Mictacea
Mictacea, do grego, miktos (mesclado ou unido) e acea (terminação para a maioria das ordens de Peracarida), recebe este nome em referência ao fato de poucas características serem únicas destes animais, ocorrendo em outras ordens também.[2] Trata-se de crustáceos extremamente pequenos, com poucos milímetros, achatados e de formato que semelhante ao de um camarão.[2] As fêmeas maduras possuem um conjunto de cavidades incubadoras, conhecido como marsúpio, e os machos apresentam os pleópodes mais desenvolvidos.[3] Esses organismos são marinhos, geralmente ocupando áreas de caverna, nos fundos oceânicos (zona batipelágica, a 1000m de profundidade), e em formações anquialinas, evitando a luminosidade.[3] São animais detritívoros, com mandíbulas adaptadas para maceração de pequenos alimentos, vasculhando o substrato lodoso.[4] A ordem Mictacea é pouco expressiva em relação à diversidade, contando com apenas 7 espécies, distribuídas em 4 gêneros, sendo a Mictocaris halope, a mais conhecida. Apesar de ser considerada uma ordem válida, muitas características sugerem que as duas famílias que a compõe, Mictocarididae e Hirsutiidae, não sejam tão relacionadas. A pouca quantidade de estudo dificulta o estudo da filogenia destes crustáceos.[5] MorfologiaMorfologia externaOs mictáceos são crustáceos pequenos, de cerca de 2 a 3,5mm de comprimento. O corpo é fino e cilíndrico porém achatado, com a maioria dos segmentos corporais livres. O corpo é dividido em cabeça, tórax e abdome.[2] A cabeça é fusionada ao primeiro segmento torácico (pereonito), sem uma carapaça bem desenvolvida, mas com um escudo cefálico que se projeta lateralmente, e protege as bases das maxilas e dos maxilípedes.[6] Há um par de maxilípedes, com um palpo de 5 segmentos, sem epipodito. A maxila 1 é ausente de palpo e com 2 enditos, sendo que o mais externo possui elementos em forma de lança, de comprimentos e formas variadas, enquanto o mais interno possui poucos elementos, em forma de espinho. A maxila 2 contém uma cerda longa e forte.[7] Os olhos são pedunculados, podendo ser presentes, mas sem elementos visuais, como em Mictocarididae, ou totalmente ausentes, como em Hirsutiidae. Possuem dois pares de antena. A antena 1 é birreme, com 3 segmentos pedunculados e 2 flagelos multissegmentados, enquanto a antena 2 com 5 segmentos, com exopodito digitiforme. As mandíbulas estão livres, lateralmente protegidas pela carapaça, e são adaptadas para cortar e macerar o alimento, com palpos trissegmentados.[2][8][7] O tórax, ou pereion, possui 7 segmentos, de comprimento relativamente igual - com exceção do primeiro, que é menor pela fusão com a cabeça. Os segmentos são livres, sem uma carapaça cobrindo dorsalmente o corpo. A pleura e as brânquias são ausentes.[8] Os pereópodes 1 e 7 são unirremes, sendo o primeiro bem longo, podendo ou não apresentar exopodito, e o sétimo ausente desta parte. Os pereópodes 2 a 6 são birremes, sendo que os últimos possuem exopoditos natatórios.[7] Nas fêmeas, os marsúpios encontram-se entre os pereópodes 2 a 6, com epipoditos com cerdas longas e plumosas. Estes apêndices formam uma bolsa externa ao corpo, na região ventral, para carregar os ovos.[7] O abdôme, ou pléon, encontra-se livre da carapaça, com 6 segmentos. Os apêndices 1 a 5 são unirremes e reduzidos, como protuberâncias, com 3 ou 4 finas cerdas. Os pleópodes 4 e 5 são maiores e de formato irregular.[8] O urópode é birreme, com 2 a 5 segmentos, sendo quase o dobro do comprimento do télson. O exopodito é bissegmentado, o endopodito é multissegmentado e o propodito apresenta 1 a 3 espinhos mediais. O télson é presente e livre, não fundido ao último pleonito (segmento do abdômen).[8][7] Morfologia internaSistema digestivoA boca liga-se ao estômago, por um curto esôfago. Há um proventrículo, equipado com um aparato filtrador, composto de cerdas filtradoras, em conjunto de invaginações e sulcos. O estômago termina ligando ao intestino, que possui 70 a 90μm de diâmetro, de onde 4 pares de glândulas, sendo que duas delas estão posicionadas dorsalmente, e as outras duas, ventralmente. A parede delas é ondulada, com cristas que se projetam para o lúmen intestinal. Estas estruturas estão concentradas na região do cefalotórax. O intestino se prolonga por todo o tronco e termina em um ânus, localizado na região anterior do télson.