Mycobacterium leprae

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Mycobacterium leprae
Mycobacterium leprae
Classificação científica
Reino: Monera
Filo: Actinobacteria
Classe: Actinobacteria
Ordem: Actinomycetales
Família: Mycobacteriaceae
Género: Mycobacterium
Espécie: M. leprae
Nome binomial
Mycobacterium leprae
Hansen, 1874

Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen é uma actinobactéria, responsável pela hanseníase (lepra), pertencendo ao gênero Mycobacterium. Possui crescimento extremamente lento quando comparado com outras bactérias.

Bacilos de tamanho médio variando entre 0,3 e 0,5 μm de diâmetro e 4,0 a 7,0 μm de comprimento. A temperatura ótima de crescimento é em torno de 30ºC, motivo pelo qual a bactéria infecta regiões mais frias do corpo (extremidades). Seu cultivo não pode ser realizado em meio de cultura como outras micobactérias, podendo ser inoculada em camundongos ou tatus selvagens.

Possui a habilidade de sobreviver e crescer dentro de macrófagos, e seus fatores de virulência protegem o bacilo de formas tóxicas de oxigênio, sendo obrigatoriamente patógena. [1]

A micobactéria parasita os macrófagos e as células de Schwann que formam a mielina dos nervos periféricos. A destruição da mielina leva à disfunção dos nervos, isto faz com que a pessoa perca o tato.

O sistema imunitário reage eficazmente às micobactérias pela formação de granulomas. O tipo de reação imunitária ao M. leprae é extremamente importante na progressão da lepra. Esta bactéria sobrevive à fagocitose e multiplica-se inclusivamente dentro dos macrófagos. Se houver uma reacção TH1, citotóxica, com formação de granulomas sequestradores da bactéria e com destruição dos macrófagos infectados, a doença torna-se quase benigna e não é capaz de progredir: é a lepra tuberculóide. Se no entanto for ativada uma resposta TH2, com produção de anticorpos, não há formação de granulomas e a bactéria dissemina-se, surgindo a lepra típica, ou lepra lepromatosa. Quando isso ocorre, as bactérias passam a atuar no sistema nervoso central.

Epidemiologia e Transmissão

A M. leprae é transmitida pelo contato direto com doente não tratado, através das vias aéreas. Sua incubação é lenta, de 2 à 7 anos, e sua patogenicidade é considerada baixa.

Os fatores epidemiológicos não são certos, uma vez que o contato com o bacilo não necessariamente leva à infecção ou à doença, que ocorre em apenas 10% dos casos. Diferentes organismos apresentam diferentes respostas imunológicas que levam à infecção ou não, essa resposta é afetada por contato prévio com M. tuberculosis e pela imunização pela BCG.   

A transmissão de M. leprae está ligada à diversos fatores socioeconômicos, como a falta de acessibilidade ao diagnóstico e tratamento, uma vez que este impede a transmissão do bacilo; alta densidade populacional, que promove contato direto com doentes; e condições precárias de higiene. [2][3]

Diagnóstico

O diagnóstico da Hanseníase (Lepra) é feito observando os sintomas físicos, que são muito característicos, raramente sendo preciso realizar outros exames. São feitas analises das lesões cutâneas, palpações dos nervos, avaliações da sensibilidade superficial e da força muscular dos membros superiores e inferiores. [4]

Em casos de dúvida, pode ser feito uma biópsia da área ou exames laboratoriais para medir a quantidade de bacilos presentes na amostra.

Inoculação

A Mycobacterium leprae foi descoberta por Gerhard Armauer Hansen e foi a primeira bactéria a ser relacionada a uma doença humana. Embora tenha sido descoberta em 1873, até hoje não é possível cultivá-la em laboratório e esse fator é considerado como um dos principais empecilhos para a erradicação da hanseníase.

O melhor método já desenvolvido para tentar demonstrar a multiplicação da M. leprae em laboratório é a técnica de Shepard, desenvolvida em 1960: para realização desta técnica bacilos de pacientes com hanseníase não-tratados são inoculados na pata de camundongos imunocompetentes. A partir dos resultados observados, chegou-se ao consenso de que a melhor temperatura para o crescimento do bacilo possa ser entre 27°C e 30°C, suportando a hipótese de que os bacilos tenham predileção por temperaturas abaixo da média corporal humana de 37°C uma vez que as lesões dos pacientes acometidos pela hanseníase geralmente são localizadas na pele, mucosa nasal e nervos periféricos.[5]

Biossegurança

A M.leprae faz parte da Classe de risco 2. Essa classificação leva em conta o risco potencial oferecido pelo patógeno ao indivíduo, à comunidade e ao meio ambiente, e permite que se faça a classificação do Nível de Biossegurança (NB) do patógeno levando em conta também o tipo de manipulação a ser realizada pelo laboratório. A M.leprae corresponde ao NB 2.

