Cidra Nota: Não confundir com Sidra (bebida alcoólica).
Nota: Para outros significados, veja Cidra (desambiguação).
Citrus medica é uma espécie de citrino (género Citrus da família Rutaceae) cujas variedades cultivadas, designadas por cidreira, produzem a fruta globosa, fortemente aromática e com casca espessa, que é amplamente comercializado sob o nome de cidra. Próxima de uma antiga espécie selvagem nativa do Sudeste Asiático ou da Índia,[2] a cidreira é um dos três taxa do género Citrus que por hibridação e selecção artificial deram origem a todas as modernas variedades e cultivares de citrinos.[3] Embora os cultivares de cidreira assumam uma ampla variedade morfológica, estão todos intimamente relacionadas geneticamente. É amplamente utilizado na culinária asiática e globalmente na preparação de doces e compotas e na produção de perfumes e essências aromáticas, sendo também importante na medicina tradicional e em rituais e oferendas religiosas no Sueste Asiático. Híbridos de cidra com outros cítricos são comercialmente importantes, com destaque para o limão e muitas variedades de lima. Grande e ácida, a cidra é muito rica em compostos bioactivos.[4] Os romanos e outros povos mediterrânicos usavam o fruto como desodorizante e para efeitos medicinais.[5] DescriçãoA espécie Citrus medica, conhecida pelo nome comum de cidreira (o que leva à confusão com espécies muito distintas, nomeadamente com a erva-cidreira, uma gramínea, que apenas tem em comum o aroma), pertence à família das rutáceas, é originária do Sueste Asiático, onde tem distribuição natural na região que vai da Índia à Indochina. MorfologiaCitrus medica é uma pequena árvore ou arbusto de 2,5 a 5 m de altura (mesofanerófito), de crescimento lento, perenifólio, com espinhos nas axilas foliares e com fuste retorcido e ramagem densa e rígida. As folhas, de pecíolo curto, são simples, alternas, elípticas a oval-lanceoladas, com bordos ligeiramente serrilhados e comprimento até 18 cm, de superfície coreácea e coloração verde-escura na página superior, com uma distinta fragrância a limão quando esmagadas. O pecíolo geralmente não apresenta asas ou tem asas reduzidas. Produz flores hermafroditas, fragrantes, relativamente grandes, formando rácemos pequenos. As flores das variedades ácidas são arroxeadas por fora e brancas por dentro, mas as de variedades doces são inteiramente branco-amareladas. Apresentam de 4 a 5 pétalas e 30 a 60 estames. O fruto é um hesperídio oblongo, ovado ou globoso, raramente piriforme, de até 30 cm de diâmetro, estreitando em direcção ao extremo estilar, com o estilete bem marcado e por vezes permanecendo no fruto maduro (constituindo o pitom do etrog). No entanto, o formato do fruto da cidra é bastante variável, diferindo grandemente entre espécimes e mesmo num mesmo espécime, devido à grande quantidade de albedo, que se forma em função da posição dos frutos na árvore, orientação do ramo e muitos outros factores. O fruto é recoberto por uma casca grossa, frequentemente rugosa, carnuda e aderente ao endocarpo, de coloração amarela ou verdosa, com glândulas oleosas pequenas. A parte interna é espessa, branca e dura; o exterior é uniformemente fino e muito perfumado. A polpa geralmente é ácida, mas também pode ser doce, existindo algumas variedades que são totalmente desprovidas de polpa. Apresenta 10 a 15 carpelos, firmes, pouco sumarentos, doces ou ácidos segundo a variedade. A maioria das variedades de cidra contém um grande número de sementes pequenas, monoembriónicas, lisas, brancas com camadas internas escuras e manchas de calaza avermelhadas nas variedades ácidas e incolores nas doces. Algumas variedades de cidra possuem estiletes persistentes que não caem após a fecundação. Esses são geralmente preferidos para uso ritual como etrog no judaísmo. Algumas cidras apresentam grandes oleoplastos que formam bolhas de óleo de grande tamanho na superfície externa da casa, medialmente distantes umas das outras. Algumas variedades são estriadas e ligeiramente verrugosas na superfície externa. Uma variedade de cidra apresenta o fruto em forma de dedos, sendo conhecida por cidra-mão-de-buda. A coloração do fruto varia de verde, quando imaturo, a amarelo-alaranjado quando demasiado maduro. A cidra não cai da árvore e pode chegar a pesar 4–5 kg se não for colhida antes de estar totalmente madura.[6][7] No entanto, os frutos devem ser colhidos antes do inverno, pois os podem podem dobrar ou quebrar para o chão e os frutos podres podem causar doenças fúngicas para a árvore. A espécie é muito vigorosa, não apresentando períodos de dormência significativos, florescendo várias vezes por ano, sendo por isso frágil e extremamente sensível às geadas.[8] Variedades e híbridosApesar da grande variedade de formas assumidas pelo fruto, as variedades e cultivares de cidra estão todas intimamente relacionadas geneticamente, representando uma única espécie.