[9] Sistema circulatórioO coração tem forma cilíndrica e localiza-se entre o segundo e o quinto segmentos torácicos. A parede é fina, com poucas fibras musculares, em arranjo espiralado. Na região mais próxima à cabeça, o coração apresenta ostias, aberturas de entrada e saída de fluido. Nesta porção, o diâmetro do tubo é maior e vai se tornando menor à medida que se distancia. Na região do cefalotórax, o coração se projeta em uma aorta anterior, e é comprimida lateralmente pelas glândulas intestinais dorsais, e estão ligadas pelo tecido conjuntivo da cutícula dorsal. Ali o coração se expande lateralmente sobre o estômago, por onde saem 4 ramos que irrigam o cérebro. Na continuação da aorta anterior, há projeções que irrigam as antenas 1 e 2.[9] Sistema nervosoO cérebro encontra-se na região do cefalotórax, e pode ser dividido em três: protocérebro, deutocérebro e tritocérebro. No primeiro, são discerníveis dois neurópilos (concentrações de dendritos e ramos de axônios), um de cada lado de um corpo central. Como estes crustáceos não possuem elementos visuais, estruturas ópticas estão ausentes. No deutocérebro, encontram-se lobos olfatórios, que concentram estruturas cônicas, chamadas de glomérulos olfativos. Destes lobos, emanam ventralmente nervos em direção à antena 1. O tritocérebro é a maior porção, com nervos que se projetam de neurópilos para as antenas 2. O cérebro está extremamente ligado ao gânglio subesofágico, através de conexões esofágicas.[9] Dimorfismo sexualAs fêmeas apresentam o marsúpio, que corresponde a uma bolsa ventral, formada por epipoditos modificados nos pereópodes 2 a 6, para carregar os ovos. A região é acompanhada de cerdas em grande quantidade.[3] Em Hirsutia, foi observada uma diferença significante que não ocorre em outros Peracarida: a disposição dos epipoditos é posteromedial, crescendo na direção do eixo do corpo (cabeça-télson), e é resultado da migração dos exopoditos de uma posição lateral para outra anterolateral, durante o desenvolvimento. Nos outros crustáceos, os epipoditos crescem perpendicular ao plano do corpo.[8] Em Montucaris, foi observado uma fileira de espinhos na margem medial do segmento dos urópodes.[3] Os machos possuem pleópodes locomotores desenvolvidos, ao contrário das fêmeas, que possuem estes apêndices muito reduzidos. O tamanho do corpo é menor quando comparado ao da fêmea. Em Montucaris, o pereópode 3 apresenta espinhos triangulares na base. Um par de pênis tubulares estão presentes no esternito do oitavo segmento torácico. Podem também ter uma sutura transversal no dorso do cefalotórax.[3] Reprodução e ciclo de vidaPouco se conhece do ciclo de vida dos mictáceos, principalmente pelo fato de até 2006, nenhum macho ter sido coletado, levando a se considerar que a reprodução era por partenogênese.[10] A partir de então, os dados que se têm dos machos são oriundos apenas do gênero Montucaris, levando à discussão se de fato as características observadas ocorrem nos indivíduos dos outros gêneros, ou se são particularidades daquele grupo.[3] Estágios de manca, formas juvenis muito semelhantes ao adulto mas ainda não completamente desenvolvidos, foram observados. Diferencia-se 4 estágios, sendo um deles com os exopoditos dos pereópodes 5 e 6 mais desenvolvidos que nos adultos, e sem o último par de pereópodes.[3] Identificação e coletaApesar desta ordem não possuir características únicas, a identificação pode ocorrer com base nas seguintes informações:[2]
