Miguel Rolando Covian
Miguel Rolando Covian foi um neurofisiologista argentino que se naturalizou brasileiro em 1971. Covian nasceu em 7 de setembro de 1913 na Argentina e faleceu em 5 de fevereiro de 1992, no Brasil. Foi professor e pesquisador na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Campus Ribeirão Preto (FMRPUSP), onde criou um dos primeiros laboratórios de Neurofisiologia da instituição.[1] Sua atuação pode ser destacada no campo da Neurofisiologia, especialmente nos tópicos: relação entre emoção e comportamento;[2] comportamento alimentar;[3] e bases neurais do comportamento.[4] As pesquisas desenvolvidas em seu laboratório na FMRPUSP nesses tópicos também o fizeram reconhecido no campo das neurociências, principalmente das neurociências comportamentais.[5] Argentina (1913-1948) e (1951-1955)Covian nasceu em Rufino, província de Santa Fé, Argentina, em 1913. Ele iniciou o curso de Medicina em 1935 na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires (UBA), se graduando em 1942. Entre 1942 e 1943 tornou-se Doutor em Medicina, com a pesquisa "Concentración de la Hemoglobina Sanguínea en el Lactante - Su Determinación mediante el Método Fotoelétrico". Começou a atuar junto ao Instituto de Biologia y Medicina Experimental (IByME),[6] situado na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina. No IByME trabalhou com diferentes pesquisadores, tais como o ganhador do prêmio Nobel Bernardo Houssay e o fisiologista Eduardo Braun-Menéndez. Além disso, pode ter contato com outros pesquisadores que se vinculariam à neurofisiologia ou às neurociências, tais como, Carlos E. Rapela e Ivan Izquierdo.[7] Nesse período, trabalhou especialmente com pesquisas sobre as glândulas adrenais e o apetite específico para o sódio. O período de formação de Covian na Argentina está ancorado em um conjunto de mudanças socioculturais produzidas pelo primeiro governo de Juan Domingo Perón (1946-1955). Em 1948, Covian mudou-se para os Estados Unidos da América (EUA), retornando à Buenos Aires em 1951. Ao retornar dos EUA, Covian se associou novamente ao IByME. Ele criou um laboratório de Neurofisiologia que coordenou até 1955, quando se mudou para o Brasil. A década de 1950 na Argentina foi um período de crise econômica e político-ideológica, com a inflação aumentando aceleradamente e a retirada de apoio do exército ao governo de Perón.[8] Nesse mesmo ano, o presidente foi deposto e a situação política ficou turbulenta e instável. Essa instabilidade influenciava o trabalho universitário e, especialmente do IByME, por causa da oposição de Houssay ao governo de Perón.[9][10] Enquanto isso, no Brasil, Zeferino Vaz estava à frente da criação da FMRPUSP. Nesse processo, ele estava à procura de professores de renome para legitimar seu projeto no interior de São Paulo.[11] À época, tanto o IByME, quanto seus principais membros, tais como Houssay, Braun-Menéndez e Covian já eram internacionalmente conhecidos. Covian foi um dos professores convidados para compor os primeiros quadros da FMRPUSP. Estados Unidos da América (1948-1951)Entre 1948 e 1951 Covian desenvolveu atividades em um estágio de pós-doutoramento junto à Johns Hopkins University, na cidade de Baltimore, estado de Maryland. Ele desenvolveu tais atividades como bolsista da Rockefeller Foundation até 1950 e esse período pode ser dividido em: (a) 1948- 1949, estudos sobre problemas em Psicobiologia; e (b) 1949-1950, pesquisas em fisiologia do sistema nervoso. Entre 1950-1951 foi instrutor de Fisiologia na mesma instituição. O nome de Covian faz parte, inclusive, da Society of Scholars dessa universidade. No primeiro período (1948-1949), Covian pesquisou com Curt Richter sobre comportamento instintivo e apetite específico. A partir de 1949, ele trabalhou junto a Philip Bard, fortalecendo seu treinamento em Neurofisiologia. Richter