Jane Eyre Nota: Para outros significados, veja Jane Eyre (desambiguação).
Jane Eyre é um romance da escritora britânica Charlotte Brontë publicado em 1847. O livro, que tinha como subtítulo uma biografia, foi lançado originalmente em Londres, pela Editora Smith, Elder & Co., Cornhill, em 16 de outubro de 1847, em 3 volumes. Hoje em dia o romance é comercializado em um volume único. Jane Eyre foi escrito por Brontë com o pseudônimo Currer Bell.[1] O romance é considerado um marco do gênero Bildungsroman, que caracteriza os chamados “romances de formação”: acompanhando a jornada de uma protagonista ao longo de sua vida. Apresenta vários elementos da literatura gótica, tais como a ambientação da história, os edifícios, o mistério envolvendo a trama, composta por segredos do passado e os acontecimentos trágicos que rodeiam estes personagens. A obra segue as emoções e experiências de sua heroína homônima desde sua infância, marcada por um distanciamento familiar e por traumas, até a sua idade adulta e seu amor para o Sr. Rochester, o herói byroniano[2] É no amor entre Jane e Rochester que a narrativa apresenta todo o desenvolvimento da trama. A parte interna da trama trata do desdobramento gradual da sensibilidade moral e espiritual de Jane, e todos os eventos são coloridos por uma elevada intensidade que antes era do domínio da poesia. Desta maneira, Jane Eyre revolucionou a arte da ficção. Charlotte Brontë tem sido chamada de "a primeira historiadora da consciência privada" e a ancestral literária de escritores como Joyce e Proust.[3] O romance aborda diversos temas da época vitoriana, compondo diversas críticas sociais que envolvem a condição da mulher, em particular da preceptora[4]. Estes debates são aprofundados por um forte simbolismo, mostrando um senso de moralidade, mas não deixando de contestar valores vitorianos que reforçavam a sujeição da mulher enquanto “aquela que deveria ser domesticada”. Temas como o classismo, a sexualidade e a religião aparecem de forma central em Jane Eyre.[5][6] EnredoJane Eyre é a autobiografia ficcional da personagem principal. A narrativa acompanha a personagem Jane Eyre da infância à vida adulta. Durante sua trajetória, ela mora em diversas casas que foram importantes para o desenvolvimento de sua personalidade e de seus valores morais. Em um primeiro momento, Jane é apresentada enquanto uma menina de dez anos, selvagem e desobediente, que vive na mansão de Gateshead Hall sob a tutela de sua tia[7]. Após um confronto com esta, Jane é enviada para uma escola, Lowood, onde conhece os primeiros momentos de felicidade[8]. Sua educação é rigorosa e ela passa por diversas transformações durante os oito anos que vive na instituição. Formada e depois de ter trabalhado dois anos como professora da mesma escola[9], Jane resolve seguir outros caminhos, aceitando trabalhar como preceptora da jovem Adèle, na casa de Thornfield Hall, pertencente ao sr. Edward Rochester. É em Thornfield Hall que a história encontra seu clímax. Jane será confrontada por dilemas éticos e morais e deverá tomar decisões a partir de tudo o que viveu e amadureceu nos anos anteriores.[10] Gateshead HallJane Eyre é apresentada como uma garota selvagem e imaginativa. Os adjetivos escolhidos para descrevê-la destacam esse caráter voluntarioso da garota, que começa a história com apenas dez anos. Ela mora em Gateshead Hall, a mansão de sua tia e também tutora, a sra. Reed. Além das duas e dos criados, Jane também convive com os três primos: Eliza, John e Georgiana Reed. Em nenhuma dessas pessoas a garota encontra simpatia, tendo a percepção de sua diferença em relação aos parentes e de que sua existência dentro da casa é apenas tolerada[7]. Jane é uma garota órfã, seus pais morreram quando ela era muito nova, a garota passa a ser responsabilidade de seu tio, sr. Reed, irmão de sua mãe. O Sr. Reed vivia nesta mansão chamada