Por serem animais marinhos, de regiões profundas ou cavernícolas, a coleta é dificultada, resultando em espécimes danificados, dificultando a descrição e o estudo. Nas regiões de caverna, a coleta é feita com a ajuda de bombas de sucção e luz artificial, para determinação e mapeamento dos indivíduos.[2] Como as áreas de coleta são pouco exploradas, outras espécies ainda sem identificação podem também ser encontradas, demonstrando alto potencial para a taxonomia.[2] EcologiaHabitat e distribuiçãoOs mictáceos são todos marinhos e bentônicos, geralmente encontrados em regiões de caverna, de formações anquialinas ou no oceano a 1000m de profundidade (zona batipelágica), presentes mutias vezes no sedimento lodoso. Vivem no mesmo ambiente de alguns anelídeos, moluscos, equinodermos e outros artrópodes.[3] Nas regiões de caverna, a distribuição é desigual, estando concentrados nas áreas mais escuras, e evitando as iluminadas.[2] Mictocaris halope foi encontrado em cavernas marinhas do Bahamas. Há dados sobre ocorrência de Hirsutia na costa da Austrália e do norte da América do Sul, a 1000m de profundidade. Thetispelecaris pode ser encontrado em cavernas marinhas da Ilha de Caimão e do Japão. Por último, Montucaris foi coletada na costa do Brasil.[7][11][3] AlimentaçãoApesar da mandíbula adaptada para maceração, não há muitos indícios que os mictáceos sejam carnívoros, por conta do incisor mandibular não ser tão forte, quando comparado com a de outros grupos. Provavelmente este animais se alimentam de detritos, com os pereópodes 1 e 2, mais longo e esclerotizados, adaptados para escavar e manipular alimento até a boca.[4] ComportamentoPouco se sabe sobre o comportamento destes animais. Na natureza, pode-se observar que M. halope nada na superfície, parando para descansar em rochas ou leitos de sedimento por algum tempo. Em laboratório, eles permanecem no fundo e cantos do aquário. Enquanto nadam, as antenas ficam direcionadas para frente, com um ângulo de 60º e 90º uma da outra, lateralmente dispostas. No entanto, enquanto andam no substrato, as antenas ficam em um ângulo maior, de 180º. Outra curiosidade é o fato destes animais pararem de nadar ocasionalmente, virarem o dorso para o chão e afundarem.[2] HistóricoEm 1985, Bowman e Iliffe trabalharam com Mictocaris halope, encontrado em cavernas do Bahamas, e cunhou a família Mictocarididae para abrigar sua nova espécie.[12] Enquanto isso, Sanders, Hessler e Garner, no mesmo ano, encontraram uma nova espécie, Hirsutia bathyalis, no fundo oceânico do nordeste da América do Sul, fundando a família Hirsutiidae.[8] Os cinco autores uniram seus estudos e chegaram à conclusão que ambas as espécies compartilhavam características comuns o suficiente para uní-las em uma nova ordem, originando assim Mictacea (1985).[2] Em 1988, foi encontrado um espécime na costa do sudeste da Austrália,que, apesar de bem danificado, pode ser definido como pertencente à Mictacea, recebendo o nome de Hirsutia sandersetalia, em homenagem a um dos fundadores da ordem.[4] Esta foi a terceira espécie definida até então. Em 1998, indivíduos de crustáceos muito semelhantes aos do gênero Hirsutia foram coletados, porém as análises morfológicas levaram à suspeita da validez da ordem Mictacea, já que as duas famílias integrantes pareciam diferir em muitos aspectos. Dessa forma, foi sugerida a criação de uma nova ordem que separasse Hirsutiidae de Mictocarididae, recebendo o nome de Bochusacea (do latim, bochus = boca proeminente, e acea = sufixo para maioria das ordens de Peracarida). A espécie deste estudo apresentava características não encontradas em Hirsutia, resultando em um novo gênero, que foi denominado Thetispelecaris remex.[7] No mesmo ano, Mictocarididae foi estudada com a finalidade de se saber qual seria o seu futuro nesta nova proposta. Ao comparar Mictocaris halope com outras 2 espécies da ordem Spelaeogriphacea - a Spelaeogriphus lepidops (Gordon, 1957) e a Potiicoara brasiliensis (Pires, 1987) -, foram detectadas apenas 7 diferenças morfológicas dentre 35 características analisadas, levando à conclusão de que as 3 espécies deveriam ser unidas em uma nova ordem, que foi chamada de Cosinzeneacea (cozînzeana = fada da mitologia romena que vive no submundo, por onde só se chega através de um túnel escuro, e acea = sufixo da maioria das ordens de Peracarida). O nome se dá pelo fato de todas as espécies serem encontradas dentro de cavernas de água limpa. É importante destacar que uma das diferenças observadas é a de que M. halope não possui epipodito no maxilípede, presente nas outras 2 espécies, sugerindo que Mictocarididae e os Spelaeogriphacea sejam subordens de Cosinzeneacea.