pode ser identificado como um dos precursores da Psicobiologia[12] e Bard foi um dos responsáveis pela criação da Teoria Cannon-Bard sobre as expressões emocionais. Nos EUA, teve contato com pesquisadores que, futuramente, se tornariam eminentes em suas áreas de pesquisa, e.g., Vernon Mountcastle[13] Brasil (1955-1992)A atuação de Covian no Brasil pode ser compreendida a partir de dois eixos principais. Por um lado, seus textos e reflexões sobre humanismo que compreendiam debates sobre o papel da Universidade na cultura e a formação dos cientistas. Por outro, a produção científica em seu laboratório de Neurofisiologia. Covian compreendia que o cientista deveria buscar o conhecimento por meio da prática de pesquisa e da reflexão filosófica e, assim, ele poderia adquirir a sabedoria necessária para utilizar as técnicas científicas sem reduzir-se ao tecnicismo.[14][15] Covian advogava que a ciência deveria utilizar e produzir tecnologia em favor da humanidade. Além disso, defendia que mesmo quando o cientista não professasse uma religião específica, deveria comportar-se baseado em princípios morais alicerçados no bem.[16] Por fim, ele defendia a criatividade e o livre pensamento como ferramentas indispensáveis para o exercício científico. Curiosamente, essa defesa ocorria em um período de ditadura civil-militar no Brasil, que contou com o cerceamento das universidades. Exemplos dessa defesa podem ser vistos nas matérias que escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo durante a década de 1970. A formação de cientistas em bases humanísticas advogada por Covian tinha influências de suas leituras filosóficas e de outras ciências humanas. Ele foi especialmente influenciado por três autores: (a) Teilhard de Chardin; (b) José Ortega y Gasset; e (c) Thomas Merton.[17] No campo da produção científica, seu laboratório de Neurofisiologia foi um local importante para o desenvolvimento de pesquisas em diferentes áreas.[18] Particularmente, se destacaram (a) a relação entre emoção e comportamento; (b) comportamento alimentar; e (c) bases neurais do comportamento. Covian definia seus interesses de pesquisa como vinculados à relação entre cérebro-mente. Seus estudos eram desenvolvidos utilizando diversos equipamentos científicos, tais como quimógrafos, fisiógrafos, polígrafos e pneumógrafos. Com equipamentos como esses, foram produzidos entre 1955 e 1972 aproximadamente 244 trabalhos e defendidas 23 teses.[19] O primeiro grupo de pesquisadores era formado por José Venâncio Pereira Leite; Renato Hélios Migliorini; Carlos Renato Negreiros de Paiva; César Timo-Iaria e o próprio Covian. Com o passar dos anos, novos membros foram sendo incorporados e o corpo de pesquisadores se alterou.[20] Por exemplo, houve a incorporação dos argentinos Andrés Negro-Vilar (1965) e Maria Carmela Lico (1963). Outros importantes pesquisadores em Fisiologia e Neurofisiologia também compuseram esse laboratório, tais como Anette Hoffmann, José Antunes Rodrigues, Ricardo Marseillan e Aldo Bolten Lucion. Suas pesquisas no Brasil contaram com investimentos da Fundação Rockefeller, além de recursos da Força Aérea dos EUA para participação em congressos científicos e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Seu laboratório recebeu visitas internacionais, tais como Bernardo Houssay, Ivan Izquierdo e Vernon Mountcastle. Acervos HistóricosDois arquivos históricos guardam documentação primária e secundária de Miguel Covian. Um acervo se encontra no Museu Histórico da FMRPUSP, parte constituinte do Espaço Cultural e de Extensão Universitária (ECEU-USP). Este acervo está na cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil. O segundo acervo está situado nos EUA, na cidade de Baltimore, junto ao Johns Hopkins Medical Archives. Referências
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