Gateshead Hall com a esposa, com quem teve três filhos. Com a morte do tio[11], a tutela de Jane passa para a esposa do mesmo, pouco simpática com a ideia de cuidar de outra criança, mas não podendo desvencilhar-se desta por ter prometido ao marido que se responsabilizaria pela sobrinha momentos antes de sua morte. A partir de então Jane vive uma infância de maus-tratos, tendo uma posição abaixo dos criados dentro da hierarquia da casa[7]. A briga entre Jane e seu primo, John Reed, é o principal episódio da estadia da garota sob a tutela familiar dos Reeds. Esse episódio é impactante na vida da personagem. Em uma das muitas provocações do primo, Jane acaba saindo machucada e revida os ataques, chamando a atenção das criadas e de sua tia. Como punição, Jane é trancada no quarto vermelho (red-room)[7], lugar onde seu tio havia falecido. O medo e a indignação, já que o primo havia saído impune, fazem com que a garota tenha um surto e precise de auxílio médico[12]. Ela recebe a visita do sr. Lloyd e confidencia ao doutor as injustiças que cercam a sua vivência em Gateshead Hall, que coloca como sugestão a ida de Jane para uma escola, o que parece uma solução para a relação entre Jane e os parentes e acaba sendo acatada. Antes de deixar Gateshead Hall, no entanto, Jane recebe a visita do sr. Brocklehurst, diretor da escola de Lowood e um dos personagens mais enigmáticos da trama. Nesta visita, mediada pela sra. Reed, a tia deixa claro o desafio que a garota proporciona e caracteriza Jane enquanto uma menina mentirosa. Essa descrição mostra para a garota o quão difícil seria desvencilhar-se do passado e recomeçar a sua vida[13]. Ela percebe que mesmo em Lowood, mudando de casa, a opinião das outras pessoas já estava preconcebida. LowoodA instituição de Lowood é onde Jane passa pela sua formação e amadurecimento, as características selvagens e voluntariosas da garota vão perdendo a intensidade e ela adquire uma personalidade mais contida[9]. O lugar é praticamente inóspito, habitado por algumas professoras e criadas além das muitas alunas. Estas estudantes vivem em uma rotina extremamente regulada, com a aparência uniformizada e pouca comida. A direção do sr. Brocklehurst é severa e as garotas vivem em alto grau de miséria. Além dos conflitos gerados pela própria instituição, o diretor descreve Jane para o grande grupo enquanto uma mentirosa e aconselha as outras garotas que se afastem de sua presença[14]. É neste momento de incerteza que Jane faz amizade com Helen Burns, uma garota mais velha, que impactaria o restante de sua vida. Helen é uma personagem frágil, agarrada a sua própria fé. Ela é o primeiro exemplo que ajuda Jane a superar as injustiças e aceitar os castigos com maior facilidade. Burns sofre muito com as punições das professoras por sua falta de atenção, mas parece complacente e determinada a aprender com cada evento ao invés de indignar-se contra as ações retaliativas[15]. Além de Helen, Jane também se aproxima muito da Mary Temple, uma das professoras. A srta. Temple é um modelo de mulher vitoriana pautado na decência, nos valores morais e na racionalidade ao tomar suas decisões, ela é extremamente contida e não cede aos seus ímpetos[16]. Esta professora se coloca como um contraponto ao autoritarismo do sr. Brocklehurst, e aparece para Jane como uma figura angelical, pronta para auxiliar seus problemas de maior gravidade. O ponto chave da estadia de Jane em Lowood é uma grave epidemia de febre tifoide entre as internas[17]. Com a chegada do inverno, as doenças se aproximam da instituição, pegando como vítimas as estudantes. As meninas viviam com racionamento de comida, em estado de fragilidade, e definhavam com facilidade, caindo enfermas. Várias das alunas padeceram durante o inverno, muitas acabaram morrendo[18]. Aquelas que continuavam saudáveis, como Jane, eram instruídas a passar a maior parte do tempo fora