[9][10] A análise genética divide os cultivares conhecidos em três grupos (clusters): um grupo mediterrânico que se acredita ter-se originado na Índia, e dois grupos predominantemente encontrados na China, um representando as cidras com dedos e outro consistindo por variedades sem dedos.[10] As variedades com frutos ácidos incluem a cidra-florentina e a cidra-diamante de Itália, a cidra-grega e a cidra-balady da Israel.[11] As variedades doces incluem a cidra-da-córsega (ou cidra-corsa) e a cidra-marroquina. Entre as variedades sem polpa estão também algumas variedades de cidra-com-dedos e a cidra-iemenita. Existem também vários híbridos de cidra, como por exemplo, a variedade limão-ponderosa, o lumia e a rhobs-el-Arsa, cuja natureza híbrida é bem conhecida. Suspeita-se que a cidra-florentina não seja uma cidra pura, mas um híbrido de cidra. Origem do nomeO nome cidra deriva do termo latino citrus, palavra que também deu origem ao nome genérico Citrus atribuído ao género em que a espécie se integra. O termo português cidra parece ter evoluído a partir da designação italiana (cedro). Na língua persa, o fruto é designado por turunj, distinguindo-o de naranj ('laranja-azeda'). Ambos os nomes foram importados para a língua árabe e através dela introduzidos nas línguas ibéricas após a invasão muçulmana da Península Ibérica, onde deram origem ao vocábulo laranja (bem como 'toranja') e seus equivalentes castelhanos.[12] Cultura e etnobotânicaIntroduzida em cultivo na Índia, tem sido cultivada nas regiões tropicais e subtropicais da Ásia desde a antiguidade. Os gregos conheceram esta espécie por ocasião das invasões de Alexandre, o Grande, tendo-a encontrado na Pérsia, então parte do Império Medo (e por isso designada por Média) e por isso a passaram a chamar como "pomo da Média", como consta na Historia Plantarum de Teofrasto,[13] introduzindo-a no Médio Oriente e depois na região em torno do Mediterrâneo. Foi devido ao nome grego, derivado da Média, que Lineu designou esta espécie como Citrus medica.[13] A cidra terá sido o primeiro citrino a ser introduzido na bacia do Mediterrâneo.[13] A análise da filogenia molecular das variedades em cultura prova que a cidra é uma espécie de citrino original e muito antiga. Esses dados mostram que a maioria das espécies e variedades de citrinos presentemente cultivadas surgiram por hibridação de um pequeno número de tipos ancestrais, incluindo a cidra, o pomelo, a mandarina e, em menor escala, as papedas e o quincã. Como a Citrus medica é geralmente fecundada por autopolinização, daí resulta que estas plantas apresentem um grande grau de uniformidade genética traduzido por elevada homozigose, contituindo-se geralmente como o ancestral masculino dos híbridos cítricos cultivados, muito raramente sendo o feminino.[7][9][14][15][16][17][18] A moderna filogenética aponta o subcontinente indiano como a região de origem da espécie,[9] onde seria nativa nos vales do sopé da região leste dos Himalaias. Pensa-se que por volta do século IV a.C., quando Teofrasto menciona a "maçã persa ou meda",[19] a cidra era cultivada principalmente no Golfo Pérsico estando já em expansão a caminho da bacia do Mediterrâneo, onde foi cultivado durante os séculos posteriores em diferentes áreas, conforme descrito por Erich Isaac.[20] São frequentes as referências ao papel de Alexandre, o Grande, e dos seus exércitos, aquando do ataque ao Império Aqueménida (Pérsia) e à região que na actualidade é o Paquistão, como sendo responsáveis por acelerar a expansão da cultura da cidra em direcção ao ocidente, fazendo com que chegasse ao sueste da Europa e atingisse regiões como a Grécia e a Itália.[21][22][23][24][25][26][27][28] Antiguidade bíblicaO Levítico menciona o fruto da formosa árvore ('hadar') como sendo exigido para uso ritual durante a Festa dos Tabernáculos (Lev. 23:40). De acordo com a tradição rabínica, o fruto da árvore hadar refere-se à cidra. O egiptologista e arqueólogo Victor Loret alegou ter identificado a cidra retratado nas paredes do jardim botânico do Templo de Karnak, que data da época de Tutemés III, datado de há aproximadamente 3 500 anos atrás.[29] A referência bíblica e esta possível identificação apontam para que a cidra esteja em cultura no Médio Oriente desde tempos remotos, antecedendo a cultura de outras espécies de citrinos.[30] TeofrastoA seguinte descrição da cidra é dada por Teofrasto, na sua Historia plantarum, e foi repetida por diversos escritores clássicos:[31]
Plínio, o VelhoA cidra foi também descrita por Plínio, o Velho, que a designou por «nata Assyria malus» (maçã-da-assíria), dizendo da espécie na sua obra História Natural:
CulináriaA cidra tem ampla utilização na culinárias de diversas regiões, sendo contudo mais presente no Sudoeste Asiático. Os seus usos variam desde a confecção de bolos e doces até à produção de bebidas, incluindo o uso como tempero para compor o odor dos alimentos. Enquanto o limão e a laranja são descascados para consumir os segmentos da sua polpa amarelada (o flavedo do fruto), a parte mais suculenta e adocicada, a polpa da cidra fica seca, contendo apenas uma pequena quantidade de suco insípido, se o houver. Na cidra, o principal conteúdo do fruto é a espessa casca branca (o albedo), que adere aos segmentos e deles não se separa facilmente. A cidra é um ingrediente regularmente usado na culinária asiática. A variedade de cidra usada no Japão, conhecida por yuzu, é espremida, e o suco é usado regularmente em molhos, temperos e marinadas. O suco é amplamente disponível engarrafado como suco de limão. A casca de yuzu ralada ou picada também é adicionada às marinadas e sobremesas, e o yuzu oco pode ser visto como recipiente decorativo em restaurantes sofisticados. Na Coreia, um chá popular, conhecido por yuja-cha (chá de yuja), é feito misturando polpa e casca de cidra cortada em juliana com açúcar e mel. Este chá é consumido quente ou gelado e costuma ser tomado para dores de garganta e resfriados no inverno. Na actualidade, a cidra é maioritariamente usada pela sua fragrância, sob a forma de extractos ou de raspas, mas a parte mais importante ainda é a sua casca interna (conhecida como miolo ou albedo), um produto importante no comércio internacional e amplamente utilizado na indústria alimentar, especialmente na produção de succade,[21] designação pelo qual é conhecido quando confitado em açúcar. No Irão, a casca branca e espessa da cidra é usada para fazer geleia. No Paquistão a fruta é usada para fazer geleia, mas também é usada em conserva. Na cozinha do sul da Índia, algumas variedades de cidra (colectivamente referidas como narthangai em tamil e heralikayi na língua kannada) são amplamente utilizadas em picles e conservas. Em Karnataka, a cidra é usado para fazer um prato designado por arroz de limão.[40] Em Kutch, Gujarat, é usado para fazer picles, em que fatias inteiras de fruto são salgadas, secas e misturadas com açúcar mascavado do tipo jagra (jaggery) e especiarias para produzir picles doces e picantes. Dezenas de variedades de cidra são conhecidas colectivamente como lebu na cozinha bengali, onde a cidra é a fruta cítrica principal. Na cozinha mediterrânica, especialmente na Grécia e sul da Itália, a cidra é dividida ao meio e despolpada, sendo então a casca (quanto mais espessa, melhor) cortada em pedaços, cozida lentamente em xarope de açúcar (operação que se designa por confitar) e usada como doce de colher, em grego conhecido como kitro glyko (κίτρο γλυκό), ou então picado e caramelizado com açúcar e usado em confeitaria para bolos e outros doces. Na Itália, um refrigerante conhecido por «cedrata» é feito a partir de extractos deste fruto. Nas ilhas Samoa é preparada uma bebida refrescante designada por vai tipolo obtida espremendo o fruto. Também é adicionado a um prato de peixe cru denominado oka e a uma variação de palusami ou luáu. Nos Estados Unidos, a cidra é um ingrediente importante nos bolos de frutas (fruitcakes) tradicionalmente usados pelo Natal.
Medicinas tradicionaisDesde a antiguidade até aos tempos medievais, a cidra foi usada principalmente para fins médicos: para combater o enjoo, problemas respiratórios, doenças intestinais, escorbuto e outras afecções. O óleo essencial extraído do flavedo (a camada mais externa e pigmentada da casca) também era considerado um antibiótico. O suco de cidra com vinho foi considerado um antídoto eficaz para venenos, conforme relatado por Teofrasto. No sistema de medicina ayurvédica, o suco ainda é usado no tratamento de doenças como náuseas, vómitos e sede excessiva. O suco da cidra tem alto teor de vitamina C e é usado no sistema de medicina indiana como anti-helmíntico, aperitivo, tónico, e no tratamento da tosse, reumatismo, vómito, flatulência, hemorróidas, doenças de pele e visão fraca.[41] Há um mercado crescente para a cidra pela fibra solúvel (rica em pectina) encontrada no seu espesso albedo.[42] Usos religiososNo judaísmo a cidra é usada para rituais religiosos (o fruto é designado em hebraico por etrog) durante as celebrações judaicas das colheitas do Sukkot, a Festa dos Tabernáculos. Por isso é considerado um símbolo judaico, encontrado em várias representações da antiguidade hebraica e em achados arqueológicos.[43] As cidras usadas para fins rituais não podem provir de plantas cultivadas por enxertia de ramos. No budismo é utilizada uma variedade de cidra nativa da China que apresenta secções que separam separam o corpo do fruto em partes semelhantes a dedos como oferenda em templos budistas, razão pela qual esta variedade é conhecida por cidra-mão-de-buda. PerfumariaDesde há muitos séculos que o óleo essencial fragrante da cidra é usado em perfumaria, sendo este o mesmo óleo que usado na medicina tradicional pelas suas propriedades antibióticas. O principal constituinte é o limoneno, responsável pelo odor intenso a limão que o produto apresenta.[44] Referências
Bibliografia
Ver tambémGaleria
Ligações externas |