantando preocupações éticas com como a empresa trabalha, além de criticar a forma de anunciarem como “novidade” um tipo de pesquisa que a equipe de Nicolelis já havia realizado nas duas décadas anteriores.[55][35][56][4] Também em 2023, Nicolelis anunciou a criação do “Instituto Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro”, que visa levar soluções de baixo custo, baseada na ICM, para o tratamento de doenças neurológicas e psiquiátricas que afetam 1 bilhão de pessoas. O primeiro polo será criado em Milão, Itália, desenvolvido com o Hospital IRCCS San Raffaele e a Universidade Vita-Salute San Raffaele, como anunciado em março de 2024.[57][58][59]
Outras pesquisas
Não relacionado com o “Andar de Novo”, no dia 9 de julho de 2015 foram publicadas duas pesquisas, no Scientific Reports, demonstrando a interação cérebro-cérebro, no conceito de Brainet.[60][61][62]
Prêmios
Em 2010, Nicolelis ganhou o prêmio de U$S 2,5 milhões da National Institute of Health, sendo o primeiro brasileiro a receber esse prêmio.[63] Devido às pesquisas com ICM, em 2016 Nicolelis ganhou o Prêmio Daniel E. Noble na categoria de tecnologias emergentes.[64]
Obras
Em 2019, o laboratório responsável pelo projeto publicou uma compilação, em dois volumes, compilando 20 anos de artigos científicos do grupo, com download gratuito.[65]
↑ abNicolelis, MA. (2014). «Brain-to-Brain Interfaces: When Reality Meets Science Fiction». NCBI. Cerebrum. 2014: 5. PMC4445586. PMID26034520. Consultado em 11 de maio de 2024. In 2009, as a direct result of this auspicious first decade of BMI research, the Duke University Center for Neuroengineering and the Edmond and Lily Safra International Institute of Neuroscience of Natal (ELS-IINN, in Brazil) jointly created a nonprofit research consortium called the Walk Again Project.
↑Lebedev, Mikhail A.; Nicolelis, Miguel A.L. (setembro de 2006). «Brain–machine interfaces: past, present and future». Trends in Neurosciences (em inglês) (9): 536–546. doi:10.1016/j.tins.2006.07.004. Consultado em 14 de maio de 2024. Born as a highly multidisciplinary field, basic research on brain–machine interfaces (BMIs) has moved at a stunning pace since the first experimental demonstration in1999 that ensembles of cortical neurons could directly control a robotic manipulator.
↑Nicolelis, Miguel (7 de julho de 2021). «De volta para as estrelas». Muito além do nosso eu. São Paulo: Companhia das Letras. pp. 471–472. 534 páginas. ISBN9788535918731
↑Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (5 de março de 2024). «Major neurotech hub in Milan announced». EurekAlert! (em inglês). Consultado em 14 de maio de 2024
↑Em sua compilação de 2019, Nicolelis descreve que o artigo de julho de 1999 lançou o campo de estudos da ICM, causando sensação na comunidade científica,[8] sendo o primeiro exemplo da interação do cérebro com a máquina (no caso, uma alavanca),[9][10] sendo a primeira demonstração experimental de uma ICM.[11] Em 2000, fazendo uma resenha das investigações, Nicolelis usou, pela primeira vez, o termo "interface cérebro-máquina" para descrever a conexão entre cérebros vivos e dispositivos artificiais.[12] Em 2001, no artigo “Actions from Thoughts” de 2001, Nicolelis criou o termo “hybrid brain-machine interfaces”[13] e nesse mesmo ano foi descrito, pelo MIT, como um líder na área de ICM.[14]
↑Em “Mundo além de nosso eu”, Nicolelis conta que o exoesqueleto foi criado pelo pesquisador Gordon Cheng.[27]