do contato com as garotas enfermas. É nesse momento que Jane Eyre tem maior liberdade, podendo desbravar os terrenos próximos à instituição, mas sendo seguida por uma preocupação latejante de que Helen Burns havia adoecido. A doença de Helen não é a febre que contaminou o restante das estudantes, ela sofre de tuberculose[19]. Jane acredita ser algo mais brando que o tifo, mas escuta uma conversa entre as criadas sobre a possibilidade de que Helen Burns não resista à doença[20]. Jane visita Helen e as duas dormem abraçadas, sendo que pela manhã Helen Burns havia morrido, que continua sendo uma figura importante para Jane Eyre pelo resto de sua vida[21]. Nos próximos momentos, Lowood passa por transformações significativas. O grande número de mortes dentro da instituição chama atenção do público e denuncia a situação inóspita vivenciada pelas meninas sob comando do sr. Brocklehurst. Um novo regulamento é criado, Lowood começa a receber doações de diversos membros da alta sociedade que compadeceram com a situação em que as garotas foram encontradas, além de que o sr. Brocklehurst sai do cargo de diretor e torna-se apenas tesoureiro da escola[22]. Os anos que se seguem são delimitados por uma política menos autoritária e Jane consegue concluir a sua formação com condições mais decentes do que vivera durante os períodos anteriores ao surto de tifo. Jane Eyre passa oito anos em Lowood. Em seis deles ela completou a sua instrução e em dois deles desempenhou a função de professora ao lado da srta. Temple. Durante esses anos, Jane passa por mudanças significativas, muitas das quais são atribuídas a essa amizade partilhada com a antiga professora, considerada por Jane um modelo a ser seguido. No fim desses oito anos, a srta. Temple casa-se e deixa a instituição, o que acaba deixando Jane deslocada e com a necessidade de mudar de ares[9]. É quando Jane resolve disponibilizar seus serviços enquanto preceptora para as famílias que estivessem à procura[23]. Ela recebe a resposta da sra. Fairfax, que faz a proposta que Jane venha morar em Thornfield Hall, uma mansão em que ela seria acolhida enquanto trabalharia com a instrução da da jovem Adèle, pupila do senhor da casa[24]. Thornfield HallAs primeiras impressões de Jane são as melhores. Thornfield Hall mostra-se como um lar para a garota, agora com dezoito anos completos. Ela faz amizade com a governanta, sra. Fairfax, e com as outras criadas[25]. Além disso, fica encarregada pelos cuidados de Adèle Varens, uma garotinha francesa que está sob a proteção do sr. Rochester[26]. Os empregados a informam que o senhorio passa pouco tempo em casa, e quando chega vai embora logo. As únicas coisas que parecem estranhas na mansão é o comportamento de uma das criadas, Grace Poole[27]. Jane conseguia ouvir uma gargalhada baixa durante a noite, que era atribuída a esta mulher, fazendo com que Jane se perguntasse sobre seus hábitos estranhos. Apesar disso, os primeiros meses passam de forma tranquila, sendo que a passividade de Thornfield Hall começam a deixar Jane inquieta.[28] A sra. Fairfax instrui Jane a ir até a cidade entregar sua correspondência, percebendo a melancolia da moça. É nesse passeio que Jane se defronta com um homem que cai do cavalo porque este se assusta com a presença da jovem preceptora. O homem é rude e culpabiliza Jane pelo acidente; a garota o auxilia a voltar para a sela e naquela noite descobre que este senhor era o seu senhorio, Edward Rochester, que voltava para a casa com o seu cachorro, Pilot[29]. Esse primeiro contato entre os dois personagens principais destaca a arrogância de Rochester, além do seu mau humor. A situação não muda durante a primeira parte do período que ele passa em Thornfield Hall, mostrando-se rude até mesmo com Adèle, sua pupila. Jane é chamada durante as noites para conversas com o senhorio. Ele a considera uma companhia melhor do que a dos outros