Entre a década de 1960 e 1990, a Itália passou pelo período que veio a ser chamado de "Anos de Chumbo", marcado pelo terrorismo urbano vindo tanto de grupos radicais de esquerda como de organizações neofascistas.[6] Durante esse período, um ressurgimento no interesse pelas tradições ilegalistas do anarquismo levou filósofos como Alfredo Bonanno a defender a criação de uma rede coordenada de grupos libertários mediterrâneos, com base na Itália, Grécia e Espanha.[7] De acordo com o pesquisador e professor Francesco Marone, da universidade de Pavia, é possível observar a influência de Alfredo Maria Bonanno na formação ideológica da FAI/FRI, que viria a preencher o vácuo deixado pela dissolução das Brigadas Vermelhas em 2003.[8]
Formação
A Federação Anarquista Informal entrou em atividade em 2003 e se apresentou pela primeira vez através de um manifesto intitulado Carta aberta ao movimento anarquista e anti-autoritário,[9] divulgado após uma série de ataques ataques a bomba próximos à residência do ex-primeiro ministro da Itália e então presidente da Comissão EuropeiaRomano Prodi.[3][10] Na ocasião, a organização se descreveu como uma “federação formada ou por grupos de ação ou por únicos indivíduos," sem uma liderança centralizada.[8] Ainda no mesmo ano, o grupo realizou ataques a instituições da União europeia com cartas-bombas.[11][12][13]
Em sua formação, a FAI era constituída de quatro organizações clandestinas atuando de forma federada: Solidarietà Internazionale (Solidariedade Internacional), Cooperativa Artigiana Fuoco e Affini – Occasionalmente Spettacolare (Cooperativa Artesanal de Fogo e Afins - Ocasionalmente Espetacular), Brigata 20 Luglio (Brigada 20 de Júlio) e Cellule contro il Capitale, il Carcere, i suoi Carcerieri e le sue Celle (Célula contra o Capital, o Cárcere, seus Carcereiros e suas Celas, ocasionalmente chamada de Cinco C's).[3][9] Alguns desses grupos já realizavam ataques incendiários desde 1999.[14]
A partir de 2010, o grupo passou a se internacionalizar, adotando o novo nome Federação Anarquista Informal/Frente Revolucionária Internacional.[8] Além da itália, a organização passou a contar com células na Argentina, Bolivia, México, Russia, Indonésia[15] e Reino Unido.[16] Na Grécia, membros locais da federação trabalham frequentemente em conjunto com a Conspiração das Células de Fogo, organização com o qual compartilham grande parte de sua orientação ideológica e prática.[17][18][19] Os quadros internacionais da FAI/FRI realizaram ataques incendiários e a bomba na América Latina[20][21] e no Reino Unido[22][23] ao longo dos anos 2010. Em 2010, o grupo enviou cartas-bomba às embaixadas sueca e chilena em Roma.[24][25] Em 2011, cartas-bomba foram enviadas ao banqueiro Josef Ackermann, do Deutsche Bank.[26]
Atentado a Roberto Adinolfi
Em 2012, a organização realizou um atentado contra o presidente-executivo da Ansaldo Nucleare, Roberto Adinolfi.[27][28] Adinolfi foi baleado nas pernas três vezes por dois militantes em uma motocicleta enquanto saía de casa em Génova, fraturando seu joelho. A fratura no joelho ecoa tipos de ataque não-letal usados pelas Brigadas Vermelhas como forma de intimidação.[29] A ação foi reivindicada pela "Célula Olga da FAI/FRI" através de um comunicado de quatro páginas enviado ao jornal Corriere della Sera.[30][31][32][33] Os dois integrantes da célula, Alfredo Cospito e Nicola Gai, foram posteriormente presos em Turim e condenados a 10 anos e 8 meses, e 9 anos e 4 meses de prisão respectivamente.[34] Cospito realizou uma primeira greve de fome na prisão em protesto ao bloqueio de cartas enviadas por membros da FAI/FRI, familiares e simpatizantes anarquistas.[35] A empresa Ansaldo Nucleare já havia sido alvo de atentados durante os Anos de Chumbo na Itália.[28]
A pena de Cospito foi posteriormente elevada para prisão perpétua pelo envolvimento em uma tentativa de ataque com bomba potencialmente fatal a uma academia dos Carabinieri perto de Turim, em 2006.[36][37] Sua parceira, Anna Beniamino, também foi presa.[38] Em maio de 2022, Cospito foi movido à prisão de Bancari em Sássari para servir no regime prisional altamente restrito 41-Bis, originalmente criado para impedir a comunicação de líderes da Máfia italiana com membros de suas organizações.[39][40][41] Entre outras restrições previstas no regime está o encarceramento solitário de até vinte e duas horas por dia.[42]