Além disso, o fato de essa bactéria não poder ser cultivada em meios de cultura torna necessária a utilização de animais. Isso implica que esses laboratórios tenham que se enquadrar também no Nível de Biossegurança com Animais 2.

Nesses laboratórios, além de controle rigoroso de descarte, existe a utilização de barreiras físicas primárias (cabine de segurança biológica e equipamentos de proteção individual) e secundárias (desenho e organização do laboratório). [6]

Genoma

[7]Apenas 49,5% dos genes da M. leprae são ativos, sendo que o restante se divide em pseudogenes (genes teoricamente normais, mas não funcionais – 27%) e genes não codificantes (23,5%). Quando comparado ao genoma da M. tuberculosis, que apresenta aproximadamente 90% de genes funcionais, percebe-se que a M. leprae sofreu uma redução gênica, fruto de um processo de evolução redutiva. Por ter muitos genes em comum com a M. tuberculosis (por volta de 1400), presume-se que o genoma da M. leprae já foi muito semelhante ao das outras micobactérias.

Esse tipo de processo evolutivo é comum em parasitas celulares obrigatórios: os genes são desativados, pois suas funções não são mais necessárias à sobrevivência de tais seres. Isso pode ter feito com que a M. leprae perdesse diversas vias metabólicas essenciais a sua sobrevivência fora do hospedeiro, explicando então porque ainda não foi possível cultivar a bactéria in vitro.

Fatores de virulência

A M. leprae tem a habilidade de invadir o sistema nervoso periférico (SNP) causando diversas neuropatias, sendo seu principal alvo as células de Schwann (células que constroem mielina dos axônios).

Embora não sejam muito claros os mecanismos pelos quais a M. leprae se aloja nas células de Schwann, estudos indicam que a bactéria é ingerida assim que se adere à tais células, no entanto estas não são capazes de digerir o parasita. Então dentro da célula a M. leprae pode alterar a expressão de genes das células de Schwann, alterando a produção de mielina. Além de servir como hospedeira para o parasita as células de Schwann também o protege das respostas imunes encadeadas pela sua presença.

Sendo que a bainha de mielina é responsável pelo chamado impulso saltatório, quando os nervos são lesados há o retardamento da transmissão dos impulsos nervosos, especialmente os de sensibilidade. Isso caracteriza uma das principais características da hanseníase. [8]

Produção de células indiferenciadas

Para analisar melhor como a bactéria afeta as células de Schwann, foram feitos estudos com células de Schwann de ratos adultos infectadas com M. leprae e isoladas in vitro. Foi observada a mudança na regulação de diversos genes em resposta à infecção: houve maior expressão dos genes relacionados ao desenvolvimento embrionário e menor expressão daqueles relacionados à diferenciação celular. Mais especificamente, a célula se mostrou capaz de exportar para fora do núcleo o principal fator de transcrição regulador da diferenciação das células Schwann, o SOX10, indicando que a infecção pela bactéria desequilibra eventos de transcrição específicos das células de Schwann.

Isso mostra que a M. leprae desencadeia a plasticidade das células de Schwann, ou seja, reverte-as ao seu estado imaturo.  Como as células indiferenciadas são capazes de migrar para diferentes áreas do corpo, a bactéria vai junto com elas. Isso possibilita a infecção de diferentes tecidos, como o músculo esquelético por exemplo.

Os mecanismos que desencadeiam esta reprogramação celular ainda não foram elucidados, mas acredita-se que isso possa acontecer em outras doenças infecciosas. Novas descobertas nessa área podem melhorar não só o tratamento da hanseníase, permitindo o diagnóstico nos estados iniciais da doença, mas também possibilitar o uso da M. leprae para transformar células diferenciadas em células-tronco, e isso poderia revolucionar o tratamento de doenças degenerativas como Alzheimer. [9][10]

Ver também

Referências

  1. Trabulsi, Luiz Richard (2008). Microbiologia. [S.l.]: Atheneu 
  2. «Mycobacterium leprae–millennium resistant! Leprosy control on the threshold of a new era» 
  3. «Spatial and temporal epidemiology of Mycobacterium leprae infection among leprosy patients and household contacts of an endemic region in Southeast Brazil» 
  4. «Portal da sociedade de dermatologia - Hanseníase» 
  5. Diório, Suzana Madeira. Aspectos microbiológicos e moleculares do Mycobacterium leprae. [S.l.: s.n.] pp. Hanseníase – Avanços e Desafios 
  6. «Níveis de Biossegurança» 
  7. «Massive gene decay in the leprosy bacillus» 
  8. «A New Model for Studying the Effects of Mycobacterium leprae on Schwann Cell and Neuron Interactions» 
  9. Masaki, T. (2013). Reprogramming adult Schwann cells to stem celllike cells by leprosy bacilli promotes dissemination of infection. [S.l.: s.n.] pp. 51–67 
  10. «Cellular microbiology: Mycobacterium leprae turns back the clock»