criados, em razão de sua instrução[30]. O relacionamento entre os dois se desenvolve de maneira extremamente franca. Jane não se propõe a exaltar seu patrão e se coloca em posição de igualdade a ele, negando a submissão que seria comum. Aos poucos os dois vão tornando-se amigos e as conversas e confissões passam a ser mais frequentes, de maneira que Rochester finalmente encontra alguém que possa lhe interessar intelectualmente e a vida de Jane sai da antiga passividade e ela passa a conhecer aventuras incríveis vivenciadas pelo seu senhor[31]. É nesse momento que um dos primeiros episódios desconcertantes acontecem em Thornfield Hall. Jane escuta a risada de Grace Poole e ao abrir a porta de seu quarto, durante a noite, percebe um incêndio no quarto de Edward[32]. Jane consegue apagar o fogo e salvar Edward Rochester, de forma que este passa a ter imensa gratidão pela garota[33]. Jane pensa ter sido Grace Poole a responsável pela confusão, já que identificara a sua risada no corredor, mas a mesma sai impune da situação[34]. O sr. Rochester vai passar alguns dias na casa de amigos depois do incêndio[35], e Jane não para de pensar sobre o assunto. É nesse ponto da narrativa que ela mais se questiona sobre os seus sentimentos em relação à Edward, já que eles pareciam correspondidos, embora ele tenha ido embora de Thornfield Hall sem se despedir. Ela vive um longo período de incerteza, em que pensava que o senhor Rochester não retornaria tão cedo para a mansão, já que a sra. Fairfax dissera que muitas vezes ele passava por grandes períodos longe da casa. Apesar desta previsão, Edward volta para a casa depois de quase duas semanas fora. Seu retorno é acompanhado pela visita de um grupo de amigos, entre eles a srta. Ingram acompanhada por seus familiares[36]. Jane passa por um doloroso processo ao perceber que tanto o sr. Rochester quanto a srta. Ingram pareciam corresponder-se romanticamente. As semanas que sucedem o retorno de Edward são extremamente festivas, Thornfield Hall passa de um lugar melancólico para um espaço festivo[37]. Jane, mesmo dominada por uma intensa tristeza, é obrigada por Edward a compor esses espaços de confraternização. Aos poucos ela percebe que Blanche Ingram não tem o amor de Edward, sendo considerada por Jane como muito superficial e frívola[38]. É durante esse período de festividades que a mansão recebe outro hóspede, Richard Mason, que deixa o sr. Rochester inquieto[39]. É na primeira noite da estadia do sr. Mason em Thornfield Hall que outro evento estranho se sucede. A casa acorda com um grito alto[40]. Os convidados são tranquilizados pelo sr. Rochester que explica tratar-se de uma criada que teve um pesadelo. Depois que os visitantes vão dormir, ele chama Jane e pede seu auxílio para cuidar de Richard, que estava profundamente machucado[41]. Jane passa a noite tratando dos ferimentos do sr. Mason, enquanto Edward busca ajuda médica. Pela manhã, antes que os visitantes acordassem, eles colocam Richard em uma carruagem e ele vai embora de Thornfield Hall. Jane indaga se aquilo seria obra de Grace Poole, recebendo a confirmação do seu senhor e não entendendo como a criada não era mandada embora da mansão. Os laços entre Jane e Edward ficam mais estreitos a medida que os dois compartilham esses momentos e a confiança entre os dois aumenta consideravelmente. É o período em que Edward começa a falar sobre seu noivado com Blanche Ingram, que já havia demonstrado antipatia para com Jane e Adèle[42]. Com a notícia, Jane avisa ao sr. Rochester que acha sensato mudar-se de Thornfield e que Adèle seja enviada para um internato. Antes da mudança, no entanto, Edward declara seu amor pela preceptora e pede sua mão em casamento, ao invés da de Blanche Ingram[43]. Um período dourado cerca o relacionamento de Edward e de Jane, mas ele é breve. No dia do casamento do casal, Richard Mason ressurge e revela para