Em resposta, Alfredo Cospito iniciou uma greve de fome para protestar as condições de seu cárcere em 20 de outubro de 2022, atraindo atenção internacional às condições severas do 41-Bis.[43] Em fevereiro de 2023, Cospito já havia perdido mais de 50kg.[44] A greve de fome de Cospito levou a uma série de protestos e demonstrações de solidariedade por organizações anarquistas dentro e fora da itália.[45][46][47][48] Outros anarquistas encarcerados e membros da FAI/FRI também realizaram greves de fome em solidariedade.[42] Apesar disso, até março de 2022, estava definido que Alfredo Cospito seguiria no regime 41-Bis. Devido à deterioração de sua saúde, foi movido para uma prisão no Milão no final de fevereiro.[49]
Outras ações
A FAI/FRI Célula Santiago Maldonado realizou ataques a bomba contra viaturas dos Carabinieri em Roma, sem chegar a deixar feridos.[50] Em 2015, o Grupo Kapibara FAI/FRI realizou um incéndio em um metrô de Santiago (Chile),[51][52] e no começo de 2016 o mesmo grupo causou um incêndio em um campus da Universidade Andrés Bello.[53][54] Em 2017, um grupo afiliado à FAI/FRI realizou ataques incendiários a carros em Oaxaca, e no ano seguinte uma organização Grega membro da FAI/FRI realizou um ataque a bomba em Atenas.[17] Em 2020, a FAI/FRI Nucleus Mikhail Zhlobitsky reivindicou o envio de uma série de cartas-bomba por toda a Itália.[55] Ataques atribuídos às células argentinas da organização foram realizados em 2021, mas sem reivindicação.[56]
Ideologia
A FAI/FRI se encaixa nas tradições insurrecionárias e antiorganizacionistas do movimento anarquista, e mantém uma grande proximidade com o anarcoindividualismo.[18][57] O grupo se opõe ao Estado, Sistema Capitalista e à organização hierárquica. Ademais, também se opõe ao Marxismo, afirmando-se na Carta Aberta ao movimento Anarquista e Antiautoritário:
“
Radicalmente avessos a qualquer câncer marxista, uma sereia encantadora incitando a libertação dos oprimidos, mas na realidade uma máquina encantadora que esmaga a possibilidade de uma sociedade libertada ao substituir um domínio por outro.
”
— FAI/FRI, (tradução livre).
Como alternativa, a federação propõe uma sociedade baseada nos princípios de autogestão, apoio mútuo e liberdade. Adicionalmente, o grupo se opõe à "exploração da natureza pelo homem", e ao que considera um "ecocídio" moderno. A FAI/FRI frequentemente tem representantes da industria energética nuclear como alvos em seus ataques.[58][27] A federação também é fervorosamente oposta à União Européia.
A FAI/FRI tem como aliada próxima a organização anarquista grega Conspiração das Células de Fogo. Ambas compartilham táticas e teoria, convergindo por exemplo quanto à oposição ao anarquismo organizacionista e em suas analises do uso da anonimidade.[18]
Estrutura
A FAI/FRI se descreve em seu manifesto como uma organização “informal” por “não acreditar em vanguardas, nem se considerar uma minoria esclarecida e ativa”.[9] Em seu projeto, o grupo promove a luta armada, mas rejeita características típicas de guerrilhas urbanas, como a presença de quadros executivos, membros regulares e irregulares e a organização hierárquica.[8] A essa ultima o grupo se opõe em parte por considerá-la ineficiente e frágil, observando que “basta um policial infiltrado ou informante para que toda a organização ou uma boa parte dela colapse como um castelo de cartas”. Outra razão para a oposição é a crença de que tais formas de organização poderiam levar a uma burocratização do movimento, de forma a torná-lo autoritário.
Assim, a FAI/FRI opera como uma federação de organizações que muitas vezes não tem conexão material algum umas com as outras, ou mesmo conhecimento da existência dos outros membros.[3] As células internacionais da FAI/FRI tendem a formas suas próprias alianças com grupos anarquistas locais. Alguns grupos de afinidade que compõem a FAI/FRI chegam a ter apenas dois membros, como o de Alfredo Cospito,[34] ou mesmo a serem o trabalho de indivíduos isolados.[57] Ainda assim, existe um nível de coordenação entre partes da organização, e sabe-se de ao menos uma reunião realizada em 2006 para discutir os rumos da federação.[8]
↑ abFrente Revolucionária Internacional, Federação Anarquista Informal (2011). «Non dite che siamo pochi». Sebbe che siamo donne (em italiano). Consultado em 26 de novembro de 2021
↑Devido ao caráter informal em certo nível desestruturado de ambas as organizações, suas frequentes atuações em conjunto, a tendência das organizações a usarem os mesmos símbolos visuais e a autonomia total dada a cada célula, é debatível se a CCF faz parte da FAI ou se é apenas uma aliada próxima.