[13] Em 2002, uma nova espécie foi encontrada em cavernas submarinas de uma ilha do Caribe, com características semelhantes às do gênero Thetispelecaris. Foi denominada então como Thetispelecaris yurikago.[10] Em 2005, mais uma nova espécie foi encontrada, na zona batipelágica do Nordeste do Brasil. Inusitadamente, apresentava características que sugeriam a formação de mais um novo gênero. Ela foi denominada Montucaris distincta. Este estudo foi o primeiro que utilizou machos de Hirsutiidae, já que até então apenas fêmeas haviam sido encontradas. Um dos resultados deste trabalho confrontou a proposta da ordem Bochusacea, questionando a principal característica hipoteticamente compartilhada.[3] Em 2012, mais uma espécie foi encontrada em cavernas submarinas no Japão, denominada Thetispelecaris kumejimensis.[11] Esta foi a sexta espécie de Mictacea encontrada. FilogeniaPor ser uma ordem pouco estudada, a posição de Mictacea dentro de Peracarida é ainda incerta, transitando dentro da filogenia.[5] Como as vezes ela é tratada como uma ordem válida e as vezes não, existe uma grande dificuldade em se criar um consenso entre os estudiosos. Ela pode ser encontrada também sob os nomes Bochusacea e Cosinzeneacea; o primeiro se refere à família Hirsutiidae isoladamente, enquanto a segunda, à união de Mictocarididae e das espécies Spelaeogriphus lepidops e Potiicoara brasiliensis, ambos pertencentes atualmente à ordem Spelaeogriphacea.[13] A classe Malacostraca inclui a superordem Peracarida, e engloba diversos crustáceos como a tamarutaca (Hoplocarida), camarões e caranguejos (Decapoda).[14][5]
A ordem Mictacea encontra-se dentro da superordem Peracarida, que inclui os tatuzinhos-de-jardim (Isopoda) e afídeos (Amphipoda).[14][5]
ValidezComo dito anteriormente, muitas características fazem com que Mictacea seja desmembrada e realocada em outras ordens, ou em até uma nova ordem. A presença de um oostegito tão singular é uma característica marcante do grupo, mas que também abre discussão para a validez deles dentro de Peracarida. Aceita-se por enquanto que estas estruturas sejam de fato para armazenar os ovos.[8] Mictocarididae e certas espécies de Spelaeogriphacea apresentam características em comum, sugerindo que sejam próximas, se não da mesma ordem.[13] Hirsutiidae apresenta um singularidade: as maxilas possuem enditos com estruturas plumosas. Elas se repetem em Mysida, Lophogastrida e Thermosbaenacea. Importante destacar que Mictocaris e Spelaeogriphacea não possuem esta estrutura, fortalecendo a ideia de manter os dois grupos próximos. Outra característica da família, é que os pleópodes nos machos são bem desenvolvidos, como em Mysida, Lophogastrida, Amphipoda, Cumacea, Tanaidacea e Spelaeogriphacea. Já em Mictocaris e Thermosbaenacea, os pleópodes são extremamente reduzidos.[13] O comportamento incomum de virar o dorso para o substrato é observado tanto em Thermosbaenacea quanto em M. halope, o que pode sugerir proximidade entre os grupos.[2] Defende-se atualmente que as duas famílias sejam separadas. Estudos morfológicos e moleculares futuros podem adicionar informações sobre a validez da proposta filogenética vigente.[3] EvoluçãoPropõe-se que o ancestral de Mictacea fosse de águas rasas, posteriormente invadiu as áreas de caverna e mares profundos, evoluindo independentemente a partir de dai.[10] EspéciesMictacea é formada por apenas 2 famílias, comprimindo 6 espécies conhecidas até o momento:[14] Hirsutiidae Sanders, Hessler & Garner, 1985
Mictocarididae Bowman & Iliffe, 1985
Referências
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