Jane que aquela união seria inconcebível, já que Edward Rochester era casado com sua irmã, Bertha Mason, e que esta vivia em Thornfield Hall[44]. Jane descobre a notícia devastadora, percebendo que os ataques noturnos que aconteciam na mansão não eram de autoria de Grace Poole, mas da esposa de Rochester que vivia presa no sótão. A história de Bertha vem à tona e Jane descobre que o casal havia se conhecido durante uma viagem de Edward para a Jamaica, e que Bertha havia enlouquecido e adquirido um aspecto indomável e selvagem[45]. Desde então ela vivera trancafiada na mansão. Jane foge de Thornfield Hall e passa por alguns dias de fome, até ser recolhida por St. John Rivers e suas irmãs[46]. Jane passa a viver de maneira humilde ao lado de John Rivers, trabalhando como professora e voltando-se para a caridade[47]. É no período em que ela vive longe de Thornfield Hall que ela descobre ter direito à uma herança deixada por um tio e que é prima de John Rivers e suas irmãs[48]. Jane divide a herança entre eles e John decide viajar como missionário, chamando a prima para juntar-se a ele como sua esposa. Jane, no entanto, ainda perturbada pela história com Edward Rochester decide voltar para Thornfield Hall para tratar desses assuntos inacabados[49]. Ela retorna para a mansão e descobre que houve um grande incêndio provocado por Bertha Mason, encontra o sr. Rochester cego e sem uma das mãos, que havia perdido tentando salvar as pessoas do fogo. Ela descobre que Bertha além de ter incendiado a mansão, havia também cometido suicídio ao jogar-se da casa em chamas[50]. É quando Jane resolve casar-se com Edward, percebendo que não estava mais em uma condição de submissão a ele e que agora nenhum fantasma do passado poderia perturbar seu relacionamento[51]. Personagens
CríticaRomance de formaçãoO Bildungsroman, em português o equivalente a romance de formação, é um gênero literário que tem sua origem vinculada ao caráter nacionalista alemão, sendo por vezes descrito enquanto um “gênero tipicamente alemão”. A ideia deste tipo específico de romance é o desenvolvimento da narrativa com o aperfeiçoamento humano da protagonista, mostrando a sua trajetória em diferentes graus, formas e fases da vida. Estes romances mostram um forte realismo, embora possa ser descrito enquanto uma trajetória que acompanha o personagem de seu início até que alcance um grau de perfectibilidade exigido pelo escritor.[52] O marco do Bildungsroman é o livro Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, ponto inicial do gênero e também o exemplo mais conhecido. Jane Eyre pode enquadrar-se dentro desta categoria de romance, já que a história acompanha a personagem da sua infância até a vida adulta, tendo como motor da narrativa as transformações que acontecem dentro da personagem, que passa por um processo de fortalecimento de seus valores morais[53]. Condição femininaO livro retrata a emancipação da mulher e de seu espírito, ideias contrárias, na cabeça de Brontë, aos livros de Jane Austen onde, segundo Brontë, as mulheres não eram aptas a trabalhar, devendo casar-se para garantir a sua sobrevivência. Neste livro, Charlotte Brontë, através de Jane Eyre, prova que as mulheres eram perfeitamente capazes de trabalhar e de ter uma vida, independentemente de se casarem ou não. O romance mostra, dentro de um contexto de forte controle moral e sexual da mulher na era vitoriana, além do desenvolvimento da personagem, a forma como a mulher tinha seus ímpetos castrados a partir de uma noção de domesticação e civilidade imposta ao sexo feminino. Jane começa a narrativa enquanto uma garota selvagem, ao longo da história ela passa a ter seu comportamento engessado, vendo na srta. Temple o exemplo de feminilidade a ser seguido: um ideal vitoriano de moral e puritanismo. Essa civilidade conquistada a partir de uma longa educação é confrontada pela personagem de Bertha Mason, descrita como uma mulher indomável e selvagem, o contraposto do que era exigido na época[54]. Charlotte Brontë faz duras críticas à distinção dos sexos e à condição de inferioridade passiva atribuída às mulheres, principalmente às preceptoras[55][56]. A época em que Brontë viveu é descrita por muitos estudiosos como de forte puritanismo e de defesa dos valores morais. Existiu uma forte intensificação entre as diferenças de classe e de gênero. A era vitoriana é colocada enquanto um período de fortes contradições, em que a mulher poderia ser chefe de Estado ou dona de casa, mas o meio termo era marginalizado. Houve um forte controle moral e sexual, recaindo sobre as mulheres de forma mais profunda.[57] Diversos médicos, como o doutor William Acton,[58] sustentavam a tese da mulher assexuada. Essas teses colocavam a maternidade, o amor ao lar e aos deveres domésticos enquanto as únicas paixões na vida de uma mulher. O sexo era justificado pelo desejo da maternidade e pela satisfação de seus maridos. Nesse período um grande número de prostíbulos aparece nas grandes cidades, e a condição dessas mulheres era a de maior miserabilidade, já que seus desejos pelo sexo eram lidos como vícios e distúrbios. Do outro lado do especto da sexualidade estava a preceptora. Enquanto a prostituta era considerada doente pela prática sexual, a preceptora era vista como uma mulher frígida e que não deveria ter desejos e aspirações pessoais, sendo anulada enquanto ser humano muitas vezes.[4] Charlotte Brontë trabalhara como preceptora e mostrava seu descontentamento em relação à forma com que essas trabalhadoras eram tratadas, chegando a enviar uma carta para sua irmã, Emily, contendo um desabafo em relação à esse tratamento:
RecepçãoPelos prefácios escritos para a segunda e a terceira edição de Jane Eyre, podemos ter uma noção da recepção que o romance teve pelo público. Charlotte Brontë ainda utilizava o pseudônimo de Currer Bell e confrontava as opiniões que circulavam pela imprensa. O lançamento da obra fez com que surgissem críticas acusando Jane Eyre de ser uma ameaça aos valores cristãos, incorporando o "espírito inquieto de insubordinação".[55] Em 1848 o livro seria vinculado ao cartismo inglês.[60] Charlotte respondeu a essas críticas falando sobre a hipocrisia da falsa moralidade:
Já no Prefácio da terceira edição, a preocupação de Charlotte Brontë é em desmentir a autoria de livros que estavam sendo atribuídos ao seu pseudônimo. O que explicita a popularidade da obra e a sua veiculação durante o século XIX[61]. Traduções para o portuguêsEm História do livro no Brasil, Laurence Hallewell[62] defende que não houve nenhuma edição de Jane Eyre no Brasil até que a Francisco Alves o publicasse, em 1983, com tradução de Marcos Santarrita. Há, no entanto, várias traduções anteriores. A Editora Vozes, de Petrópolis, já possuía várias edições, sendo que a mais antiga seria de 1926, mas traduzido sob o nome “Joanna Eyre”. A Pongetti Irmãos Editora apresentou seguidamente várias edições, a mais antiga de 1942, com tradução de Sodré Viana. Miécio Tati fez a tradução e adaptação da versão infanto-juvenil pelas Edições Ouro, em 1971. Em Portugal talvez a mais antiga tradução seja a de João Gaspar Simões, para a Editora Inquérito, Lisboa, em 1941, intitulada “A Paixão de Jane Eyre”. A de Leyguarda Ferreira, para a Edição Romano Torres, Lisboa, é de 1965. A tradução de João Gaspar Simões foi também usada para a Coleção Inesquecível, da Difel, em 2004. Atualmente, há outras traduções na língua portuguesa, como a de Lenita Maria Rimoli Esteves e Almir Piseta, para a Paz e Terra, em 1996, a de Waldemar R. Oliveira para a Editora Itatiaia, em 2008 e 2009, além da tradução realizada por Doris Goettems, em edição bilíngue, para a Editora Landmark em 2010. Referências
Bibliografia
Ligações externas
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